Foram determinadas as LOSVD's em 18 pontos distintos ao longo dos eixos maior e menor das barras nas galáxias de nossa amostra de espectroscopia, sendo 9 pontos em cada eixo, incluindo o centro da galáxia. Além do centro, os outros pontos estão localizados a 2.0'', 4.5'', 11.9'' e 19.3'' do centro, a cada lado dele. Apenas para NGC 4984 e NGC 5383 só foi possível obter espectros ao longo do eixo maior. Assim, um total de 468 LOSVD's foram determinadas.
As Fig(s). 2.8 a 2.12 exibem alguns exemplos típicos dos resultados que obtivemos. Nestas figuras, apresentamos resultados da determinação da LOSVD para os espectros extraídos em pontos distintos ao longo dos eixos maior e menor das barras nas galáxias. Recorde-se que a LOSVD se refere ao eixo vertical das barras, ou seja, ao longo da linha de visada do observador. Como dito anteriormente, a LOSVD foi obtida via duas parametrizações distintas, uma Gaussiana pura e uma Gaussiana generalizada. Nestas figuras, o painel superior contém a região do espectro observado da galáxia utilizada na parametrização via uma Gaussiana pura, bem como a solução encontrada pelo nosso algoritmo, enquanto o painel inferior esquerdo exibe a LOSVD determinada. Analogamente, os painéis intermediário e inferior direito se referem à parametrização via uma Gaussiana generalizada. Note que a solução encontrada pelo nosso algoritmo, i.e., o espectro combinado das estrelas padrão convoluído pela LOSVD determinada está em linha grossa. O espectro residual, ou seja, o espectro da galáxia subtraído da solução, também é apresentado. Isto permite fazer uma avaliação caso a caso da qualidade da solução encontrada. Os painéis inferiores esquerdo e direito apresentam as LOSVD's obtidas normalizadas.
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A Fig. 2.8 exibe um exemplo para NGC 1302. Este é um caso no qual uma região grande do espectro da
galáxia pôde ser utilizada. As duas primeiras linhas mais azuis e proeminentes são o tripleto de Mg I (5175 Å).
A linha mais vermelha é a do
Na I (5893 Å). Isto mostra que, neste caso, as propriedades espectrais das
estrelas padrão são bastante similares às da galáxia. De maneira geral, uma região menor foi utilizada,
evitando regiões em que o espectro de comparação e o espectro da galáxia são discrepantes, melhorando assim
o ajuste obtido. Também é possível identificar as linhas do Fe I +
Ca I em 5265 Å e do Fe em 5328 Å. Note
como a solução encontrada (linha grossa) se ajusta bem ao espectro da galáxia. A LOSVD parametrizada por uma
Gaussiana generalizada apresenta um valor ligeiramente negativo para .
Na Fig. 2.9 mostramos um exemplo para NGC 1440, em que o espectro tem uma razão sinal/ruído bastante
reduzida (). Note que mesmo assim o ajuste obtido é muito satisfatório, e que a região do espectro
analisada é menor do que no caso da Fig. 2.8. A LOSVD em Gaussiana generalizada apresenta valores
ligeiramente positivos para
e
. O tripleto de Magnésio é o primeiro par de linhas à esquerda.
No caso em que há linhas de emissão fortes, como para a galáxia NGC 4394 com seu núcleo LINER (Fig. 2.10),
nosso algoritmo as exclui automaticamente do ajuste. Neste caso o tripleto de Magnésio está bem ao centro
da figura. Note como a LOSVD é assimétrica, com um valor significativamente negativo para . No caso
de NGC 4984 (Fig. 2.11), são linhas remanescentes de céu, em absorção, que são desconsideradas pelo
algoritmo. A LOSVD para este espectro tem valores ligeiramente negativos para
e para
. O espectro
de NGC 5850 (Fig. 2.12) também apresenta uma LOSVD com valores negativos para
e
, porém
mais significativos.
Nas Fig(s). 2.13 e 2.14 apresentamos os resultados obtidos através das LOSVD's determinadas, que se referem
à dispersão de velocidades na direção vertical das barras. Conforme vimos,
é o
parâmetro físico que nos permite avaliar a espessura da barra na direção vertical e, portanto, fazer
uma estimativa da idade da barra, já que as previsões teóricas sugerem que barras tornam-se espessas
após cerca de 1 Gano.
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Avaliando estas figuras, vemos que, conforme se espera, a maior parte das galáxias tem uma dispersão maior no centro, principalmente por causa da contribuição do bojo. Além disso, nota-se prontamente que algumas galáxias têm globalmente uma dispersão maior do que outras. Veja, por exemplo, os casos de NGC 1326 e NGC 1387. Note também que os resultados das duas parametrizações utilizadas são consistentes entre si.
