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1 Gradientes de cor

Um dos primeiros resultados apresentados na seção 2.4 foi o de que galáxias vistas de perfil tendem a ter gradientes de cor mais negativos (ver Tabela 2.1 e Figura 2.6), mas este comportamento só é observado com clareza no índice (U-B). Certamente que este efeito está relacionado ao fato de que, para galáxias vistas de perfil, o avermelhamento diferencial provocado pela extinção interestelar é maior, e também mais difícil de ser corrigido. Para que os gradientes em (U-B) sejam mais acentuados para galáxias vistas de perfil, devido ao avermelhamento interestelar, é preciso que as regiões centrais das galáxias sofram com maior intensidade os efeitos do avermelhamento do que as regiões periféricas. Assim, este resultado indica que a extinção interestelar é maior no bojo do que no disco das galáxias espirais, i.e., o bojo contém mais poeira do que o disco. Isso está de acordo com os resultados apresentados por de Jong (1996c). Neste trabalho, de Jong também concluiu que os gradientes de cor observados em galáxias não podem ser explicados somente pelo excesso de avermelhamento nas regiões centrais, mas que, de fato, o avermelhamento tem um papel insignificante. Este autor conclui que os gradientes podem ser explicados como um efeito conjunto da variação da idade e da metalicidade estelar ao longo de galáxias espirais.

Outros comportamentos que podem ser observados nas distribuições dos gradientes (Figura 2.7 e Tabela 2.1) são: (i) - galáxias barradas têm gradientes menos negativos, mas, novamente, este comportamento somente ocorre quando se considera o índice (U-B), e, (ii) - galáxias barradas têm distribuições mais alargadas, tanto em (U-B) quanto em (B-V). Estes dois comportamentos podem ser vistos como compatíveis com o cenário de evolução secular. A atenuação dos gradientes de cor em galáxias barradas pode decorrer dos efeitos de evolução secular relacionados a barras, já que estes promovem uma homogeneização das populações estelares ao longo da galáxia, conforme vimos nas seções 1.1.3 e 2.1. Ademais, este efeito deve mesmo ser mais visível na cor (U-B), já que quando ocorre um surto de formação estelar, as variações nesta cor são maiores do que em (B-V), conforme se pode concluir dos modelos de evolução fotométrica de Larson & Tinsley (1978). O fato das galáxias barradas possuírem distribuições mais alargadas pode ser interpretado de algumas maneiras distintas, porém ainda dentro do cenário de evolução secular. Por um lado, a presença de uma barra pode não ser uma condição suficiente para que haja a homogeneização das populações estelares. A quantidade de gás disponível no disco da galáxia pode ter aí um papel fundamental. Uma barra em um disco pobre em gás pode não coletar a quantidade de gás necessária para induzir uma formação estelar central suficientemente poderosa a ponto de tornar similares as populações estelares do bojo e disco. Por outro lado, sendo as condições favoráveis, a presença da barra homogeneiza as populações estelares ao longo da galáxia, atenuando os gradientes de cor, ou até mesmo tornando-os positivos, no caso em que a formação estelar central, induzida pela barra, é ainda recente (o que torna as cores centrais mais azuladas). De fato, outro resultado que apresentamos, ainda relativo à distribuição dos gradientes de cor, é o de que a fração de galáxias com gradientes nulos ou positivos é maior entre as galáxias barradas (Figura 2.8). Todas essas observações não somente podem decorrer do cenário de evolução secular como também o favorecem.

Os resultados que apresentamos em relação às três categorias de gradientes (negativos, nulos e positivos), na seção 2.4.2, podem ser discutidos em duas etapas distintas. Primeiro, consideraremos toda a amostra, para, em seguida, analisar os resultados que se referem somente às galáxias vistas de face.

