next up previous contents
Next: 3 A conexão Barra Up: 1 Introdução Previous: 1 Astronomia extragaláctica e   Conteúdo

2 O estado da arte em barras extragalácticas

Antes de iniciar esta revisão, vale notar que barras em sistemas estelares podem surgir em formas diversas. Em primeiro lugar, há barras predominantemente estelares e há aquelas em que o conteúdo é exclusivamente gasoso. Esta Tese se refere unicamente às barras estelares, embora as barras gasosas sejam citadas uma ou outra vez, principalmente dada sua conexão com a alimentação de núcleos ativos em galáxias (AGN's - ``Active Galactic Nuclei''). Em segundo lugar, conforme será visto adiante, barras podem ter origem em instabilidades dinâmicas globais em discos, incluindo não apenas os discos de galáxias, mas também discos protoplanetários, discos de acrescimento na formação de estrelas, em estrelas binárias, estrelas de nêutrons e buracos negros estelares e supermassivos (e.g., Kobayashi & Mészáros 2003; Goodman 2003; Saigo, Hanawa & Matsumoto 2002; Okazaki et al. 2002; Lai 2000; Shibata, Baumgarte & Shapiro 2000). Evidentemente, tais barras estão fora do escôpo deste trabalho. Finalmente, informações sobre a barra da Galáxia serão abordadas na medida em que possam elucidar as questões relativas a barras estelares em galáxias em geral, o que não é freqüente dada a nossa posição no disco da Via Láctea, que impede uma visão de face da barra. Assim, barras estelares em galáxias externas são o nosso objeto de estudo primário.

Evidências observacionais mostram que, dependendo da definição operacional, mais da metade das galáxias brilhantes no universo local possuem barras (ver, e.g., Seção 1.3). Muito trabalho a respeito desta estrutura galáctica foi realizado para que o nosso conhecimento sobre barras possa ser considerado hoje pouco mais do que qualitativo. Uma recente revisão por Friedli (1999) indica que as barras evoluem nos aspectos morfológico, dinâmico e químico. Estes processos devem induzir modificações na galáxia hospedeira, tanto em escalas de tempo dinâmicas ($\sim 0.1 - 1$ Gano) e cosmológicas ($\sim 10$ Gano) como em grandes ($\sim 10$ Kpc) e pequenas ($\sim 0.1 - 1$ Kpc) escalas de tamanho. As informações nos parágrafos a seguir foram separadas e dispostas com objetivos didáticos. No entanto, como em conjunto formam um corpo de dados mais sólido, alguns aspectos ficam mais claros após a leitura completa desta seção.

1 Formação de barras

Sabemos ser muito provável o surgimento espontâneo de uma barra em discos galácticos, devido a instabilidades dinâmicas globais em discos estelares ou gasosos. Isto foi mostrado em diversos trabalhos teóricos, tanto analíticos quanto numéricos (ver Binney & Tremaine 1987, doravante BT87). Toomre (1963, 1964) mostrou que discos estelares são estáveis a perturbações axissimétricas se


\begin{displaymath}
Q\equiv\frac{\sigma_r\kappa}{3.36G\Sigma}>1,
\end{displaymath} (1)

onde $\kappa $ é a freqüência de epiciclo nas órbitas estelares, dada por


\begin{displaymath}
\kappa^2=R\frac{{\rm d}\Omega^2}{{\rm d}R}+4\Omega^2,
\end{displaymath} (2)

sendo que $R$ é a distância ao centro do disco e $\Omega $ é a velocidade angular de rotação; $\sigma_r$ é a dispersão radial de velocidades, $G$ é a constante da gravitação de Newton e $\Sigma$ é a densidade superficial projetada de massa. Assim, $Q$ é conhecido como o critério de estabilidade de Toomre. Muito há a ser dito sobre o significado deste resultado. Em primeiro lugar, para discos gasosos, como primeiro mostrado por Safronov (1960), resultados similares são obtidos, e é necessário substituir $\sigma_r$ por $v_s$, a velocidade do som no meio. Em segundo lugar, rigorosamente o resultado acima se aplica apenas a perturbações axissimétricas (e.g., uma expansão radial do disco). Entretanto, Toomre mostra que, para perturbações não axissimétricas, como barras, o resultado deve ser bastante semelhante. Resultados obtidos por outros autores para discos com propriedades distintas confirmam esta sugestão. Finalmente, a Eq. (1.1) se refere tanto a perturbações locais, como o colapso de nuvens interestelares, quanto globais, como barras. Vale notar que Goldreich & Lynden-Bell (1965) e Julian & Toomre (1966) mostraram que discos estelares e gasosos são estáveis a todas as perturbações locais não axissimétricas. A melhor estimativa possível que obtemos para $Q$ em discos de galáxias reais é o da vizinhança solar, já que a determinação precisa dos parâmetros que se incluem na Eq. (1.1) não é trivial para outras galáxias. Para a vizinhança solar, $Q=1.7$, com possíveis valores variando entre 1 a 3, de forma que esta região da Galáxia parece ser estável a perturbações locais.

Kalnajs (1972) mostrou que, para sua família de discos, um modo de instabilidade descrito por $(l,m)=(2,2)$, onde $l$ e $m$ são os índices harmônicos do potencial perturbado do disco quando expresso em termos de harmônicos esféricos (ver, e.g., Boas 1966), surge sempre que


\begin{displaymath}
\frac{\Omega^2}{\Omega^{2}_{0}}>0.2572,
\end{displaymath} (3)

onde $\Omega_0$ é a velocidade angular de uma órbita circular. Este modo produz uma deformação elipsoidal no disco semelhante a uma barra e é conhecido como o modo da instabilidade de barra. Para discos de Maclaurin (ver BT87), os resultados indicam um valor de 0.5 para o termo à direita na Eq. (1.3). A diferença fundamental entre os discos de Kalnajs e os de Maclaurin é que os primeiros são estelares, enquanto os últimos são constituídos por um fluido incompressível. Outras diferenças nas famílias de discos incluem também o perfil radial de $\Omega $ e de $\Sigma$.

Por outro lado, Polyachenko & Polyachenko (2003) sugerem que a formação de barras ocorre através de um mecanismo originalmente proposto por Lynden-Bell (1979). Neste mecanismo, a barra se forma via a atração mútua e o alinhamento das órbitas estelares em precessão.

O que estes resultados nos dizem, de maneira geral, é que discos cinematicamente frios, i.e., aqueles em que o suporte dinâmico é essencialmente fornecido pela revolução das estrelas em torno do centro, são instáveis à formação de barras. Sendo o oposto verdadeiro para discos cinematicamente quentes, i.e., aqueles em que o suporte dinâmico vem da dispersão nas velocidades estelares.

Do ponto de vista numérico, Miller & Prendergast (1968), Hohl & Hockney (1969) e Hohl (1971, 1975) foram alguns dos primeiros trabalhos a mostrar que, de fato, discos de estrelas são extremamente instáveis à formação de barras. Simulações numéricas recentes confirmam este resultado; a escala de tempo para a formação de barras, uma vez que o disco esteja formado, é de cerca de $10^8$ anos (ver, e.g., Capítulo 3).

É interessante notar que em discos que possuem estrelas e gás os critérios para estabilidade são mais complexos. O disco pode ser instável mesmo quando cada componente é estável separadamente (ver, e.g., Jog & Solomon 1984; Bertin & Romeo 1988; Elmegreen 1994). A quantidade relativa de gás no disco é neste ponto um parâmetro fundamental. Enquanto for uma fração pequena da massa total do disco o gás tem o papel de facilitar a instabilidade de barra. No entanto, Shlosman & Noguchi (1993) mostram que se mais de 10% da massa estiver na forma de gás, então o efeito é inverso. Isto porque o gás colapsa via instabilidade de Jeans1 (1929; BT87) formando condensações que podem espalhar as estrelas em suas órbitas, aumentando a temperatura cinética do disco (ver também Combes 1996).

