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6 Comparação com as simulações $N$-corpos

Com as imagens obtidas na banda $K\!s$ podemos fazer uma análise estrutural mais sofisticada, já que nesta banda estamos amostrando a componente que mais contribui para a distribuição de massa nas galáxias, evitando a população estelar jovem, que emite muita luz nas bandas mais azuis, mas contribui pouco para a distribuição global de massa na galáxia. Por exemplo, somente nesta banda de observação podemos fazer comparações confiáveis com simulações numéricas em que toda a população estelar tem as mesmas propriedades (e.g., idade, metalicidade, massa etc.), o que é o caso das simulações apresentadas no Capítulo 3. Assim, as imagens em $K\!s$ nos serão de extrema utilidade para poder comparar as previsões dos modelos desenvolvidos no Capítulo 3 com as observações, e procurar entender como explicar a formação de barras em galáxias lenticulares e, além disso, a existência de galáxias barradas sem disco (as SB0's NGC 4477, NGC 4608 e NGC 5701).

As Fig(s). 4.27 e 4.28 exibem os perfis de intensidade ao longo dos eixos maior e menor das barras nas galáxias observadas no infravermelho próximo, exceto NGC 5936. Esta galáxia não foi utilizada na avaliação desta seção por ter muitos sítios de formação estelar intensa e uma morfologia peculiar. Nota-se, confirmando resultados anteriores (ver Seção 1.2), que as barras apresentam um perfil mais plano ao longo do eixo maior. Ao contrário, no eixo menor das barras a luminosidade cai rapidamente. É interessante notar que não há diferenças quanto a isso entre as galáxias com barras recentes (NGC 4394 e NGC 5383) e as com barras mais evoluídas (NGC 4608, NGC 5701 e NGC 5850).

\begin{figure}\epsfxsize =12cm\centerline{\epsfbox{profab2.ps}}\end{figure}
Figura 4.27: Perfis de intensidade ao longo dos eixos maior (à esquerda) e menor (à direita) das barras em NGC 4394, NGC 5383 e NGC 5850 na banda $K\!s$.
\begin{figure}\epsfxsize =12cm\centerline{\epsfbox{prof.eps}}\end{figure}
Figura 4.28: Similar à Fig. 4.27, mas para NGC 4608 e NGC 5701, e para os modelos numéricos de Athanassoula (2003 - ATH) e Gadotti & de Souza (2003a, b - GDS). Note que o modelo ATH reproduz melhor estes perfis que o modelo GDS.
Como vimos, um dos resultados mais importantes neste estudo foi a constatação da existência de 3 galáxias lenticulares barradas que não possuem disco, ou que possuem discos exageradamente tênues. São elas: NGC 4477, NGC 4608 e NGC 5701. Estes objetos podem ser o resultado de uma forte evolução secular em galáxias barradas, modelo proposto por Athanassoula (2003), em que o disco é consumido pela barra, ou simplesmente estas galáxias nunca tiveram discos, tendo formado barras pelo cenário proposto por Gadotti & de Souza (2003a, b; ver também Capítulo 3). Numa tentativa de identificar qual dos cenários é o mais promissor como resposta à existência destas galáxias, realizamos algumas comparações entre NGC 4608, NGC 5701 e cada um dos referidos modelos, desenvolvidos no Capítulo 3. Na Fig. 4.28, também exibimos os perfis de intensidade ao longo dos eixos maior e menor das barras formadas em cada um dos modelos. Percebe-se que o modelo de Athanassoula (ATH) representa melhor estes perfis para as galáxias do que o nosso modelo (GDS).
\begin{figure}\epsfxsize =8cm\centerline{\epsfbox{ell.eps}}\end{figure}
Figura 4.29: O perfil radial de elipticidade para NGC 4608 e NGC 5701, bem como para os modelos de Athanassoula (2003) e Gadotti & de Souza (2003a, b). Note que, neste caso, o modelo GDS é uma melhor representação do que ocorre nas galáxias.
Entretanto, traçando-se os perfis radiais da elipticidade de cada galáxia e dos modelos, como na Fig. 4.29, nota-se que o nosso modelo representa melhor o comportamento da elipticidade nas galáxias. No modelo ATH a galáxia tem um valor elevado de elipticidade desde o centro. Este modelo apenas representa bem as galáxias numa fração pequena do perfil, distante do centro. Apenas nesta região nosso modelo não é satisfatório. No entanto, este representa muito bem o crescimento gradual da elipticidade conforme nos afastamos do centro da galáxia. O perfil de elipticidade de NGC 4477 é também semelhante (ver Apêndice A) nas bandas do óptico. Neste apêndice também pode se notar que, de maneira geral, este tipo de perfil é apresentado pela maior parte das galáxias.

