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1 A instabilidade de barra ao longo da seqüência de Hubble

Vimos que o critério de Toomre indica que discos frios, i.e., aqueles que possuem um suporte dinâmico que depende mais fortemente da velocidade de rotação das estrelas do que da dispersão de suas velocidades, são os mais instáveis à formação de barras (ver, e.g., BT87). Portanto, aquelas galáxias que apresentam uma alta velocidade de rotação em relação à sua dispersão de velocidades devem ser mais susceptíveis à formação de barras estelares.

Para verificar o comportamento da velocidade de rotação dos discos em galáxias espirais ao longo da seqüência de Hubble, utilizamos o catálogo de Persic & Salucci (1995), que apresenta as curvas de rotação para 900 galáxias, obtidas através de dados relativos à linha de H$\alpha $. Selecionamos todas as galáxias com o tipo morfológico definido em de Vaucouleurs et al. (1991, doravante RC3), obtendo 439 objetos.

No painel superior da Fig. 1.5, mostramos a velocidade assimptótica de rotação em função do estágio de Hubble T para as 439 galáxias, bem como os valores medianos em cada estágio T. O painel central exibe somente os valores medianos e seus respectivos desvios padrão. O painel inferior desta figura é análogo ao anterior, mas contém somente os 99 objetos para os quais Persic e Salucci afirmam ter curvas de rotação de excelente qualidade. Nestes painéis fica evidente que a velocidade assimptótica de rotação do disco de galáxias espirais tende a decrescer ao longo da seqüência de Hubble. A Fig. 1.6 ainda exibe os mesmos gráficos, porém agora fazendo distinção entre galáxias ordinárias, levemente barradas e fortemente barradas, mostrando resultados similares.

Figura 1.5: Comportamento da velocidade assimptótica de rotação do disco de galáxias espirais ao longo da seqüência de Hubble. No painel superior apresentamos os dados referentes às 439 galáxias selecionadas. Cada x representa uma galáxia, e os valores medianos em cada T são representados por losangos abertos conectados um a um. Círculos abertos indicam aquelas galáxias para as quais há uma excelente determinação da velocidade assimptótica. O painel central exibe somente esses valores medianos com seus respectivos desvios padrão. O painel inferior é análogo ao central, mas refere-se somente aos 99 objetos com excelente determinação da velocidade assimptótica. Fica claro o comportamento decrescente deste parâmetro ao longo da seqüência de Hubble.
\begin{figure}\epsfysize =16cm
\centerline{\epsfbox{Vrot1.eps}}\end{figure}

Figura 1.6: Figura análoga ao painel superior da Fig. 1.5, exceto por não apresentar os valores medianos em cada classe. Cada painel refere-se, separadamente, a galáxias ordinárias (SA), levemente barradas (SAB) e fortemente barradas (SB). Verifica-se que o comportamento da velocidade assimptótica de rotação permanece o mesmo.
\begin{figure}\epsfysize =19cm
\centerline{\epsfbox{Vrot2.eps}}\end{figure}

Outro ponto interessante a se notar é o de que o desvio padrão para as 99 galáxias com excelente determinação da velocidade assimptótica é muito semelhante àquele que se refere ao restante da amostra. Isso indica que este espalhamento é uma característica intrínseca. A Tab. 1.1 mostra este resultado comparando os desvios padrão para ambas as amostras separadamente, identificando ainda a morfologia referente à barra. Nota-se também que galáxias ordinárias, levemente ou fortemente barradas apresentam velocidades e desvios padrão similares. O fato de as galáxias fortemente barradas apresentarem uma velocidade assimptótica média reduzida (ver Tab. 1.1) se deve, principalmente, à ausência de galáxias ordinárias ou levemente barradas entre os tipos tardios (ver Fig. 1.6).