A questão que surge naturalmente é a de como estabilizar os discos, já que boa parte das galáxias espirais observadas não possuem barras. Ostriker & Peebles (1973; ver também Athanassoula & Sellwood 1986) mostraram numericamente que há pelo menos 2 maneiras de se estabilizar um disco estelar. Na primeira delas, o disco se torna estável se a razão $t$ entre a energia cinética de rotação e a energia gravitacional total é menor do que 0.14$\pm$0.02, o que é essencialmente similar aos resultados de Toomre e Kalnajs acima. A segunda forma de estabilizar o disco é incluir uma componente esferoidal2cuja massa interna ao disco seja de 1 a 2.5 vezes a massa do disco. Essa componente pode ser tanto a região interna do halo de matéria escura que, acredita-se, existe pelo menos nas galáxias espirais gigantes, ou o próprio bojo da galáxia. Toomre (1981) argumenta que discos com alta concentração central de massa também inibem a formação de barras. Este resultado foi numericamente confirmado por Sellwood & Moore (1999). Isto acontece porque o excesso de massa faz com que surja uma ressonância interna de Lindblad (ILR - ``Inner Lindblad Resonance'', ver adiante) no disco. Este resultado é certamente bastante desconfortável (Sellwood 2000), visto que há muitas evidências (Sellwood 2002) de que galáxias barradas apresentam centros com excesso de densidade e anéis nucleares, que supostamente indicam a presença de uma ILR [ver Buta & Combes (1996); ver também Regan & Teuben (2003) para uma interpretação alternativa]. O excesso de massa no centro pode ser produzido tanto por nuvens gigantes e densas de gás molecular, como por buracos negros supermassivos (Sellwood & Evans 2001; mas ver Shen & Sellwood 2003). Portanto, pode-se questionar: como essas galáxias desenvolveram uma barra?

Esta situação desconfortável ainda se agrava ao se considerar as galáxias barradas lenticulares.3 Estes sistemas estelares possuem discos que são demasiadamente quentes, tornando-os estáveis à formação das barras. Além disso, são as galáxias de disco com maior razão bojo/disco ao longo da seqüência de Hubble. Nota-se, assim, que apesar de o nosso conhecimento sobre os mecanismos de formação de barras estar bastante adiantado, esta questão ainda não foi respondida adequadamente. Soluções podem estar relacionadas com o papel dos halos escuros nos mecanismos de excitação e estabilização dos discos (Gadotti & de Souza 2003a, b; Athanassoula 2003). Parte significativa desta Tese versa sobre este tema.

Por outro lado, como foi mostrado com simulações por Noguchi (1987) e Gerin, Combes & Athanassoula (1990), forças de maré em encontros próximos de galáxias facilitam a ignição da instabilidade de barra. Observacionalmente, Elmegreen, Bellin & Elmegreen (1990) confirmam este resultado. Noguchi (1996, 2000) sugere que todas as barras em galáxias de tipos morfológicos recentes se formam via interações de maré, enquanto que somente nas espirais mais tardias as barras são de fato criadas espontaneamente pela instabilidade de barra. No entanto, ainda não é claro se este cenário explica bem as diferenças, por exemplo, morfológicas, entre as barras nos diversos tipos de galáxias (ver adiante). Em particular, barras formadas por maré em simulações $N$-corpos (Miwa & Noguchi 1999) têm uma baixa velocidade angular de rotação $\Omega_B$, o que se contradiz com as observações de que barras em galáxias de tipos recentes têm valores elevados para $\Omega_B$ (Aguerri, Debattista & Corsini 2003). Do ponto de vista observacional, parece não haver dependência na fração de galáxias barradas com o meio ambiente (van den Bergh 2002).

2 Destruição e reconstrução de barras

Como será visto adiante, uma vez que uma barra se forma em uma galáxia, uma série de processos evolutivos deve ocorrer, provocando alterações em diversos aspectos na galáxia e na própria barra. Uma das alterações mais fundamentais diz respeito ao aumento de massa na região central da galáxia, induzido pela barra. Hasan & Norman (1990) e Pfenniger & Norman (1990) mostram que à medida que a concentração central de massa aumenta, as órbitas estelares tornam-se caóticas, e as principais famílias de órbitas que dão sustentação à barra são dissolvidas. Barras mais fortes são dissolvidas mais rapidamente e o processo tem início na região central da barra.

Norman, Sellwood & Hasan (1996) calculam que, para que ocorra uma rápida ($\sim 0.1$ Gano) e quase completa dissolução da barra, a massa no caroço central da galáxia deve chegar a 5% da massa total de bojo e disco somados. No entanto, outros autores encontram valores diversos: para Friedli (1994), 2% da massa do disco já são suficientes para a dissolução em 1 Gano; Hozumi & Hernquist (1999) chegam a valores como 1% da massa do disco e 1 a 4 Gano para a dissolução da barra; finalmente, para Beretzen et al. (1998) estes valores são 1.6% da massa da galáxia e 2 Gano. Esses resultados distintos são conseqüência da utilização de modelos e técnicas diversas. Em um estudo recente, Shen & Sellwood (2003) concluem que estes valores dependem da forma como a massa central está distribuída. Os autores concluem que se a escala de comprimento da concentração central de massa é da ordem de alguns parsecs, os efeitos são significativamente mais intensos do que para objetos centrais mais difusos. No entanto, os resultados indicam que mesmo buracos negros supermassivos (com 0.1% da massa do bojo) levam mais que um tempo de Hubble para enfraquecer a barra significativamente. O mesmo ocorre com concentrações centrais de gás molecular com massas de 5% da massa do disco e escalas de comprimento de algumas centenas de parsecs. Os primeiros têm pouca massa e as últimas são muito difusas. Portanto, estes autores concluem que as barras parecem ser mais robustas do que o que foi concluído anteriormente. Embora todos concordem que a concentração central de massa enfraqueça a barra, isto parece ocorrer apenas muito gradualmente. A dissolução da barra nas simulações de Shen e Sellwood ocorre apenas para buracos negros com massa superior a 4 - 5% da massa do disco, ou concentrações mais difusas com 10% da massa do disco; e pode levar mais de 6 Gano para uma dissolução completa. Se estes valores estiverem corretos, trazem conforto face às observações de que os buracos negros supermassivos observados em galáxias espirais barradas, bem como concentrações centrais de gás molecular, não atinjem massas tão altas (e.g., Wandel 1999; Sakamoto et al. 1999a). Certamente se faz necessário um estudo sistemático deste problema, que é muito importante e ainda está longe de uma solução definitiva.