Outra comparação quantitativa poderosa que podemos fazer, entre as previsões dos modelos e as galáxias observadas, consiste em expandir as imagens das galáxias e dos modelos em séries de Fourier (ver Ohta, Hamabe e Wakamatsu 1990 e referências aí contidas; Athanassoula & Misiriotis 2002). A intensidade $I$ em contagens em cada imagem pode ser expressa em coordenadas polares como
 
 

\begin{displaymath}I(r,\theta)=\frac{A_0(r)}{2}+\sum_{m=1}^8[A_m(r) {\rm cos}(m\theta)+B_m(r){\rm sen} (m\theta)],\end{displaymath} (113)
onde
 
 
\begin{displaymath}A_m(r)=\frac{1}{\pi}\int_0^{2\pi}I(r,\theta) {\rm cos}(m\theta){\rm d}\theta\end{displaymath} (114)
e
 
 
\begin{displaymath}B_m(r)=\frac{1}{\pi}\int_0^{2\pi}I(r,\theta) {\rm sen}(m\theta){\rm d}\theta.\end{displaymath} (115)
As componentes de Fourier $C_m$ são definidas por
 
 
\begin{displaymath}C_m(r)=\frac{[A_m^2(r)+B_m^2(r)]^{1/2}}{A_0(r)/2}.\end{displaymath} (116)
Estas componentes descrevem a estrutura do potencial das galáxias e dos modelos e, portanto, são ferramentas poderosas de análise estrutural. Por exemplo, galáxias barradas têm valores elevados para $C_2$, já que as barras são perturbações bipolares. Galáxias com potencial axissimétrico tem valores bastante pequenos para estas componentes. Estas componentes foram calculadas para os modelos ATH e GDS e para as imagens em $K\!s$ das galáxias de nossa amostra. Note que foi necessário escalonar as imagens dos modelos em dimensão e em intensidade, equiparando-as com NGC 4608 e NGC 5701, para as avaliações que aqui realizamos. Além disso, é extremamente importante deprojetar as imagens das galáxias para obter as componentes $C_m$ corretas, mesmo para galáxias praticamente vistas exatamente de face. Para tanto, utilizamos os ângulos de inclinação $i$ das galáxias apresentados no LEDA (``Lyon Extragalactic Data Archive'' - http://leda.univ-lyon1.fr/). $i$ é o ângulo entre a linha de visada e a normal ao disco da galáxia. Portanto, galáxias vistas de face têm $i=0$. Foram calculados no LEDA assumindo-se discos perfeitamente circulares, de forma que ${\rm cos}(i) = b/a$, onde $b$$a$ são obtidos nas isofotas mais externas.

Para realizar a deprojeção, é preciso também definir a linha dos nodos em cada galáxia. A linha dos nodos é a intersecção entre o plano do disco da galáxia e o plano do céu, de forma que, assumindo que as isofotas mais externas devam ser perfeitamente circulares, é o eixo sobre o qual a galáxia está inclinada; sua direção é o ângulo de posição das últimas isofotas. Assim, é preciso posicionar a linha dos nodos ao longo de um dos eixos horizontal ou vertical na imagem. Isto foi feito com a tarefa IMLINTRAN do IRAF. Finalmente, esta tarefa também amplifica a imagem na direção perpendicular à linha do nodos, mantendo o fluxo constante na imagem final, de forma que as isofotas mais externas assumem uma forma perfeitamente circular. Assim, a imagem da galáxia se encontra deprojetada. Através da tarefa ELLIPSE, obtivemos$I(r,\theta)$ em anéis circulares concêntricos nas imagens deprojetadas de cada galáxia. Através da tarefa TRIGFIT do pacote MATHEMATICA calculamos $C_m(r)$.

