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2 Gás disponível e formação estelar

É portanto interessante verificar se galáxias levemente barradas possuem maior quantidade de gás ou formação estelar do que galáxias fortemente barradas ou ordinárias. Desse modo, realizamos uma extensa pesquisa neste sentido utilizando dados da literatura.

Martín (1998a, b) apresenta um catálogo de mapas de Hidrogênio neutro (H I) em galáxias. Utilizando este catálogo, selecionamos todos os sistemas com classificação, no RC3, com relação à barra e com T de 0 a 9, obtendo 87 objetos. Dois parâmetros relevantes são fornecidos por Martín: a massa total e a densidade superficial de H I. A Tab. 1.2 mostra que, embora seja um resultado estatisticamente duvidoso, tanto a massa total quanto a densidade superficial de H I são maiores em galáxias levemente barradas. O painel superior da Fig. 1.10 mostra que existe um excesso de galáxias levemente barradas entre aquelas com a massa total de H I superior a $9.3 \times 10^{9} \rm {M}_{\odot}$ (4 SA's, 3 SB's, 7 SX's). Entretanto, no painel inferior não se observa diferenças significativas na densidade superficial de H I.

Figura 1.10: Painel superior: massa de H I em função do tipo de Hubble. Painel inferior: Densidade superficial de H I em função do tipo de Hubble.
\begin{figure}\epsfysize =16cm
\centerline{\epsfbox{hidro.eps}}\end{figure}


Tabela 1.2: Resumo da análise da quantidade de gás em espirais.
Tipo (Barra) M (H I) DS (H I) $L_{CO}/L_B$ $L_{IR}/L_B$
SA 5.64$\pm$1.04 2.06$\pm$0.23 4.79$\pm$0.10 4.79$\pm$0.07
SAB 5.85$\pm$1.29 2.57$\pm$0.28 4.78$\pm$0.07 4.82$\pm$0.08
SB 4.08$\pm$0.60 2.50$\pm$0.25 5.09$\pm$0.07 5.02$\pm$0.07
Tipo (Barra) m (FIR) m (21cm) HI  
SA 11.76$\pm$0.43 7.82$\pm$0.81 2.08$\pm$0.16  
SAB 12.22$\pm$0.22 7.76$\pm$0.56 2.09$\pm$0.14  
SB 11.58$\pm$0.22 9.22$\pm$0.47 2.06$\pm$0.10  

Elfhag et al. (1996) mapearam a região central de 168 galáxias, buscando detectar a linha espectral do gás molecular $^{12}$CO J = 1$-$0. Os autores apresentam 3 parâmetros importantes para a nossa análise: a luminosidade na linha de CO, a luminosidade no infravermelho e a luminosidade na banda $B$, obtida através do RC3. Para estimar corretamente a quantidade de gás presente nas galáxias devemos utilizar as luminosidades em CO e no infravermelho normalizadas pela luminosidade em $B$. Aplicando os mesmos critérios de seleção aplicados no parágrafo anterior, obtivemos um total de 90 galáxias para estudo. Na Tab. 1.2 pode-se notar que galáxias ordinárias e levemente barradas parecem apresentar frações similares de gás. No entanto, galáxias fortemente barradas têm uma quantidade de gás maior. A Fig. 1.11 ilustra estes resultados. Note que, como este resultado se refere à região central, reforça os resultados comentados na Seção 1.2 relativos ao acúmulo de gás na região central de galáxias barradas. O fato de as galáxias levemente barradas não apresentarem este efeito pode ser interpretado de formas distintas. Pode indicar que: (i) há entre as levemente barradas uma fração de galáxias com apenas distorções ovais, que não são tão eficientes no transporte de momento angular, ou (ii) há uma fração de galáxias cujas barras estão nos estágios iniciais de formação, não havendo ainda tempo para a transferência de gás para o centro, ou ainda (iii) há barras em processo de dissolução, sendo que o gás coletado ao centro já se transformou em estrelas (isso pode ser verificado através de correlações com as cores centrais e com o brilho superficial central no óptico e no infravermelho; e ainda pode dar pistas sobre as escalas de tempo envolvidas nos processos de coleta de gás e formação estelar central).