Surge então a questão: uma galáxia que foi um dia barrada e teve sua barra dissolvida pode voltar a ser barrada novamente? Aparentemente, a evolução e a dissolução da primeira barra impedem que isto aconteça. Isto porque: (i) o aumento na concentração central de massa induzido pela primeira barra torna o disco mais estável, e (ii) a dissolução da primeira barra aquece o disco, já que aumenta a dispersão de velocidades nas suas estrelas, o que também o torna mais estável. Portanto, é necessário esfriar o disco para que uma segunda barra se desenvolva. Uma forma de se conseguir isto é através da queda de gás externo no disco. Bournaud & Combes (2002) estudam este efeito em simulações numéricas que incluem estrelas, gás, formação estelar e perda de massa por estrelas evoluídas. Os resultados mostram que, com o acréscimo de gás (que faz o disco dobrar de massa em $\sim 7 - 10$ Gano, dependendo da massa contida no halo externo de gás e de sua taxa de queda), o disco torna-se instável novamente e até 4 barras poderiam se formar e serem dissolvidas em um tempo de Hubble. As propriedades das barras recorrentes devem ser distintas das primeiras barras: são mais curtas, mais fracas e mais rápidas. Por outro lado, ainda não é claro se a queda de gás pode dar um suporte extra à primeira barra, de forma que esta jamais se dissolva. Entretanto, a queda contínua de gás resolve dois problemas persistentes. O primeiro é como explicar a taxa de formação estelar observada em espirais de tipos tardios se, com essa taxa, a quantidade de gás medida nestas galáxias se extingüe em poucos Giga-anos [embora possamos admitir que estas galáxias sejam formadas recentemente; ver Kennicutt (1983)]. O segundo problema consiste em explicar a persistência e a ocorrência de braços espirais que, pelo menos na hipótese de Lin-Shu (1964, 1966), são uma instabilidade no disco que precisa de gás para se manter viva (BT87). Um ponto a favor do cenário de barras recorrentes foi encontrado por Block et al. (2002) que mostram que a distribuição de torques (ver adiante) em galáxias espirais só pode ser explicada com a captura de gás externo no disco. Do contrário, galáxias com disco devem perder barras e braços e se tornarem axissimétricas em poucos Giga-anos. Mais uma vez, é altamente desejável que esta questão (relativamente nova) seja explorada em diversas frentes, para que uma comparação eficiente entre a teoria e a observação de galáxias reais possa ser realizada. Muito estudo teórico e observacional ainda é preciso para verificar se este cenário é plausível. Nesta Tese, serão obtidos resultados que têm fortes implicações para um possível cenário de barras recorrentes.

3 Morfologia, cinemática e dinâmica de barras e braços espirais

Com as propriedades morfológicas observadas em barras podemos definir a força da barra, i.e., a capacidade desta em produzir movimentos não circulares no disco. Martin (1995) utiliza 3 parâmetros para definir a força da barra: (i) a razão axial $b/a$ da barra, corrigida por efeitos de inclinação, (ii) o comprimento da barra (normalizado pela isofota de 25 $B$ mag arcsec$^{-2}$), e (iii) a elipticidade aparente da barra. Medidas mais sofisticadas incluem o torque provocado pela barra através da razão entre as forças tangenciais e radiais4 (Block et al. 2001; Buta et al. 2001) e a análise das componentes de Fourier da imagem deprojetada da galáxia (e.g., Ohta 1996; Athanassoula & Misiriotis 2002). As propriedades das barras são diferentes entre galáxias de tipos recentes (S0 a Sbc) e galáxias de tipos tardios (Sbc a Sm). Nas de tipos recentes as barras têm menor razão axial, são maiores, portanto mais fortes, e têm uma forma mais retangular e bem definida. Além de serem mais arredondadas, as barras em galáxias de tipos tardios também apresentam assimetrias, o que não ocorre nas de tipos recentes. Os perfis de luminosidade também são distintos. Nas galáxias de tipos recentes este é achatado e as barras são mais luminosas mesmo normalizando pela luminosidade da galáxia. Nas de tipos tardios o perfil é exponencial (Elmegreen & Elmegreen 1985). Fazendo-se uma média azimutal, no entanto, os perfis radiais de luminosidade não são distintos entre galáxias barradas e ordinárias. A fração da luminosidade da galáxia compreendida pela barra tem sido estimada por diversos autores e, com técnicas diversas, os resultados são bastante desiguais. Valores típicos estão na faixa dos 50% na região da barra, e 10 a 30% até a isofota de 25 $B$ mag arcsec$^{-2}$ (Sellwood & Wilkinson 1993 e referências aí contidas). Além disso, as barras em tipos recentes se estendem até além da parte ascendente nas curvas de rotação, enquanto que aquelas em tipos tardios terminam antes da curva de rotação se tornar plana.

Figura 1.1: Diagrama representando algumas das principais propriedades cinemáticas de galáxias barradas. A velocidade angular de rotação das estrelas no disco $\Omega $ em função do raio galactocêntrico $r$ (as unidades são arbitrárias). As 3 linhas finas são os perfis de $\Omega $ e $\Omega \pm \kappa /2$, sendo $\kappa $ a freqüência de epiciclo. A linha grossa mostra a velocidade angular de rotação do padrão da barra. Os pontos de cruzamento marcados são as principais ressonâncias observadas (do centro para a borda): as ressonâncias internas de Lindblad (IILR - ``Inner Inner Lindblad Ressonance'' e OILR - ``Outer Inner Lindblad Ressonance''), a corrotação (CR - ``Corotation'') e a ressonância externa de Lindblad (OLR - ``Outer Lindblad Ressonance'').
\begin{figure}\epsfxsize =16cm
\centerline{\epsfbox{omega.eps}}\end{figure}

A Fig. 1.1 exibe uma propriedade dinâmica especialmente relevante no estudo de galáxias barradas: a corrotação e as ressonâncias de Lindblad (ver, e.g., BT87). Na corrotação (CR - ``Corotation''), as estrelas no disco têm a mesma velocidade angular que o padrão da barra. De fato, é o centro guia da órbita da estrela que co-rotaciona com o potencial da barra, e não a estrela propriamente, já que sua órbita também é descrita pela freqüência de epiciclo. Nas ressonâncias interna (IILR - ``Inner Inner Lindblad Ressonance'' e OILR - ``Outer Inner Lindblad Ressonance'') e externa (OLR - ``Outer Lindblad Ressonance''), as estrelas encontram picos sucessivos do potencial da barra em uma freqüência que coincide com a das suas oscilações radiais, i.e., as freqüências de epiciclo. A cada duas oscilações radiais ocorre uma revolução da barra. No caso das ILR's, as estrelas do disco orbitam com velocidades de rotação superiores à da barra, e no caso da OLR ocorre o oposto: o potencial da barra ultrapassa essas estrelas. Entretanto, as barras terminam antes da CR (ver adiante), de forma que as estrelas do disco sempre tendem a ultrapassar a barra. Como pode ser visto na Fig. 1.1, a posição das ressonâncias depende da velocidade angular da barra, $\Omega_B$. Assim, uma galáxia pode ter desde nenhuma a várias ressonâncias. Em particular, pode ter duas, uma, ou nenhuma ILR. Note que havendo alterações na velocidade de rotação da barra durante sua evolução, a posição das ressonâncias também se altera ao longo da evolução da galáxia. Outras ressonâncias também ocorrem, e.g., em $\Omega\pm\kappa/m$, com $m$ inteiro. No entanto, é para $m=2$ que as ressonâncias têm importância fundamental no estudo de barras e braços espirais. Combes & Elmegreen (1993) sugerem, através de simulações $N$-corpos, que $\Omega_B$ depende das razões bojo/disco da galáxia em massa e em escalas de comprimento. Segundo estes autores, galáxias de tipo recente têm barras com valores elevados para $\Omega_B$ [o que está em acordo com as observações (e.g., Aguerri, Debattista & Corsini 2003)], terminando antes, mas próximas, da CR. Em tipos tardios, $\Omega_B$ é baixo5e a barra termina bastante distante da CR, já próxima à ILR (ou à OILR se houverem 2 ILR's). Elmegreen et al. (1996a, b), analisando uma amostra de 11 galáxias barradas no infravermelho próximo, concluem que barras em galáxias de tipos recentes terminam antes da CR, mas depois da ressonância ultra-harmônica interna (ou ressonância 4:1 interna, onde $\Omega_B=\Omega-\kappa/4$), numa região bastante povoada por ressonâncias. A razão entre o raio da CR e o da ressonância 4:1 interna varia de 2 a 3, dependendo da curva de rotação da galáxia. Segundo os autores, o espalhamento orbital provocado pelas ressonâncias cria as estruturas conhecidas como ``ansae'', que somente aparecem nas barradas de tipos recentes (são como alças em cada ponta da barra; estas estruturas podem dar origem aos observados anéis internos). Ainda segundo Elmegreen et al., os braços espirais e os anéis nestas galáxias parecem co-rotacionar com as barras; e as galáxias de tipos tardios parecem não ter ILR's. Neste ponto, é interessante notar que Elmegreen & Elmegreen (1985) também encontram resultados que sugerem uma origem comum para barras e braços espirais, já que braços mais desenvolvidos parecem estar correlacionados com barras fortes, formando o padrão conhecido como ``grand design''.

