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3 LINER's

Os resultados apresentados na subseção anterior mostram que não há resultados definitivos com relação a diferenças na quantidade de gás em SA's, SAB's e SB's. Enquanto alguns resultados apontam em um sentido, outros apontam no sentido oposto. Ainda falta-nos uma maior compreensão acerca dos reais significados de cada indicador. A situação é semelhante com relação à formação estelar. Embora os resultados apontem para uma maior intensidade de formação estelar na região central em barradas (SAB's + SB's) do que em ordinárias (SA's), alguns resultados indicam que a formação estelar é mais intensa em SB's, enquanto outros indicam o mesmo para SAB's.

Portanto, estes resultados não invalidam, e nem reforçam, a hipótese de que as espirais de tipos morfológicos intermediários (T = 5$\pm$1) sejam aquelas que mais sofrem os efeitos de evolução secular. Os resultados acerca da formação estelar até apontam neste sentido (embora com pouca robustez), principalmente os picos apresentados nas Fig(s). 1.15 e 1.16.

Nesta conjectura, as galáxias de tipos intermediários devem apresentar também uma maior freqüência de núcleos ativos, já que podem, através dos processos de evolução secular, e de uma quantidade suficiente de gás, fomentar esta atividade. Para verificar este efeito, utilizamos o catálogo de galáxias Seyfert e LINER's (``Low Ionization Nuclear Emission Line Region'' ou região nuclear com linhas em emissão de baixa ionização) de Lipovetsky, Neizvestny & Neizvestnaya (1988), obtendo 278 galáxias com os tipos morfológicos definidos no RC3. A Fig. 1.19 (painel superior) apresenta o número de Seyfert's e LINER's em função do tipo de Hubble. No entanto, este gráfico, comumente apresentado na literatura, precisa ser normalizado pela freqüência de galáxias em cada tipo de Hubble para poder ser interpretado corretamente. Realizamos essa normalização, utilizando o RC3, e apresentamos o gráfico normalizado no painel central da figura. Verifica-se que a freqüência de AGN's é maior entre os tipos recentes. O mesmo resultado foi obtido através do catálogo de Véron-Cetty & Véron (1998; ver também Moles, Márquez & Pérez 1995). Esta constatação poderia, em princípio, enfraquecer a relação entre a presença de barra e de AGN. No entanto, a Tab. 1.5 mostra que, enquanto o AGN pode ser criado, e mantido, através da interação com galáxias companheiras para aquelas de tipos recentes, a barra certamente parece exercer grande influência na origem e/ou manutenção de AGN's em tipos intermediários.

Figura 1.19: Painel superior: número de AGN's em cada classe morfológica. Painel central: freqüência normalizada de AGN's ao longo da seqüência de Hubble. Painel inferior: distribuição das classes de AGN's ao longo da seqüência de Hubble.
\begin{figure}\epsfysize =15cm
\centerline{\epsfbox{Lipov.eps}}\end{figure}


Tabela 1.5: Galáxias com AGN em interação (i.e., em pares, grupos, ou aglomerados) e barradas, no catálogo de Lipovetsky, Neizvestny & Neizvestnaya (1988). Os números entre parênteses representam a fração de galáxias em cada faixa de classe morfológica. Verifica-se que, nos tipos recentes, a maior parte dos AGN's aparece em galáxias em interação, enquanto que, nos tipos intermediários, a freqüência de AGN's em galáxias barradas aumenta.
T Em interação Barradas
0 - 1 68 (56%) 35 (29%)
2 - 3 51 (53%) 34 (35%)
4 - 5 25 (44%) 26 (46%)

O painel inferior da Fig. 1.19 mostra ainda que a freqüência de LINER's tende a crescer com T. Estes resultados em conjunto podem indicar que, além de a barra ter um papel importante na origem e/ou manutenção de AGN's em tipos intermediários, o tipo de AGN relacionado com a barra pode ser preferencialmente LINER.

Pode-se encontrar na literatura vários artigos que dão pistas com relação a essa conclusão. Giuricin et al. (1994) encontram um excesso de galáxias barradas em galáxias Seyfert ao longo de toda a seqüência espiral de Hubble, mas concluem que o efeito é principalmente devido às classes T = 4$\pm$1, muito próximo do resultado que encontramos. Por outro lado, Ho, Filippenko & Sargent (1997a) encontram este efeito somente nos tipos T = 0 a 4.