Figura 1.11: Luminosidade em CO (painel superior) e no infravermelho (painel inferior), normalizadas pela luminosidade na banda $B$, em função do tipo de Hubble.
\begin{figure}\epsfysize =16cm
\centerline{\epsfbox{co.eps}}\end{figure}

Também podemos utilizar o RC3 para os nossos objetivos. Este catálogo apresenta a magnitude no infravermelho distante, a magnitude na linha de 21 cm do Hidrogênio e o parâmetro HI, que é definido como a diferença entre a magnitude em 21 cm e a magnitude total na banda $B$, ambas corrigidas pela inclinação da galáxia. Além dos critérios de seleção usuais, selecionamos apenas sistemas vistos de face (i.e., $\log\rm {R}_{25} \leq 0.20$) e com magnitude total em $B$ mais brilhante do que 14. Obtivemos 534 galáxias para análise. Na Tab. 1.2 vemos que galáxias levemente barradas são menos brilhantes no infravermelho distante, enquanto que na linha de 21 cm galáxias fortemente barradas parecem mais tênues. Percebe-se também que o parâmetro HI é bastante semelhante nas 3 classes. Na Fig. 1.12 apresentamos estes resultados graficamente.

Figura 1.12: Magnitude no infravermelho distante (painel superior), magnitude na linha de 21 cm (painel central) e o parâmetro HI (painel inferior) em função do tipo de Hubble.
\begin{figure}\epsfysize =19cm
\centerline{\epsfbox{rc3_1.eps}}\end{figure}

Também é interessante avaliar se as galáxias levemente barradas têm algum diferencial no que diz respeito à formação estelar. Inicialmente, utilizamos os índices de cor como parâmetro indicador da formação estelar.

Prugniel & Héraudeau (1998) apresentam um catálogo de galáxias com o índice de cor $(B-R)$ efetivo determinado. Aplicando nossos critérios de seleção obtivemos uma amostra de 204 objetos. A Fig. 1.13 apresenta a distribuição deste parâmetro separadamente para as 3 classes morfológicas relevantes. Nota-se que as distribuições para galáxias levemente e fortemente barradas têm um pico em cores mais azuis. Na Tab. 1.3, mostramos os valores médios de cada distribuição calculados através do ajuste de uma Gaussiana. Nota-se que galáxias levemente barradas tendem a ser mais azuis do que as fortemente barradas, embora este resultado seja duvidoso estatisticamente. No entanto, as SAB's e SB's são certamente mais azuis do que as SA's, o que pode indicar que a formação estelar é mais acentuada dentro de um raio efetivo nestas galáxias, considerando metalicidades similares.

Figura 1.13: Distribuição de $(B-R)$ efetivo para galáxias ordinárias (SA's), levemente barradas (SX's) e fortemente barradas (SB's). O número total de objetos em cada classe está indicado.
\begin{figure}\epsfysize =16cm
\centerline{\epsfbox{ph.eps}}\end{figure}

Gadotti (1999) e Gadotti & dos Anjos (2001a, b) apresentam gradientes e índices de cor de bojo e total (integrado), em $(B-V)$ e $(U-B)$, para uma amostra de 257 galáxias de tipos Sb, Sbc e Sc. Nesses trabalhos, os autores mostraram que galáxias barradas (SAB's + SB's) têm gradientes de cor menos acentuados, bem como bojos mais azuis, do que galáxias ordinárias (SA's). Os autores concluem que este comportamento é causado pelos processos de evolução secular em barras. Utilizando estes dados, separamos as galáxias levemente (SAB's) e fortemente barradas (SB's). A Tab. 1.3 mostra que tanto o gradiente como também os índices de cor são similares nas duas classes.


Tabela 1.3: Resumo da análise de gradientes e índices de cor.
Tipo (Barra) $(B-R)_{\rm {ef}}$ Grad$(B-V)$ Grad$(U-B)$ $(B-V)_{\rm {bojo}}$ $(B-V)_{\rm {total}}$
SA 1.43$\pm$0.04 ... ... ... ...
SAB 1.30$\pm$0.03 -0.14$\pm$0.02 -0.13$\pm$0.03 0.60$\pm$0.02 0.46$\pm$0.02
SB 1.34$\pm$0.03 -0.12$\pm$0.02 -0.11$\pm$0.03 0.56$\pm$0.02 0.45$\pm$0.02
Tipo (Barra) $(U-B)_{\rm {bojo}}$ $(U-B)_{\rm {total}}$ $(U-B)_{\rm {t(RC3)}}$ $(U-B)_{\rm {ef}}$ $(U-B)_{\rm {ef}} - (U-B)_{\rm {t}}$
SA ... ... 0.20$\pm$0.06 0.39$\pm$0.13 0.33$\pm$0.13
SAB 0.06$\pm$0.03 -0.08$\pm$0.02 0.41$\pm$0.08 0.50$\pm$0.11 0.50$\pm$0.11
SB -0.01$\pm$0.04 -0.11$\pm$0.02 0.36$\pm$0.06 0.51$\pm$0.08 0.50$\pm$0.08

Utilizando o RC3 obtivemos os índices $(U-B)$ total e efetivo para 534 galáxias. Os valores médios de cada parâmetro, bem como da diferença entre eles, para cada tipo de barra, estão apresentados na Tab. 1.3. Contrário aos resultados obtidos para o índice $(B-R)$, as galáxias ordinárias agora aparecem mais azuis do que as barradas!