Podemos salientar de imediato 3 pontos que tornam as ressonâncias de extrema importância no estudo de galáxias barradas. Em primeiro lugar, os efeitos perturbativos da barra no potencial axissimétrico do disco da galáxia são levados ao extremo nas ressonâncias, já que aí estes efeitos são cumulativos, devido ao reforço periódico. Em segundo lugar, as órbitas mais relevantes das estrelas na galáxia têm direções perpendiculares de um lado e de outro das ressonâncias. A principal família de órbitas periódicas em uma galáxia barrada (ver, e.g., Contopoulos & Papayannopoulos 1980; Teuben & Sanders 1985; Contopoulos & Grosb$\o $l 1989; Contopoulos & Voglis 1996; Contopoulos, Voglis & Efthymiopoulos 1996), a órbita do tipo x1, e as dos tipos 4/1 e 6/1 (ver Fig. 1.2), são alinhadas paralelamente à barra, e são dominantes somente entre a ILR (ou o centro, se não houver ILR's) e a CR. Esta é a razão para as barras terminarem sempre antes da CR. Do centro até a ILR (aqui assumindo que só haja 1 ILR), as órbitas do tipo x2, perpendiculares à barra, são dominantes. Além da CR, até a OLR, as órbitas dominantes também são perpendiculares à barra. As órbitas do tipo x3 são similares às do tipo x2 mas são instáveis; as do tipo x4 são similares às do tipo x1 mas são retrógradas e pouco povoadas. Note que as estrelas que fazem parte da barra, as que seguem as órbitas dos tipos x1, 4/1, 6/1 etc., estão quase constantemente na barra, permanecendo nela e reforçando-a durante muitas revoluções, o que dá às ondas de densidade que dão origem à barra o caráter de quase estacionárias. O acúmulo de massa na região central que induz a dissolução da barra via o aparecimento de órbitas caóticas (ver acima), também faz com que a ILR se estenda cada vez mais na barra (pois o pico em $\Omega -\kappa /2$ é elevado), de modo que as órbitas do tipo x1 dão lugar às do tipo x2, e a barra desaparece. Finalmente, as ressonâncias têm a propriedade de manter as estrelas em órbitas aproximadamente circulares quando o raio galactocêntrico da estrela é próximo dos raios ressonantes (BT87; ver também Bertin 2000). A maior parte das estrelas na galáxia segue famílias de órbitas periódicas e o gás não tem um comportamente diferente. Entretanto, dada a natureza dissipativa do gás, este termina por não participar de órbitas que se cruzam. Além disso, na passagem de cada ressonância, a mudança de direção no movimento do gás é gradual, o que não ocorre no caso das estrelas, que têm mudanças bruscas na orientação das órbitas, após um certo período de relaxação (Combes 2001a).

Figura 1.2: As principais famílias de órbitas que dão suporte à barra (vertical na figura) entre a ILR (não exibida) e a CR (círculo externo). As órbitas do tipo x2 (não exibidas) são perpendiculares (horizontais na figura) e são dominantes na região interna à ILR [extraído de Contopoulos & Grosb$\o $l (1989)].
\begin{figure}\epsfxsize =5cm
\centerline{\epsfbox{orbits.eps}}\end{figure}

A resposta das órbitas do gás de um disco em uma galáxia barrada foi investigada através de simulações numéricas por Schwarz (1981), que encontrou que o gás se acumula em braços espirais ``trailing''6 desde a CR até a OLR. Em poucos Giga-anos essa configuração se transforma em um anel externo, com bastante semelhança com galáxias reais. Este tipo de resposta ocorre porque a formação da barra parece induzir a formação de braços espirais entre a CR e a OLR. O gás nestes braços sofre um torque pela barra que o acelera (ver Fig. 1.3). Assim, a barra perde momento angular para o gás externo à CR. Por outro lado, a cada ressonância o torque é invertido (e.g., Sellwood & Wilkinson 1993) de forma que o gás que se encontra entre a CR e a ILR perde momento angular para a barra (ver, e.g., Piner, Stone & Teuben 1995; Combes 2001a). Friedli & Benz (1993, 1995 e referências aí contidas) mostram que, além dos torques, choques induzidos pela barra no gás do disco nesta região fazem com que este gás seja coletado em direção ao centro da galáxia na ILR. Athanassoula (1992a, b, 2000) mostra que as faixas de gás e poeira ao longo das laterais das barras em galáxias indicam não só a existência destes choques mas também a presença de uma ILR e um fluxo substancial de gás para a região central. Note que, como o gás segue órbitas quase circulares (ou elípticas, mas alinhadas com os eixos da barra) na CR e nas ressonâncias de Lindblad ($m=2$) não sofre torque nessas regiões, já que as forças tangenciais induzidas pela barra se cancelam nessas órbitas. Para $m=4$ (ressonância 4:1 interna) isso ocorre apenas se o potencial da barra tiver essa componente de Fourier relevante. Também através de simulações numéricas, Combes & Gerin (1985) mostram que o gás acumulado na ILR dá origem a anéis nucleares em cerca de 10$^8$ anos. Assim, a presença de anéis nucleares (que geralmente são anéis circum-nucleares de formação estelar) pode ser um indício da presença de uma ILR, o que tem implicações importantes para o estudo dinâmico da galáxia, como vimos. Além disso, surge um quadro que relaciona a barra e a presença de anéis: os nucleares seriam formados rapidamente e com surtos de formação estelar; os internos seriam formados pelo espalhamento das órbitas entre a ressonância 4:1 interna e a CR, sendo portanto de formação mais lenta e envolvendo apenas a população estelar mais velha, já contida na barra; e os externos seriam formados também via acúmulo de gás como os nucleares, porém em escalas de tempo mais longas (Buta 1986; Buta & Combes 1996; Rautiainen & Salo 2000). Neste cenário, a região da CR tende a ficar desprovida de gás.

Figura 1.3: Os torques induzidos pela barra no gás presente no disco. A ILR e a CR estão marcadas pelas linhas tracejadas. As linhas finas indicam a orientação das órbitas estelares (a barra é horizontal nesta figura) e as linhas grossas podem ser vistas como o acúmulo de gás nos braços ``trailing'' (externo à CR) ou na barra (interno à CR). O gás além da CR ganha momento angular devido ao torque provocado pela barra, e se acumula em direção à OLR, enquanto que aquele na região interna perde momento angular e cai em direção ao centro da galáxia ou à ILR.
\begin{figure}\epsfxsize =10cm
\centerline{\epsfbox{torque.eps}}\end{figure}