Considerando toda a amostra deste estudo, vemos que 70% das galáxias são barradas (SAB+SB). Através da Tabela 2.2, vimos que, no entanto, essa fração é menor entre as galáxias com o típico gradiente negativo, sendo igual a 64% em (B-V) e 59% em (U-B). Além disso, essa fração aumenta entre as galáxias com gradientes nulos, indo para 87% em (B-V) e 81% em (U-B). Portanto, há uma diferença bastante significativa entre a fração de galáxias barradas que têm gradientes nulos, e essa mesma fração entre as galáxias com gradientes negativos. Essa diferença é ligeiramente mais acentuada quando utilizamos o critério mais restritivo para definir o gradiente nulo. Em outras palavras, as galáxias barradas estão super-representadas na amostra de objetos com gradientes nulos ou positivos. Esse resultado favorece o cenário de evolução secular, uma vez que mostra que as galáxias barradas tendem a ter gradientes de cor nulos, conforme previsto. A importância desse resultado é ainda maior na medida em que ocorre de maneira semelhante quer consideremos o índice (U-B) ou o índice (B-V). Se voltarmos os olhos apenas para as galáxias vistas de face, 79% das galáxias são barradas. Esse aumento é provavelmente devido ao fato de ser mais fácil identificar uma galáxia barrada quando esta é vista de face do que quando é vista de perfil. A diferença entre a fração de galáxias barradas que têm gradientes nulos, e essa mesma fração entre as galáxias com gradientes negativos é, nesse caso, menos acentuada, mas ainda está presente (ver Tabela 2.3). A fração de galáxias barradas que têm gradientes negativos é de 75% em (B-V) e de 73% em (U-B), subindo para 91% em (B-V) e 83% em (U-B), entre as galáxias com gradientes nulos. No entanto, a diferença é ainda significativa e, mais uma vez, o comportamento é semelhante nos dois índices de cor estudados. Além disso, se considerarmos o critério mais restritivo para definir o gradiente nulo, a diferença torna-se substancialmente mais acentuada. Enfim, o resultado permanece favorável ao cenário de evolução secular, mesmo quando se considera somente as galáxias vistas de face.

Ainda em relação às três categorias de gradientes, vimos que a maior fração de galáxias barradas ocorre entre as galáxias com gradientes positivos, tanto ao considerarmos toda a amostra, quanto ao avaliarmos somente as galáxias vistas de face. Entretanto, esse comportamento só é observado em (U-B), já que, como mencionado antes, esta cor é mais sensível aos surtos de formação estelar recente. Por outro lado, a fração de galáxias com AGN's aumenta progressivamente das galáxias com gradientes negativos para aquelas com gradientes nulos e, por fim, para as galáxias com o raro gradiente positivo. Esse resultado ocorre nos dois índices de cor, e é válido para galáxias vistas de face ou não. Apesar de uma maior fração de AGN's entre as galáxias com gradientes positivos ser um resultado esperado, o fato de haver um excesso de galáxias barradas com gradientes po-sitivos, pode estar indicando uma conexão entre a presença de barras e de AGN's. Essa conexão pode favorecer o cenário proposto por Shlosman, Frank & Begelman (1989) e Shlosman, Begelman & Frank (1990), no qual a barra é responsável pela manutenção de AGN's, coletando gás até as regiões centrais das galáxias. Por outro lado, o fato de haver galáxias barradas com gradientes positivos, mas que não têm AGN's pode indicar que a coleta de gás nem sempre chega às pequenas escalas de distância ao centro, exigidas para alimentar o AGN, ou ainda que a simples coleta de gás para as regiões centrais não é uma condição suficiente para originar um AGN. Ho, Filippenko & Sargent (1997) mostram que, enquanto parece estar bem estabelecido que as barras de fato aumentam a formação estelar nuclear em galáxias, a conexão entre barras e AGN's é muito menos clara, sendo, portanto, uma questão que ainda precisa de uma investigação mais detalhada.