Vejamos agora outros indicadores de formação estelar. Young et al. (1996) apresentam a luminosidade em H$\alpha $ e a eficiência de formação estelar (SFE - ``Star Formation Efficiency'') para uma amostra de 120 espirais. A SFE é definida e determinada de 2 maneiras distintas. Primeiro, é calculada como sendo a luminosidade em H$\alpha $ normalizada pela massa de Hidrogênio molecular (H$_{2}$). Na segunda definição é utilizada a luminosidade em infravermelho normalizada da mesma forma. Utilizando nossos critérios de seleção e excluindo galáxias com alta inclinação [que podem perturbar a análise, segundo o critério de Young et al. (1996)] obtivemos 42 galáxias. Na Tab. 1.4 vemos que a luminosidade em H$\alpha $ (e, portanto, a taxa de formação estelar, SFR - ``Star Formation Rate'') é maior para galáxias levemente barradas. O mesmo ocorre com a SFE, embora o resultado seja pouco significativo quando a SFE é calculada através da luminosidade em H$\alpha $. Na Fig. 1.14, apresentamos estes parâmetros ao longo da seqüência de Hubble.

Figura 1.14: Parâmetros determinados em Young et al. (1996) ao longo da seqüência de Hubble. No painel superior, a eficiência de formação estelar medida através da linha de H$\alpha $ e, no painel intermediário aquela medida através do infravermelho. No painel inferior mostramos o comportamento da luminosidade em H$\alpha $.
\begin{figure}\epsfysize =16cm
\centerline{\epsfbox{judith.eps}}\end{figure}

Kennicutt & Kent (1983) e Romanishin (1990) utilizam a largura equivalente da linha de H$\alpha $ + [N II] como indicador da taxa de formação estelar (SFR). Utilizando os dados obtidos nestes trabalhos, e aplicando nossos critérios de seleção, obtivemos uma amostra de 215 objetos. Na Tab. 1.4 pode-se verificar que a SFR é maior para SB's, um pouco menor para SAB's, e menor ainda para SA's, embora os erros sejam significativos. A Fig. 1.15 exibe a SFR em função do tipo de Hubble. Um ponto notável desta figura é o de que o pico dos valores médios da SFR em cada classe morfológica ocorre em T = $5 \pm 1$, exatamente onde encontramos o excesso de galáxias levemente barradas.

Figura 1.15: Largura equivalente de H$\alpha $ + [N II] ao longo da seqüência de Hubble.
\begin{figure}\epsfysize =10cm
\centerline{\epsfbox{kenrom.eps}}\end{figure}

Em Kennicutt (1998b) encontram-se determinadas as densidades superficiais de formação estelar ( $\Sigma_{\rm {SFR}}$) para uma amostra de 61 espirais. Todas elas satisfazem os nossos critérios de seleção. A Tab. 1.4 apresenta os valores médios para SA's, SAB's e SB's. Mais uma vez se observa que as SAB's e as SB's têm valores semelhantes, sendo superiores ao apresentado pelas SA's. Nos histogramas da Fig. 1.16 nota-se essa propriedade graficamente. No diagrama superior esquerdo desta figura a densidade superficial de formação estelar está apresentada em função do tipo de Hubble. De maneira similar à Fig. 1.15, mais uma vez se nota o pico em T = $5 \pm 1$.

Figura 1.16: O diagrama superior esquerdo exibe a densidade superficial de formação estelar em função do tipo de Hubble. Os demais diagramas exibem a distribuição deste parâmetro para SA's, SAB's e SB's.
\begin{figure}\epsfysize =13cm
\centerline{\epsfbox{ken98.eps}}\end{figure}

Martinet & Friedli (1997) determinam a taxa de formação estelar (SFR) em uma amostra de 32 espirais através de dados em H$\alpha $ e no infravermelho distante. Além disso, também apresentam o gradiente de abundância (O/H) para essa amostra. Os resultados são apresentados na Tab. 1.4. A SFR (H$\alpha $) de SB's parece maior que a de SAB's, mas o oposto é verdadeiro para a SFR (IR). Note, porém, os erros expressivos. O gradiente de (O/H) de SB's é menos acentuado que o de SAB's.