Para a nossa avaliação, é preciso ter em mente não apenas
o valor de , mas também o seu comportamento
à medida que o avaliamos do centro para os pontos mais afastados. Neste sentido, também é preciso verificar
as diferenças entre o que ocorre nos eixos maior e menor da barra. As Fig(s). 2.1 a 2.4 nos auxiliam
agora, já que nos mostram em que pontos nas barras as medidas de
foram tomadas.
Com relação ao valor de
, Delhaye (1965; ver também BM98) estima que, para estrelas gigantes do tipo K na vizinhança
solar, este é
15 Km/s. Em geral, valores similares são obtidos com amostras de outros tipos de
estrelas. Além disso, as dispersões de velocidades nas direções radial,
, e azimutal,
,
são
30 Km/s e
20 Km/s, respectivamente. De fato, no disco da Galáxia, a razão
e
, de modo que
.
A vizinhança solar fica certamente bastante afastada da barra da Galáxia11(ver, e.g., Blitz & Spergel 1991; ver também Merrifield 2003)
de modo que podemos tomar estes valores como típicos do disco, e o estudo de órbitas estelares em potenciais
representativos de discos (ver BT87) nos indica que podemos assumir estes valores como típicos para discos de
galáxias com tipo morfológico igual ao da Galáxia (Sb-Sc). Mais precisamente, estes são valores típicos
para regiões periféricas do disco. A uma distância galactocêntrica igual à escala de comprimento
do
disco, que para a Galáxia é de 3.5
0.5 Kpc (BT87), um valor típico para
nestas galáxias
é 30 Km/s. Valores típicos para
no centro do disco desta classe de galáxias estão em torno de
50 Km/s (Bottema 1993; ver também dos Anjos & Gadotti 2003). Para galáxias lenticulares,
no centro
apresenta valores típicos em torno de 100 Km/s (McElroy 1995), incluindo neste valor a contribuição do bojo.
No entanto, como a dispersão cai de forma
exponencial em direção à periferia da galáxia, mesmo em nossas medidas não muito afastadas do centro
podemos esperar valores menores. Para pontos mais afastados do centro,
em lenticulares tem um
valor típico de 50 Km/s (ver Fisher 1997). De todo modo, a variação nestes valores é bastante pronunciada.
Podemos fazer uma avaliação da relação entre a escala de altura do disco de uma galáxia com o valor de
. Na aproximação de epiciclo (ver BT87), a oscilação vertical das estrelas em coordenadas
cilíndricas (
,
,
) é determinada pela expressão:
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(17) |
onde o ponto denota uma derivada temporal, e é a freqüência vertical de epiciclo, dada por
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(18) |
onde é o potencial gravitacional do sistema sob consideração, neste caso o disco. Por outro lado,
num sistema altamente achatado, devemos ter
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(19) |
conforme BT87. Portanto, a freqüência de epiciclo deve ser
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(20) |
Ou seja, a freqüência de epiciclo depende apenas da densidade de massa no plano da galáxia.
Isto significa que em uma barra recém-formada, admitindo que a barra é uma instabilidade dinâmica do
disco, as estrelas devem estar sendo submetidas a esta freqüência vertical. Para a Galáxia, na
vizinhança solar, temos que
s
.
Por outro lado, através da hipótese razoável de que seja independente de
, temos que
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(21) |
onde é a escala de altura do disco,
é o tempo, e
é uma constante
de fase. Isto implica em que
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(22) |
e
![]() |
(23) |
Portanto, considerando o disco da Galáxia típico, a escala de altura do disco deve ser
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(24) |
Note que, segundo Edvardsson et al. (1993; ver também BM98), o valor de para o disco fino
da Galáxia é igual a 18 Km/s e, para o disco espesso, 39 Km/s, o que, segundo a nossa dedução acima,
resulta em escalas
iguais a, respectivamente, 258 e 559 pc. Assim, de fato, as estrelas com valores
baixos para
devem realmente pertencer ao disco das galáxias. Porém, valores para
da ordem de 100 Km/s, por exemplo, implicam em escalas de altura da ordem de 1.4 Kpc, o
que certamente não diz respeito a um disco.
É interessante que estes resultados estão em acordo com a quase constância de ao longo
dos discos de galáxias (de Grijs & Peletier 1997; van der Kruit 2002). Mas note que o aumento radial
de
é mais significativo para discos em galáxias de tipos morfológicos recentes.
Portanto, as nossas medidas de estão diretamente relacionadas à escala de altura das
barras. Uma questão que ainda precisa de uma resposta adequada é qual é a escala de tempo
envolvida nos processos de evolução que aumentam significativamente o valor de
na barra.
Estimativas anteriores indicam escalas de tempo da ordem de 1 Gano, mas veremos adiante que
o valor correto pode ser substancialmente maior.
Pelo paradigma atual de formação de barras (ver Seção 1.2), ao se formar, a barra deve certamente
estar restrita às estrelas do disco. Neste contexto, qualquer que seja a sua origem, a barra jovem forma uma
estrutura contida no disco estelar. Mas esta situação pode ser paulatinamente modificada graças à
interação dinâmica entre as estrelas que fazem parte da barra e as outras estruturas que existem no disco.