Devemos, entretanto, atentar para o fato de que esta definição das ressonâncias, como usualmente aplicada, apenas é válida no regime linear, i.e., para órbitas quase circulares e discos cinematicamente frios (Athanassoula 2003). Para as estrelas em órbitas que obedeçam essas condições, as definições e implicações acima continuam válidas. No caso de galáxias barradas, para as órbitas que constituem a barra, outra definição importante surge. As órbitas do tipo x1 são todas órbitas ressonantes pois se fecham após uma revolução e duas oscilações radiais, assim como as circulares na ILR convencional. Analogamente, podemos encontrar outras órbitas ressonantes além da CR, externas à barra. Conforme demonstrado primeiramente por Lynden-Bell & Kalnajs (1972), são as órbitas ressonantes aquelas que podem transportar momento angular radialmente em uma galáxia, sendo portanto as órbitas mais relevantes no que diz respeito à evolução secular desses sistemas estelares. Lynden-Bell & Kalnajs ainda demonstraram analiticamente que em uma galáxia com braços espirais ``trailing'', o momento angular é transferido das regiões internas do disco para as externas, em acordo com os resultados acima. Porém, para braços ``leading'' a transferência de momento angular é invertida. Além disso, não é estritamente necessário que haja uma barra para que essa transferência ocorra, embora a presença da barra faz com que este fenômeno seja mais significativo (ver Zhang 1996, 1998, 1999). Os resultados de Gadotti & dos Anjos (2001a, b) mostram que, em geral, somente com uma barra as conseqüências da transferência de momento angular são apreciáveis. No caso de uma galáxia espiral ordinária com dois braços, as estrelas na ILR perdem momento angular para aquelas na CR e na OLR. Em uma galáxia barrada, porém, todas as estrelas com órbitas do tipo x1 cedem momento angular para as estrelas em órbitas ressonantes externas. Como barras são perturbações de momento angular negativo, este transporte de momento angular para as regiões externas tende a tornar a barra mais forte (Athanassoula & Misiriotis 2002; Athanassoula 2002, 2003). O transporte de momento angular para fora é uma tendência em galáxias espirais que, dessa forma, atingem um estado de mínima energia, ou máxima entropia (ver Combes et al. 1995).

Como se vê na Fig. 1.1, $\Omega -\kappa /2$ é quase constante ao longo do raio da galáxia. Este fato chamou a atenção de Lindblad para sugerir que os braços espirais são ondas de densidade (ver BT87). Até então, a origem dos braços espirais enfrentava um sério problema: se fossem braços materiais, i.e., se as estrelas que fazem parte dos braços permanecessem neles, a rotação diferencial do disco faria com que os braços desaparecessem rapidamente, independentemente de serem ``trailing'' ou ``leading''. Há duas soluções para esse problema, no entanto, sem que seja preciso assumir braços como ondas de densidade. Em algumas galáxias o padrão espiral poderia ser formado através de muitos pequenos braços que se formam como instabilidades locais, com surtos de formação de estrelas, e que são deformados em espirais via rotação diferencial, e que se desfazem rapidamente. Em um processo estocástico (e.g., Sellwood & Carlberg 1984) com a formação contínua de braços via um fornecimento também contínuo de gás ao disco, o padrão espiral formado é bastante semelhante aos braços floculentos encontrados em muitas galáxias, como NGC 2841 (e.g., Elmegreen & Elmegreen 1984; Efremov & Chernin 1994; Thornley 1997; Elmegreen et al. 1999). Por outro lado, o padrão espiral pode ainda ser material, mas ser um fenômeno temporário, resultante de uma perturbação violenta, como por exemplo o encontro com outra galáxia (ver, e.g., Toomre 1981). Nesse caso, também há a indução de ondas de densidade. Esse pode ser o caso de galáxias como M51 (NGC 5194). No entanto, ainda nos resta explicar os braços bem desenvolvidos em galáxias isoladas. Se $\Omega -\kappa /2$ for exatamente constante, então é possível imaginar uma série de órbitas concêntricas fechadas em um referencial não inercial que tem uma velocidade angular de rotação igual a $\Omega -\kappa /2$. Ora, neste referencial, é muito fácil criar ondas de densidade semelhantes a distorções ovais ou a braços espirais (ver Fig. 1.4). Porém, $\Omega -\kappa /2$ não é constante, o que faz com que esses braços de ondas de densidade também sejam dissolvidos rapidamente, embora este problema seja bem menos sério neste caso, já que o tempo de desaparecimento dos braços é da ordem de 5 vezes maior do que no caso dos braços materiais.

Para salvar a idéia dos braços como ondas de densidade podemos utilizar a hipótese de Lin-Shu (1964, 1966), na qual a estrutura espiral consiste em uma onda de densidade quase estacionária. Essa onda surge como uma pequena instabilidade ``leading'' no disco que, via a amplificação (``swing amplifier'') de Toomre (1981) e via rotação diferencial, torna-se uma onda ``trailing'' de grandes proporções (ver Combes et al. 1995). Neste quadro encontramos acordo com as observações. Em primeiro lugar, a maior parte dos braços espirais observados é ``trailing''. O fato de a maior parte dos padrões espirais serem formados por 2 braços é explicado pela teoria de Lin-Shu como o modo mais instável. As faixas de poeira que acompanham os braços espirais também dão suporte a este cenário visto que o gás é um ingrediente fundamental na ignição e manutenção dessas instabilidades. Por outro lado, o fato de os braços serem ainda visíveis no infravermelho próximo, e mais alargados, os confirma como ondas de densidade (Elmegreen & Elmegreen 1984), já que esta banda de observação é um traçador sensível à maior parte da população estelar da galáxia.

Figura 1.4: Ondas de densidade cinemáticas espirais podem ser produzidas pela simples superposição de órbitas concêntricas na orientação adequada, em um referencial cuja velocidade angular de rotação é igual a $\Omega -\kappa /2$, assumido como constante [Extraído de Toomre (1977); ver também Kalnajs (1973)].
\begin{figure}\epsfxsize =15cm
\centerline{\epsfbox{onda.eps}}\end{figure}

Não podemos, entretanto, ignorar as galáxias com o padrão ``grand design'', nos quais uma distorção oval, ou uma barra, dá origem a ondas de densidade (ver Elmegreen & Elmegreen 1983; Polyachenko & Polyachenko 2001), com os braços tendo início claramente nas pontas de cada barra (e.g., NGC 1300 e NGC 1365).

Assim, surge um quadro global no qual temos 4 origens distintas para o padrão espiral: a origem caótica dos braços floculentos; as interações de maré; as instabilidades no disco com amplificação e geração de ondas de densidade; e a indução de ondas de densidade via barra. No último caso, $\Omega_B$ é também a velocidade de rotação do padrão dos braços. O papel da barra também pode ser fundamental na hipótese de Lin-Shu. A ignição de uma instabilidade ``leading'' no disco cria uma onda que se propaga pelo centro como ``trailing'' e é refletida de volta como ``leading'' novamente na CR, onde ocorre amplificação. Sucessivas reflexões criam uma onda de densidade quase estacionária que dá origem à barra. Essa análise (ver Combes et al. 1995) explica, assim como a análise de órbitas periódicas no potencial de uma galáxia barrada, porque a barra termina antes da CR e porque o aparecimento de uma ILR inibe ou destrói a barra, já que a ILR impede que a onda alcançe o centro. Analiticamente, os potenciais perturbativos de 2 braços espirais e de barras podem ser descritos da mesma maneira; são ambos bissimétricos, cujo termo mais importante na decomposição de Fourier é aquele para $m=2$. O papel da rotação diferencial também é fundamental em todos os processos.