Tabela 1.1: Velocidade assimptótica média e respectivo desvio padrão para galáxias ordinárias (SA), levemente barradas (SAB) e fortemente barradas (SB).
Tipo (Barra) Amostra Total Amostra Excelente
SA 186$\pm$46 190$\pm$48
SAB 179$\pm$56 196$\pm$34
SB 157$\pm$53 159$\pm$56

O uso da velocidade assimptótica de rotação como parâmetro representativo da velocidade de rotação do disco da galáxia apresenta o aspecto positivo de que a sua determinação só é possível em sistemas com uma boa amostragem de pontos na curva de rotação. Por outro lado, espera-se que a velocidade assimptótica decresça com a distância galactocêntrica, se a curva de rotação apresenta um comportamento Kepleriano. Nesse caso, esse uso da velocidade assimptótica perde o sentido já que esta tende a zero, e a velocidade máxima na curva de rotação torna-se um parâmetro mais adequado. No entanto, inspecionando as curvas de rotação apresentadas em Persic & Salluci (1995) verifica-se que estas não apresentam um caráter Kepleriano e que, de fato, a velocidade assimptótica é, ou está muito próxima da velocidade máxima de rotação.

McElroy (1995) apresenta um catálogo da dispersão central de velocidades para 1563 galáxias, mostrando que o comportamento deste parâmetro em relação aos tipos de Hubble é semelhante ao da velocidade de rotação. É importante salientar, entretanto, que a dispersão central de velocidades deve ser substancialmente afetada pela presença do bojo e, portanto, não trata-se, rigorosamente, da dispersão de velocidades no disco, que é o parâmetro que importa ao critério de Toomre. No entanto, este critério deve ser aplicado globalmente ao disco como um todo e não localmente, e a dispersão central contribui de forma mais expressiva à estabilidade global do disco do que a dispersão local (Kormendy 1984a e referências aí contidas). De qualquer forma, espera-se que a dispersão central esteja correlacionada com a disperão local no disco. Bottema (1993) mostra que a dispersão local é maior para sistemas mais massivos, assim como a dispersão central.

Utilizando as medidas da dispersão de velocidades no disco a uma distância galactocêntrica de 1 comprimento de escala ($h$) publicadas em Bottema (1993) e Kormendy (1984a, b), bem como as dispersões centrais de McElroy (1995), podemos verificar se estes parâmetros são de fato correlacionados. A Fig. 1.7 exibe esta relação. Embora o número de pontos seja estatisticamente pequeno, percebe-se a tendência de que quanto maior a dispersão central maior também a dispersão em $h$.

Figura 1.7: A dispersão de velocidades local no disco, em 1 comprimento de escala, em função da dispersão central de velocidades. A despeito da baixa significância estatística a tendência de correlação é evidente.
\begin{figure}\epsfysize =13cm
\centerline{\epsfbox{veldisp.ps}}\end{figure}

Portanto, podemos concluir que, em média, a razão entre a velocidade de rotação e a dispersão de velocidades no disco de espirais é constante ao longo da seqüência de Hubble. Reforçando esta conclusão, a Fig. 3 de Bottema (1993) mostra que a dispersão de velocidades e a velocidade máxima de rotação em discos de espirais são parâmetros correlacionados. Aplicando o critério de Toomre, pode-se concluir, então, que não há uma classe morfológica que seja especialmente susceptível a apresentar barras. Portanto, todas as classes espirais devem apresentar a mesma freqüência de galáxias barradas.

Para verificar a freqüência de galáxias barradas em função dos tipos de Hubble, utilizamos o RC3, selecionando todas as galáxias com T de 0 a 9, e magnitude total na banda $B$ mais brilhante do que 14, além de estarem classificadas com relação a presença ou ausência de barra. Obtivemos 1023 objetos, dos quais 650 são vistos de face (i.e., o parâmetro $\log\rm {R}_{25} \leq 0.20$, segundo o RC3; ver Seção 2.1 para a definição deste parâmetro e do critério de escolha para uma galáxia vista de face).