Vamos nos atentar agora à comparação dos gradientes obtidos por nós com aqueles determinados em PH98 (seção 2.4.3). Vimos, como era de se esperar, que existe uma boa correlação entre os gradientes determinados em cada trabalho (Figura 2.10 - painéis inferiores). Além disso, vimos que não existe nenhuma diferença sistemática entre os gradientes calculados em cada trabalho (Figura 2.11) e que as diferenças médias são bastante pequenas. Vimos também que os gradientes em (U-B) e em (B-V) se correlacionam entre si (Figura 2.10 - painel superior para PH98 e Figura 2.9(c) para este trabalho). No entanto, a correlação entre os gradientes (U-B) e (B-V) é mais significativa no nosso trabalho. O fato de haver tal correlação indica que os mesmos fenômenos físicos são responsáveis pela origem dos gradientes em ambas as cores. Um resultado semelhante foi apresentado por Balcells & Peletier (1994) para os gradientes (U-R) e (B-R), utilizando, entretanto, apenas 18 galáxias. A melhor correlação apresentada por nós está provavelmente vinculada ao fato de que utilizamos métodos estatísticos mais robustos do que PH98 para determinar os gradientes. Assim, de certa forma, nossos gradientes são ligeiramente mais acurados.

Ainda utilizando os resultados em PH98, mostramos que existe uma leve tendência de as galáxias com gradientes nulos ou positivos apresentarem uma maior concentração central de luz, ou seja, um menor brilho superficial efetivo. No entanto, a dispersão é muito grande. Este resultado pode ser interpretado favoravelmente ao cenário de evolução secular, já que o transporte de gás das regiões periféricas para as regiões centrais, induzido pela barra, dando origem a surtos de formação estelar central, deve tornar a distribuição de massa (e, portanto, luminosidade) mais centralmente concentrada. Veremos, no Capítulo 3, que obtivemos um resultado análogo, que se refere, porém, ao brilho superficial efetivo da componente bojo, separadamente.

Vamos agora explorar os dados apresentados em M95, que se referem a uma morfologia quantitativa de barras. Nesse trabalho, Martin determina certos parâmetros morfológicos em barras de uma amostra de galáxias. Alguns deste parâmetros, como a razão axial, comprimento do eixo maior (normalizado pela isofota de 25 mag arcsec$^{-2}$), e a elipticidade aparente das barras, podem ser considerados como uma medida da força da barra, ou seja, de sua capacidade em coletar gás para as regiões centrais. É interessante notar que MR94 encontram que os gradientes de abundância O/H em galáxias barradas tornam-se menos acentuados à medida que a elipticidade ou o comprimento da barra aumentam. Portanto, isto indica que galáxias com barras fortes têm gradientes de abundância O/H menos acentuados, em completo acordo com o cenário de evolução secular. Surpreendentemente, entretanto, não existe nenhuma correlação entre os parâmetros de força das barras em 45 galáxias de nossa amostra, que foram estudadas em M95, com os gradientes de cor que nós determinamos (Figura 2.13). Seria mais natural esperarmos um resultado análogo ao encontrado em MR94, i.e., que as galáxias com barras mais fortes exibissem gradientes menos acentuados. Este resultado mostra que não podemos supor que os gradientes de cor (U-B) e (B-V) são completamente equivalentes aos gradientes de abundância O/H, e, portanto, os gradientes de cor são mais sensíveis à idade dos surtos de formação estelar. Enquanto que os gradientes de cor são mais representativos da população estelar, i.e., tipo espectral, temperatura e luminosidade estelares, o gradiente O/H está mais relacionado à abundância química do meio interestelar, e à história de formação estelar na galáxia, já que o meio interestelar é enriquecido com Oxigênio através de explosões de supernovas de tipo 2, que são produzidas por estrelas de população I, que são jovens e têm vida relativamente curta.

Ainda em relação aos gradientes de abundância O/H, utilizando os trabalhos MR94 e ZKH94, elaboramos a Figura 2.14, procurando correlações entre esses gradientes e os gradientes de cor. Corroborando a não-equivalência entre estas duas classes de gradientes, que encontramos no parágrafo anterior, as correlações são inexistentes, apesar de os erros estimados serem pequenos. Portanto, esta ausência de correlação indica que os gradientes fotométricos são mais sensíveis ao fator idade do que à metalicidade.


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Dimitri Gadotti 2003-10-06