Uma vez que a barra esteja formada na galáxia, ao menos dois processos dinâmicos fundamentais ocorrem que têm ação na barra como um todo: a fricção dinâmica com o halo e o espessamento vertical. Weinberg (1985) estimou analiticamente que a fricção dinâmica com um halo massivo faria a barra reduzir seu movimento rotacional dramaticamente em escalas da ordem de 10$^8$ anos. Debattista & Sellwood (1998) e Athanassoula (1996; ver também Sellwood 1980) confirmaram essa previsão com simulações $N$-corpos. Através de simulações numéricas e tratamento analítico linear, Hernquist & Weinberg (1992) sugerem que os halos em galáxias barradas têm estruturas que inibem o acoplamento destes com as barras, ou existe algum mecanismo que pode formar barras muito tempo após a formação do disco. Segundo os autores, essas são possibilidades plausíveis para considerar a existência de barras em discos com mais de 1 Gano. Vimos que Aguerri, Debattista & Corsini (2003), utilizando o método de Tremaine-Weinberg (1984), indicam que as barras giram rápido. Assim, também podemos considerar que ou os processos de fricção dinâmica são mal compreendidos, ou os halos das poucas galáxias para as quais $\Omega_B$ foi medido têm propriedades distintas das anteriormente supostas. De fato, Debattista & Sellwood (1998) confirmam através de simulações que a fricção dinâmica em galáxias com halos de baixa densidade na região interna do disco é pequena, permitindo que a barra continue com um $\Omega_B$ compatível com as observações. Este resultado favorece a hipótese de discos máximos, na qual a curva de rotação central em galáxias espirais pode ser explicada completamente pela massa dos discos, e os halos de matéria escura devem ter uma contribuição mínima nesta região (ver, e.g., Sellwood & Sanders 1988). Portanto, halos motivados por simulações cosmológicas, como os de Navarro, Frenk & White (NFW, 1996), são desfavorecidos. Observacionalmente, a questão dos discos máximos está longe de ser respondida (ver, e.g., Kranz, Slyz & Rix 2003, 2001; Courteau & Rix 1999). Neste contexto, é interessante notar que Sellwood (2003) realiza simulações que mostram que uma barra não é capaz de achatar perfis do tipo NFW, o que seria uma solução para o problema. Por outro lado, na hipótese de barras recorrentes (Bournaud & Combes 2002, veja acima) as barras novas formadas poderiam ser aceleradas, o que reconciliaria a fricção dinâmica, o perfil NFW e as medidas de $\Omega_B$. Nesta hipótese, galáxias barradas não seriam distingüíveis de galáxias ordinárias na fase em que a barra é quiescente, o que está em acordo com os resultados de Courteau et al. (2003), em que, para uma dada luminosidade, barradas e ordinárias têm parâmetros estruturais e dinâmicos (e.g., velocidades máximas de rotação, escalas de comprimento e cores) comparáveis. Em particular, a localização na relação Tully-Fisher (1977) independe de a galáxia ser barrada ou não.

Com relação ao espessamento vertical, simulações tri-dimensionais de $N$-corpos (e.g., Combes & Sanders 1981; Combes et al. 1990) mostram que uma barra que se desenvolve em um disco plano não permanece fina, já que, supostamente, ressonâncias orbitais entre as freqüências do movimento da barra no plano do disco e das estrelas na direção perpendicular, provocam o aquecimento vertical da barra, que se manifesta na formação de uma estrutura perpendicular ao plano do disco, ou seja, no espessamento da barra. Em uma série de trabalhos recentes (Kuijken & Merrifield 1995; Merrifield & Kuijken 1999; Bureau & Athanassoula 1999; Athanassoula & Bureau 1999; Bureau & Freeman 1999; Bureau, Freeman & Athanassoula 1999; Bureau, Freeman & Athanassoula 2000), mostrou-se que o aquecimento vertical da barra produz as morfologias ``boxy'' e ``peanut'' quando a galáxia barrada é vista de perfil. Aparentemente, a assinatura ``peanut'' aparece quando a linha de visada é perpendicular à barra, enquanto que a ``boxy'' aparece quando a linha de visada é paralela à barra. Um dos diagnósticos na identificação de barras em galáxias vistas de perfil é justamente a ausência de gás na região da CR, que é justificada em termos dinâmicos, como vimos acima. A hipótese de que as galáxias que apresentam a morfologia ``boxy-peanut'' são de fato galáxias barradas vistas de perfil já havia sido formulada por de Souza & dos Anjos (1987; ver também Shaw 1987). Entretanto, a literatura mostra que ainda não existe um consenso acerca do exato mecanismo que provoca o espessamento da barra. Por um lado, as ressonâncias orbitais citadas acima induzem a difusão das órbitas e o conseqüente espessamento da barra. Por outro lado, este fenômeno pode ocorrer mais naturalmente, envolvendo as estrelas do disco coletivamente. Toomre (1966) mostra que o espessamento de um disco ocorre se a dispersão de velocidades no plano do disco for maior do que cerca de 3 vezes a dispersão de velocidades na direção perpendicular (mecanismo ``hose'', ou ``fire-hose'', ou ainda ``bar-buckling''; Merritt & Sellwood 1994). Como a barra torna as órbitas estelares mais excêntricas, sem afetar substancialmente o movimento na direção vertical, o mecanismo proposto por Toomre pode prover um meio natural de engrossar a barra sem recorrer a ressonâncias orbitais (Bureau & Freeman 1999; Friedli 1999). O mecanismo de Toomre é uma instabilidade análoga àquela que faz uma mangueira de água oscilar rapidamente quando o fluxo de água que passa por ela é acelerado, daí o nome. De todo modo, tanto pelo mecanismo de Toomre como via as ressonâncias verticais, é a dispersão de velocidades na direção vertical no movimento das estrelas que torna a barra mais espessa. Este é o fundamento do diagnóstico que iremos desenvolver, como parte desta Tese, para estimar a idade de barras em galáxias. Isto porque as escalas de tempo envolvidas nestes processos para o espessamento da barra devem girar em torno de 1 Gano, apesar de ser difícil dizer isto precisamente.

4 Formação estelar e evolução química em galáxias barradas

O destino reservado ao gás que se acumula nas ressonâncias orbitais em galáxias barradas é, evidentemente, o de formar estrelas, já que há um aumento substancial na densidade do gás nestas regiões. Os anéis externos, provavelmente associados à OLR e, em menor grau, os anéis internos, associados à ressonância 4:1 interna, mostram sinais claros de serem em boa parte constituídos por estrelas de População I (ver, e.g., Athanassoula & Bosma 1985). Mais espetaculares, porém, são os anéis circum-nucleares de formação estelar, observados freqüentemente em galáxias barradas (Sérsic & Pastoriza 1965, 1967). Nestes, a formação estelar é muito intensa, em acordo com as considerações dinâmicas que fizemos acima.

Vários trabalhos na literatura confirmam as barras como catalisadores da formação estelar central em galáxias (e.g., Huang et al. 1996; Colina et al. 1997; Carollo et al. 1997; Kennicutt 1998a e referências aí contidas; Alonso-Herrero & Knapen 2001; ver também Combes 2001b). Ho, Filippenko & Sargent (1997a) encontram que este efeito é significativo apenas para galáxias de tipos mais recentes do que Sbc, provavelmente devido às diferenças entre as propriedades das barras em galáxias de diferentes tipos de Hubble. Gadotti & dos Anjos (2001a, b) mostram que galáxias barradas de tipos Sb, Sbc e Sc tendem a ter gradientes de cor $(B-V)$ e $(U-B)$ menos acentuados, em virtude da formação estelar central provocada pela barra. Também é interessante mencionar que a taxa de formação estelar global é similar em galáxias barradas e ordinárias. As regiões em que a formação estelar é mais intensa variam entre os diversos tipos morfológicos. Galáxias de tipos mais tardios tendem a apresentar surtos de formação estelar ao longo da barra, enquanto que nas de tipos mais recentes não se encontra qualquer formação estelar ao longo da barra, somente nos anéis (Phillips 1996; Martin & Friedli 1997).

Assim, uma barra estelar provoca uma mistura em larga escala do gás ao longo da galáxia, que pode ser observada nos perfis de abundância de certos elementos químicos. Em consistência com este cenário, Martin & Roy (1994) e Zaritsky, Kennicutt & Huchra (1994) concluem que galáxias barradas tendem a apresentar gradientes da abundância (O/H) menos acentuados do que galáxias ordinárias. Por outro lado, Sakamoto et al. (1999a, b; ver também Regan et al. 2001, 2002; Das et al. 2003) mostram que galáxias barradas apresentam uma maior concentração central de gás molecular (CO) do que galáxias ordinárias. Estes autores argumentam que este resultado indica o transporte de gás ao longo da barra para as regiões centrais das galáxias.