A Fig. 1.8 exibe o resultado para todas as 1023 galáxias, bem como somente para as galáxias vistas de face. Podemos observar que, conforme previsto, a freqüência de barradas (SAB + SB) é aproximadamente constante ao longo da seqüência de Hubble. No entanto, observa-se também que a fração de galáxias fortemente barradas (SB) é maior entre os tipos mais recentes (T = 0 a 3) e tardios (T = 7 a 9), enquanto a fração de galáxias levemente barradas é maior entre os tipos intermediários (T = 4 a 6).

Figura 1.8: Freqüência de galáxias barradas ao longo da seqüência de Hubble. O comportamento apresentado pela amostra total de 1023 objetos é similar ao apresentado para as galáxias vistas de face, e mostra que a freqüência de barradas (SAB + SB) é a aproximadamente a mesma em todas as classes espirais, conforme previsto. No entanto, nota-se que as galáxias de tipos intermediários (T = 4 a 6) apresentam um excesso de galáxias levemente barradas (SAB), o que pode indicar que é nestas classes que os efeitos de evolução secular relacionados a barras são mais relevantes. Note que o RC3 usa a notação ``SX'' para galáxias levemente barradas.
\begin{figure}\epsfysize =15cm
\centerline{\epsfbox{Barr.eps}}\end{figure}

Figura 1.9: Fração de galáxias barradas em função do tipo de Hubble na amostra obtida através do RSA. Note como a classificação com relação à barra é extremamente distinta daquela no RC3 (Fig. 1.8).
\begin{figure}\epsfysize =10cm
\centerline{\epsfbox{RSA.eps}}\end{figure}

Sabe-se que o RC3 é uma compilação de dados obtidos por diversos autores e, com base nisso, surgem críticas quanto à homogeneidade da classificação morfológica neste catálogo. Uma forma alternativa de se buscar resultados que corroborem, ou não, os resultados obtidos com o RC3, é utilizar o ``Revised Shapley-Ames Catalog'' (RSA; Sandage & Tammann 1981). A classificação morfológica no RSA foi realizada pelos próprios autores, o que significa que é mais homogênea do que a classificação do RC3. Utilizando os mesmos critérios de seleção que aplicamos ao RC3, obtivemos, no RSA, uma amostra de 878 galáxias. A Fig. 1.9 exibe o resultado obtido. Nota-se claramente que os critérios de classificação com relação à barra no RSA são extremamente distintos daqueles que se encontra no RC3. De fato, no RC3 a fração de barradas gira em torno dos 70%, enquanto que no RSA esta fração cai para cerca de 30%! Além disso, enquanto no RC3 encontramos 37% de galáxias levemente barradas, esta fração no RSA é de apenas 1%! De qualquer forma, a Fig. 1.9 mostra que a freqüência de barradas no RSA também é aproximadamente constante, independentemente da classe morfológica. Portanto, apesar das diferenças nos critérios de classificação, existe uma concordância no RC3 e no RSA em relação a esta conclusão.

O excesso de galáxias levemente barradas entre galáxias de tipos intermediários pode ser interpretado como se segue. Galáxias levemente barradas provavelmente são aquelas que apresentam barras em processo de formação ou dissolução, ou ainda, bojos com distorções ovais. Se um parâmetro essencial para a dissolução da barra é a quantidade de gás acumulada no centro, e, portanto, a quantidade de gás disponível no disco, então as barras em galáxias de tipos recentes são mais estáveis do que aquelas em galáxias de tipos intermediários. Portanto, esperamos que nessas últimas os efeitos de evolução secular relativos a barras sejam mais importantes. Daí decorre o fato de estas classes apresentarem uma maior fração de barras em processo de formação ou dissolução, i.e., galáxias levemente barradas. Por outro lado, embora a quantidade de gás em galáxias de tipos tardios é maior do que em galáxias de tipos intermediários, sabe-se que quanto mais tardia uma galáxia é, em geral tanto mais fraca é a sua barra, o que significa que os processos de evolução secular são também menos intensos. É provável que as galáxias de tipos intermediários (Sbc, Sc, Scd) apresentem um equilíbrio entre os efeitos da barra e a quantidade de gás, que maximiza os efeitos seculares da barra.


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Dimitri Gadotti 2004-02-03