Por outro lado, Ho, Filippenko & Sargent (1997b) encontram um excesso de galáxias com núcleos HII em galáxias com tipos próximos a T = 5. Assim, estes resultados também podem estar sugerindo que a conexão AGN - formação estelar pode ser mais estreita para LINER's. Neste caso, é intrigante que os resultados de simulações e estudos numéricos indiquem que as barras fracas tenham uma menor capacidade para provocar surtos de formação estelar (Friedli & Benz 1993, 1995). Entretanto, Alonso-Herrero et al. (2000) mostram, através de estudos espectroscópicos, que a maior parte dos LINER's pode ser explicada como galáxias com surtos de formação estelar evoluídos.

LINER's constituem a maior parte dos objetos com evidência de atividade nuclear. Cerca de 80% dos LINER's não apresentam linhas alargadas e, portanto, são classificados como LINER's de tipo 2. Examinando uma amostra de LINER's 2, Terashima et al. (2000) encontram evidências de que a fonte de ionização nestes objetos não é um buraco negro supermassivo, mas um resultado de formação estelar. Além disso, LINER's possuem anéis internos com maior freqüência do que galáxias normais. Ji et al. (2000) notam que quase todos os LINER's com anéis internos têm claros indícios de serem ativos por conta de formação estelar. Como a formação de anéis internos de formação estelar está estreitamente vinculada à presença de barras (Sérsic & Pastoriza 1965, 1967) e à presença de uma ressonância interna de Lindblad, estes resultados favorecem a conexão barra - AGN - formação estelar para LINER's em galáxias de tipos intermediários (ver também Simkin, Su & Schwarz 1980; Arsenault 1989). Pode-se especular que LINER's seriam Seyfert's não fosse a ILR para barrar o transporte de gás ao centro. Lei et al. (2000) encontram uma diferença sistemática entre LINER's dos tipos 1 e 2. As primeiras têm menor contribuição de formação estelar (e maior de AGN) para a atividade nuclear, sendo o oposto verdadeiro para as segundas, que também são aquelas que apresentam anéis nucleares.

É interessante notar que tem sido encontrada uma correlação entre a massa do buraco negro supermassivo em AGN's e a massa do bojo da galáxia hospedeira. Pode-se especular que a constatação acima de que a freqüência de AGN's é maior em galáxias de tipos recentes pode estar relacionada com o fato de estas galáxias apresentarem buracos negros mais massivos. A massa de um buraco negro em uma galáxia com T = 1, por exemplo, é da ordem de $5 \times 10^{7} \rm {M}_{\odot}$, enquanto que o buraco negro em uma galáxia com T = 4 é cerca de 100 vezes menos massivo (e.g., Wandel 1999; Kormendy 2001). Tal buraco negro, neste caso, se existente, não poderia ser totalmente responsabilizado pela atividade nuclear, cabendo uma maior parcela desta atividade para uma fonte de ionização estelar. Neste contexto, é interessante notar que de Mello, Wiklind & Maia (2002) concluem que a fonte de energia em LINER's é a formação estelar central intensa e não uma fonte do tipo AGN (ver também Pogge et al. 2000; Roberts, Schurch & Warwick 2001). Além disso, com relação às Seyfert's, González Delgado, Heckman & Leitherer (2001) concluem que a formação estelar nuclear intensa é uma parte mais comum do fenômeno do que previamente pensado.

Com a longa avaliação realizada nesta seção vimos que, de fato, a realidade de uma conexão entre os processos evolutivos em barras, a história de formação estelar, e os núcleos ativos em galáxias parece palpável, embora não tenhamos ainda enxergado claramente os detalhes destas conexões emaranhadas. Tudo parece indicar que as galáxias de tipos intermediários, Sbc's, Sc's e Scd's, têm um papel importante neste assunto. Ainda há muito o que se avaliar até que possamos ter uma visão mais clara. Por exemplo, a determinação de $\Omega_B$ em galáxias destes tipos morfológicos pode trazer pistas esclarecedoras. Uma diversa gama de parâmetros galácticos também pode ser avaliada ao longo da seqüência de Hubble, como, e.g., as classes dos braços espirais (Elmegreen & Elmegreen 1982; Elmegreen, Elmegreen & Dressler 1982), a presença de toda a variedade de anéis etc. Por outro lado, fica claro que cada galáxia possui suas peculiaridades, sua história e individualidade, e uma outra frente de estudo promissora é a de avaliar detalhadamente cada galáxia, caso a caso, até que um quadro mais tangível seja vislumbrado.


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Dimitri Gadotti 2004-02-03