5 O papel das barras na formação e construção de bojos e lentes

O aumento na concentração de massa nas regiões centrais da galáxia dá origem a órbitas estelares irregulares (devido ao espalhamento orbital) que transportam estrelas do disco para o bojo (e.g., Berentzen et al. 1998). Vemos, portanto, que a barra, durante sua evolução, sofre uma série de processos que podem contribuir para a formação ou construção de bojos galácticos (ver, e.g., Kormendy 1982; Wyse, Gilmore & Franx 1997 e referências aí contidas). Isto porque, além do espalhamento orbital, já vimos que: (i) gás é acumulado na região central do disco, dando origem a surtos de formação estelar nessa região; (ii) estrelas na região interna à CR perdem momento angular, adquirindo órbitas mais excêntricas e internas; e (iii) o espessamento da barra na região central do disco ocorre naturalmente após cerca de 1 Gano, e dá origem a bojos com a morfologia ``boxy-peanut''. Norman, Sellwood & Hasan (1996) vão além e sugerem que a formação da barra, sua dissolução e conseqüente construção do bojo, possa ser um processo recorrente. Pfenniger & Norman (1990) e Pfenniger (1993, 1996, 1999), entre outros autores, sugerem, baseados neste cenário, que a parte espiral da seqüência de Hubble pode ser visualizada como uma seqüência evolutiva, na qual as galáxias de tipos Sd, Sm transformam-se em galáxias de tipos mais recentes, até S0, Sa.

Muitos estudos observacionais dão suporte a este cenário de formação de bojos via evolução secular de barras. A similaridade das cores em bandas largas de bojos e das regiões internas de discos, encontrada por Balcells & Peletier (1994; ver também Peletier & Balcells 1996; Peletier et al. 1999; Gadotti & dos Anjos 2001a, b) para uma amostra de espirais de tipos morfológicos relativamente recentes, é um exemplo, já que indica que as idades e as metalicidades das estrelas nessas regiões são semelhantes, embora a degenerescência idade-metalicidade nas cores de populações estelares possa trazer incertezas. Courteau, de Jong & Broeils (1996; ver também de Jong 1996b; dos Anjos & Gadotti 2003) mostram que existe uma correlação entre as escalas de comprimento de bojos e discos para uma amostra de espirais de tipos morfológicos recentes e tardios. Estes resultados podem estar indicando que as formações de bojo e disco não podem ser fenômenos tão distintamente separados como no cenário monolítico (e.g., Eggen, Lynden-Bell & Sandage 1962), mas que deve existir uma conexão evolutiva entre essas duas componentes. Além disso, os surtos de formação estelar observados por, e.g., Carollo et al. (1997) em bojos extragalácticos são naturalmente explicados no cenário de evolução secular.

Outras evidências que dão apoio a este cenário são encontradas em observações a respeito da dinâmica e cinemática de bojos. Kormendy (1982) mostra que bojos triaxiais, que são dinamicamente semelhantes a barras, têm uma velocidade máxima de rotação maior do que os bojos de galáxias ordinárias e, portanto, são mais semelhantes a discos. Kormendy & Illingworth (1983) mostram que bojos de galáxias barradas têm, em geral, uma dispersão central de velocidades menor do que os bojos de galáxias ordinárias de mesma luminosidade. Como os discos têm uma dispersão central de velocidades menor do que bojos, este resultado é consistente com a hipótese de que os bojos em galáxias barradas foram parcialmente construídos com material do disco, transportado pela barra. A semelhança entre as distribuições de elipticidades de bojos e discos também foi utilizada como um argumento de que as formações destas duas componentes são eventos conexos (Kormendy 1993). Outra evidência de que os processos evolutivos em barras contribuem para a formação de bojos vem do fato de que estrelas ricas em metais no bojo Galáctico possuem características cinemáticas de barras, enquanto que as estrelas pobres em metais nesta região não possuem esta propriedade (Rich & Terndrup 1997).

Por outro lado, parece haver uma dicotomia entre os bojos de galáxias espirais de tipos mais recentes, que seguem um perfil de luminosidade de de Vaucouleurs (1948), i.e., $\propto r^{1/4}$, e aqueles em galáxias de tipos mais tardios, que seguem um perfil de luminosidade exponencial. Carollo et al. 2001 (ver também Carollo 1999; Avila-Reese & Firmani 1999) através de medidas de cores no óptico e no infravermelho próximo com o telescópio espacial Hubble (HST - ``Hubble Space Telescope''), mostram que a população estelar nos bojos tipo $r^{1/4}$ é mais velha que nos bojos exponenciais. Isto pode indicar que os processos de evolução secular são apenas relevantes na formação ou construção de bojos em espirais de tipos mais tardios. Neste momento, é oportuno lembrar que os outros dois cenários para a formação de bojos e galáxias em geral, o cenário monolítico (e.g., Eggen, Lynden-Bell & Sandage 1962) e o cenário hierárquico (e.g., Kauffmann & White 1993) também têm seus sucessos e fracassos.7 Apenas como exemplo da complexidade do tema, Aguerri, Balcells & Peletier (2001) usam simulações $N$-corpos para mostrar que a fusão hierárquica de bojos exponenciais dá origem a bojos do tipo $r^{1/4}$. Cada vez mais fica claro que os três cenários devem ocorrer, e que a formação de bojos pode ser uma combinação destes três cenários. A questão que permanece para ser respondida por estudos futuros é a de determinar a importância relativa de cada um destes cenários, e como o papel de cada um deles varia em diferentes condições físicas, como, por exemplo, em ambientes de diferentes densidades galácticas. Nesta Tese, mostraremos novas evidências do importante papel das barras na construção (pelo menos parcial) de bojos, inclusive em galáxias de tipos morfológicos recentes.

Barras também podem estar relacionadas com a formação de lentes em galáxias. Kormendy (1979, 1981) mostra que as lentes (ver nota de rodapé no. 3) aparecem quase totalmente em galáxias de tipos S0 e Sa, e que cerca de metade das barradas nestas classes morfológicas apresentam lentes. Kormendy também observou que, em virtualmente todos os casos, a barra preenche exatamente o eixo maior da lente. E, verificando que lentes em barradas e ordinárias são cinematicamente quentes, este autor sugere que as lentes são também um produto da dissolução das barras (ver também Combes 1996). Por outro lado, Athanassoula (1983) e Bosma (1983) sugerem que os processos de formação de barras e lentes são similares, e que as diferenças ocorrem devido a diferentes condições iniciais, sendo que as lentes se formam com uma população estelar do disco inicial que é mais quente do ponto de vista cinemático.

6 Barras hierárquicas e a alimentação de AGN's

O transporte de gás para as regiões centrais das galáxias, induzido pela barra, tem sido estudado também como uma possível alternativa para a alimentação de núcleos ativos em galáxias (ver, e.g., Phinney 1994). Através de processos dinâmicos, uma barra secundária pode surgir interna à barra primária e conduzir o gás até as pequenas escalas de distância ao núcleo ativo (Shlosman, Frank & Begelman 1989; Shlosman, Begelman & Frank 1990). Por exemplo, uma barra primária pode coletar o gás na região do disco na ordem de 10 Kpc para a ILR em torno de 1 Kpc. Em seguida, uma barra secundária levaria o gás para distâncias galactocêntricas da ordem de 100 pc, e assim sucessivamente. Erwin & Sparke (1999b, 2002) apresentam galáxias onde a barra secundária pode ser identificada. Em NGC 2681, Erwin & Sparke (1999a) encontram uma hierarquia de três barras. Embora ainda não haja um consenso a respeito da relação das barras com os núcleos ativos (Ho, Filippenko & Sargent 1997a, b; Knapen 1998; Maia, Machado & Willmer 2003), a formação e dissolução de barras hierárquicas favorece ainda mais o cenário no qual a construção de bojos está intimamente ligada aos processos dinâmicos nos discos galácticos (Friedli & Martinet 1993). Laine et al. (2002) encontram que 18 $\pm$ 4% das galáxias com disco têm mais de uma barra, e 29 $\pm$ 5% das barradas têm uma barra secundária. Além disso, esses autores encontram um excesso significativo de barras em galáxias de Seyfert (1943) [resultado compartilhado também por Knapen, Shlosman & Peletier (2000)].