\begin{figure}\epsfxsize =10cm\centerline{\epsfbox{fourier.eps}}\end{figure}
Figura 4.30: O perfil radial das componentes de Fourier para NGC 4608 e NGC 5701, bem como para os modelos de Athanassoula (2003) e Gadotti & de Souza (2003a, b). $C_2$: linha sólida; $C_4$: linha pontilhada;$C_6$: linha tracejada; e $C_8$: linha traço-ponto.
\begin{figure}\epsfxsize =10cm\centerline{\epsfbox{fourier2.ps}}\end{figure}
Figura 4.31: Similar à Fig. 4.30, mas para NGC 4394, NGC 5383 e NGC 5850.
As Fig(s). 4.30 e 4.31 exibem os resultados. Como previsto, as componentes $C_2$ são as mais intensas nestas galáxias fortemente barradas. O comportamento do coeficiente de Fourier b4 (que em nossa definição corresponde a $A_4$), determinado através da tarefa ELLIPSE do IRAF para todas as galáxias de nossa amostra de imageamento, também apresenta valores elevados para as galáxias com barras proeminentes, como vimos na Seção 4.4.4 (ver também Apêndice A). De fato, são análises similares, embora o coeficiente b4 se refira à componente$m=4$ do potencial. A região onde ocorre o pico nas componentes não axissimétricas, principalmente para $m=2$ e$m=4$, é a região onde a força da barra é maior. É nessa região que os processos de evolução secular têm maiores efeitos, embora ocorram ao longo de toda a barra. Como notamos na Seção 2.4.4, este pico, em geral, ocorre antes do fim da barra, o que indica que a barra torna-se fraca em suas extremidades. Este comportamento aparece aqui para NGC 4394 e NGC 4608, porém não para NGC 5383, NGC 5701 e NGC 5850. Nestas galáxias, as barras permanecem fortes até a sua extremidade mais afastada do centro (lembre-se que nossas imagens em $K\!s$ cobrem toda a barra em todas as galáxias observadas). É interessante que em NGC 4477, outra das 3 SB0's sem disco, o pico em b4 também ocorre apenas no fim da barra.

Nestas figuras, vemos que há um fator essencial que difere os modelos ATH e GDS, e este fator está justamente relacionado com o pico nas componentes de Fourier. No modelo ATH há um máximo no valor das componentes, que não aparece no modelo GDS. O valor das componentes, no entanto, é bastante similar em ambos os modelos, o que indica que a força das barras nestes é comparável. Tendo isso em mente, fica aparente que a estrutura do potencial de galáxias como NGC 4608 é melhor representada pelo modelo ATH, enquanto que o modelo GDS é uma representação melhor do que ocorre com, por exemplo, NGC 5701. Porém, o fato de o pico nas componentes no modelo ATH estar mais próximo do centro do que o pico em NGC 4608 significa também que o sistema estelar representado por este modelo é cinematicamente mais frio do que a galáxia NGC 4608 (Athanassoula 2003, comunicação privada). Portanto, o modelo ATH não é satisfatório. Este é justamente o principal obstáculo do cenário vigente para a formação de barras: não torna possível a presença de barras em discos cinematicamente quentes. Por outro lado, o modelo GDS é cinematicamente tão quente quanto NGC 4608 e NGC 5701. O nosso modelo também parece melhor ajustar as componentes de Fourier de NGC 5850 e NGC 5383. O primeiro pico em $C_m$ para esta última ocorre por causa dos seus braços espirais secundários (ver Apêndice A), o que também provoca uma saliência no perfil de intensidade ao longo do eixo menor de sua barra na Fig. 4.27. Já o potencial de NGC 4394 parece ser melhor descrito pelo modelo de Athanassoula. Note que estas 3 galáxias são de tipo SBb em contraste com NGC 4608 e NGC 5701, e que o valor de $C_m$ para elas também é reduzido em comparação com as 2 SB0's.


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Dimitri Gadotti 2004-02-03