Os resultados apresentados nos parágrafos anteriores se referem à formação estelar nas galáxias como um todo, i.e., integralmente. No entanto, como os efeitos de evolução secular em barras devem provocar surtos de formação estelar na região central das galáxias (e.g., Gadotti 1999; Gadotti & dos Anjos 2001a, b), é interessante verificar a formação estelar nas regiões centrais das galáxias separadamente.


Tabela 1.4: Resumo da análise dos indicadores de formação estelar.
Tipo (Barra) $\log \rm {L_{H\alpha}}$ SFE ($\rm {H\alpha}$) SFE (IR) EW (H$\alpha $ + [N II])
SA 7.74$\pm$0.13 -1.86$\pm$0.08 0.56$\pm$0.05 21.22$\pm$1.57
SAB 8.03$\pm$0.11 -1.81$\pm$0.08 0.64$\pm$0.06 23.65$\pm$2.05
SB 7.46$\pm$0.37 -2.25$\pm$0.32 0.42$\pm$0.14 26.82$\pm$3.45
Tipo (Barra) $\Sigma_{\rm {SFR}}$ SFR (IR) SFR (H$\alpha $) Grad (O/H)
SA -2.30$\pm$0.09 ... ... ...
SAB -2.08$\pm$0.08 3.31$\pm$0.75 4.52$\pm$1.96 -0.09$\pm$0.02
SB -2.02$\pm$0.21 2.66$\pm$1.35 5.10$\pm$1.82 -0.04$\pm$0.02
Tipo (Barra) $\Sigma_{\rm {SFR}}$ (Circ-Nuc) $\log \rm {L_{Br\gamma}}$ L$_{\rm {OB}}$  
SA -0.49$\pm$0.23 5.95$\pm$0.04 ...  
SAB -0.01$\pm$0.19 6.34$\pm$0.17 2.26$\pm$0.36  
SB 0.76$\pm$0.32 6.33$\pm$0.05 3.03$\pm$0.22  

Kennicutt (1998b) também apresenta a densidade superficial de formação estelar para uma amostra de 36 galáxias com formação estelar circum-nuclear. A Tab. 1.4 e a Fig. 1.17 apresentam os resultados. A formação estelar é, mais uma vez, mais intensa para SAB's e SB's do que para SA's. Desta vez, entretanto, as SB's diferenciam-se significativamente das SAB's, apresentando valores para a densidade de formação estelar mais elevados.

Figura 1.17: Distribuição de $\Sigma_{\rm SFR}$ para as galáxias com formação estelar circum-nuclear.
\begin{figure}\epsfysize =10cm
\centerline{\epsfbox{ken98cn.eps}}\end{figure}

Goldader et al. (1997) apresentam a luminosidade na linha espectral Br$\gamma$ para a região central de galáxias espirais. Esta linha é especialmente utilizada como um indicador de formação estelar em regiões com grande absorção pelo meio interestelar (Kennicutt 1998a). Apenas 11 objetos satisfazem os nossos critérios de seleção. De qualquer forma os resultados são estatisticamente significativos e estão apresentados na Tab. 1.4. SB's e SAB's têm valores similares e, mais uma vez, mais elevados do que os valores para SA's. Em um estudo similar, Ho, Beck & Turner (1990) determinam a luminosidade proveniente de estrelas de tipos espectrais O e B em regiões de formação estelar central para uma amostra de espirais. Mais uma vez a estatística não é contundente (12 objetos), mas fornece-nos resultados consistentes (Tab. 1.4). Desta vez as SB's apresentam valores mais elevados que os das SAB's. Vale a pena notar que na amostra de Ho, Beck & Turner não há galáxias ordinárias.

É importante verificar se as galáxias que estão sendo classificadas visual e subjetivamente como levemente ou fortemente barradas, apresentam, quantitativamente, barras fracas ou fortes, respectivamente. Martin (1995) determinou a razão axial e o comprimento das barras de uma amostra de 32 SAB's e SB's. Barras fortes são aquelas que apresentam uma razão axial $<$ 0.6. Por outro lado, barras longas (e, portanto, também fortes) são aquelas que têm um comprimento (normalizado pelo diâmetro da isofota de 25 $B$ mag arcsec$^{-2}$) maior do que 0.18 (definições de Martin). Na Fig. 1.18, apresentamos as distribuições destes parâmetros para SAB's e SB's, separadamente. De fato, SB's são, em geral, fortes e longas, enquanto que as SAB's são fracas e curtas, com algumas poucas excessões.

Figura 1.18: Distribuição da razão axial b/a e do comprimento L das barras para SAB's e SB's. O valor médio de cada distribuição (com o erro entre parênteses) aparece em cada diagrama.
\begin{figure}\epsfysize =15cm
\centerline{\epsfbox{sxxsb.eps}}\end{figure}


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Dimitri Gadotti 2004-02-03