O transporte de gás até as regiões centrais pela barra é um resultado observacional que já goza hoje de um estado bastante consolidado. A falta de uma correlação clara entre galáxias barradas e AGN's é um indício de que a natureza pode não ser tão simples quanto nossos modelos ainda ingênuos sugerem. A própria definição de barra ainda é por demais sujeita a variações entre diferentes grupos de pesquisadores. Por exemplo, distorções ovais também podem ser eficientes no transporte de momento angular. Além disso, a freqüência de galáxias barradas é sabidamente variável com a banda de observação, sendo que barras são mais conspícuas no infravermelho próximo (Mulchaey, Regan & Kundu 1997; Eskridge et al. 2000), o que ainda é consistente com o quadro dinâmico de barras, no qual estas estruturas envolvem populações estelares mais evoluídas. No entanto, mesmo no infravermelho próximo, Mulchaey & Regan (1997) não encontram excesso de barradas em galáxias Seyfert. Porém, como os próprios autores sugerem, as barras nas galáxias com AGN podem ter recentemente se dissolvido. A possibilidade de barras recorrentes é um complicador neste tema intrincado. Além da presença de barras, muitos outros fatores podem ser decisivos, como, por exemplo, a presença de gás no disco (ver Wada 2003). Também ainda não está clara qual é a relação entre AGN's e formação estelar nuclear (e.g., Ivanov et al. 2000 e referências aí contidas).

Do ponto de vista dinâmico as dúvidas não são menores. Ainda não é claro qual é o papel da ILR, por exemplo, embora parece ficar evidente que esta ressonância interrompe o fluxo de gás (pelo menos parcialmente) para o núcleo (Combes 2001a). Por outro lado, sem que haja uma alta concentração central de massa (e.g., um buraco negro supermassivo), o pico em $\Omega -\kappa /2$ é baixo, pode não haver uma ILR e, se houver formação de espirais nucleares, estes braços serão ``leading'', fornecendo momento angular para o gás na região central, que, portanto, deixa de cair para o núcleo. Com uma ILR, esses braços têm o padrão ``trailing'', removendo o momento angular do gás. A formação de braços espirais ou barras secundárias depende do desacoplamento dinâmico de um disco nuclear (Heller & Shlosman 1994). Rubin, Kenney & Young (1997) revelam que 20% de 80 espirais no aglomerado de Virgem possuem discos nucleares desacoplados dinamicamente. As barras secundárias, que também são dinamicamente desacopladas das primárias (Tagger et al. 1987; Combes 1994; Corsini, Debattista & Aguerri 2003) têm a sua CR coincidente com a ILR da primária, em geral (Maciejewski & Sparke 2000). Isto ocorre porque, do contrário, o aparecimento de órbitas caóticas desfaz a barra secundária. As escalas de tempo para o transporte de gás, a formação, dissolução e o possível ressurgimento das barras, não são bem conhecidas, e a possibilidade de haver 0, 1 ou 2 ILR's adiciona aí complexidade. Masset & Tagger (1997) fazem simulações que sugerem que a vida das barras secundárias seja curta, talvez de apenas algumas revoluções [mas veja El-Zant & Shlosman (2003) para um resultado oposto]. As dificuldades de se identificar braços e barras secundárias são ainda maiores do que no caso destas instabilidades em larga escala. Galáxias que apresentam apenas uma barra nuclear podem ser o caso, por outro lado, de serem sistemas nos quais a barra primária desapareceu, mas a secundária ainda permanece. Diante de todos esses detalhes, não é surpreendente que Maciejewski et al. (2002) sugerem numericamente que as barras secundárias não aumentam o fluxo de massa para o núcleo. Observacionalmente, Martini et al. (2001) comparam amostras similares de galáxias Seyfert e normais, e não encontram diferença na presença de barras secundárias. Além disso, Laurikainen, Salo & Rautiainen (2002) determinam a força da barra em galáxias com e sem AGN, através da determinação dos torques induzidos pela barra, e concluem que, surpreendentemente, as barras mais fortes são encontradas em galáxias sem AGN! Shlosman, Peletier & Knapen (2000) encontram resultados semelhantes.

7 Barras sob o ponto de vista cosmológico

Uma das muitas importantes possibilidades abertas pelos estudos de galáxias em ``redshifts'' intermediários ($z\sim 1$) a altos ($z>2$), por exemplo, pelos campos profundos do HST (HDF's - ``Hubble Deep Fields''), foi o de se avaliar a variação morfológica de galáxias no tempo. Em particular, van den Bergh et al. (1996) e Abraham et al. (1994, 1996) encontraram que a fração de galáxias barradas cai brutalmente com o ``redshift'', chegando a zero para $z\sim 0.5-1$. Segundo estes trabalhos, essa queda é de fato real, sendo que os problemas de baixa resolução espacial, e o fato de as observações serem realizadas em bandas azuis no repouso, seriam responsáveis por apenas parte deste resultado. No entanto, recentemente, os mesmos autores sugerem que a queda na freqüência de galáxias barradas com $z$ é apenas um efeito espúrio (van den Bergh et al. 2002), embora concluam que mais observações e testes precisam ser realizados. Sheth et al. (2003) também chegam a conclusões semelhantes. É difícil super-estimar a importância de conhecermos de forma correta a variação na freqüência de galáxias barradas ao longo da evolução do universo, bem como as propriedades das barras fora do universo local. Além de colocar vínculos para os modelos de barras, também fornece uma série de respostas relacionadas com o cenário global de formação e evolução de galáxias.



Footnotes

... Jeans1
Em um fluido infinito, homogêneo, com densidade $\rho_0$, perturbações com escalas de comprimento $r$ maiores do que $v_s/\sqrt{G\rho_0}$ são instáveis, fazendo com que o fluido inserido nesta região contraia-se.
... esferoidal2
Um esboço desta idéia já aparece em Kalnajs (1972).
... lenticulares.3
Aqui vale um aparte interessante. Apesar da sugestão semântica, não são todas (e nem apenas) as galáxias lenticulares que apresentam lentes. Estas são estruturas com perfil de luminosidade plano que cercam a região central de algumas galáxias. Têm bordas bem delimitadas, com abruptas quedas na luminosidade, o que as tornam parecidas com anéis elípticos espessos.
... radiais4
Movimento não circular em galáxias barradas já havia sido reportado por de Vaucouleurs & de Vaucouleurs (1963).
... baixo5
Ainda não há observações que confirmem ou refutem este resultado teórico [mas veja Gerssen, Kuijken & Merrifield (2003); suas observações, ainda que estatisticamente pobres, sugerem que o valor de $\Omega_B$ é ainda mais alto para as galáxias de tipos tardios, o que poderia implicar em que, nestas galáxias, a barra também termina próxima à CR, que neste caso é mais próxima do centro].
... ``trailing''6
Os braços ``trailing'' são aqueles em que a ponta solta do braço segue o restante deste no sentido de rotação da galáxia. Nos braços ``leading'', a ponta solta do braço precede o braço na rotação da galáxia. Observações indicam que a maior parte das espirais têm atualmente braços ``trailing'' (BT87).
... fracassos.7
Detalhes sobre os sucessos e fracassos dos três cenários podem ser encontrados em Gadotti (1999).


Subsections
next up previous contents
Next: 3 A conexão Barra Up: 1 Introdução Previous: 1 Astronomia extragaláctica e   Conteúdo
Dimitri Gadotti 2004-02-03