Por este motivo, é razoável que, naquelas galáxias em que a barra foi
recentemente formada, o valor de caia significativamente do centro para fora nas Fig(s). 2.13 e 2.14, já que a barra
permanece ainda fina, ou seja, mantém as características cinemáticas do disco com relação a
.
Por outro lado, as estrelas que estão dinamicamente associadas à barra devem sofrer processos de
espalhamento orbital incoerentes, seja através de grandes e densas nuvens moleculares
(GMC's - ``Giant Molecular Clouds''; ver Spitzer & Schwarzchild 1951, 1953),12 ou através de perturbações
na densidade das estrelas no disco, que lentamente provocam uma difusão radial e vertical das órbitas.
Note que estes processos têm efeito tanto na barra quanto nas estrelas que fazem parte exclusivamente
do disco (ver, e.g., Binney 2001).
Ainda mais eficientes neste sentido são os mecanismos propostos por Combes & Sanders (1981)
e Toomre (1966), respectivamente, as ressonâncias verticais orbitais e o efeito ``hose'', que atuam
exclusivamente nas estrelas da barra (ver Seção 1.2). Estes mecanismos fazem com que a barra evolua,
aumentando o seu espessamento vertical.
Portanto, uma barra que já tenha sofrido estes processos de espessamento vertical deve ter valores mais elevados
de
, de modo que este não deve variar muito desde o centro ao longo da barra.
Em última análise, o espessamento da barra é um indicador do estágio evolutivo desta componente.
No Capítulo 4, reuniremos argumentos que podem estar indicando que a escala de tempo para o espessamento
vertical da barra pode ser substancialmente superior a 1 Gano. Este valor, deduzido via simulações -corpos,
mostra como, de fato, o espessamento provocado pelas ressonâncias verticais, ou pelo efeito ``hose'', é rápido.
Dada esta inconsistência, podemos explorar novos mecanismos que sejam atuantes no espessamento vertical da
barra.
A difusão vertical nas órbitas provocada pelas GMC's é certamente mais lenta
(ver adiante), e pode ser mais eficiente para
as estrelas contidas na barra do que aquelas no disco, se houver um acúmulo de GMC's ao longo da barra, o
que é uma hipótese razoável (ver Seção 1.2). Note que não são apenas GMC's que podem provocar esta
difusão orbital, mas qualquer flutuação expressiva de densidade, como aglomerados globulares etc. Assim,
este efeito pode atuar também em galáxias com um reduzido conteúdo de gás, como as lenticulares.
A variação nas velocidades estelares, provocada pelo impacto com as GMC's, pode ser escrita na aproximação impulsiva [ver Fig. 3.1 e Eq. (3.26)] como
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(25) |
onde é a massa típica de uma GMC, e
o parâmetro de impacto. A sucessão de
vários encontros dá origem a um processo de difusão no espaço de fase (ver Wielen 1977) na forma
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(26) |
onde é o coeficiente de difusão [ver Eq. (3.40)], que é, portanto,
proporcional a
. Se
é constante, então
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(27) |
onde é a dispersão de velocidades inicial. Através de simulações numéricas,
Villumsen (1983) mostra que a equação acima pode ser parametrizada na forma
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(28) |
com para um espalhamento aleatório (``random walk''), e onde
é uma escala de tempo
porporcional a
. Este valor para
está em acordo com a relação entre a dispersão de velocidades
e a idade das estrelas na vizinhança solar.
Segundo os resultados de Villumsen (1983), este processo pode aumentar o valor de de
Km/s para
Km/s em cerca de 7 Gano. Considerando um acúmulo de GMC's na barra, e o fato de que
, este mecanismo pode explicar o espessamento da barra observado em escalas de tempo
maiores do que 1 Gano. Por exemplo, se o valor para
na barra for metade daquele no disco, resultado de uma maior
concentração de GMC's, em 7 Gano o valor de
, na barra, vai para
Km/s.
Nas Fig(s). 2.13 e 2.14 alguns casos são facilmente identificados dentro deste cenário geral.
Não há dúvidas de que NGC 2665, NGC 4579 e
NGC 5383 possuem barras jovens. NGC 1326 também é um exemplo de barra recém-formada. Apesar de a queda
em não ser tão acentuada, os valores reduzidos para este parâmetro nos pontos mais afastados do
centro ao longo do eixo maior, ainda na barra, a denunciam como sendo ainda
uma estrutura fina, contida no disco. Em particular, os pontos mais
afastados do centro ao longo do eixo menor já se referem ao disco, fora da barra, e seus valores para
são similares. O fato de a queda ser leve indica que o bojo desta galáxia não tem um valor elevado
para a dispersão de velocidades, pelo menos na direção vertical. Outra barra que ainda não evoluiu por
um tempo suficientemente longo para ser tornar verticalmente espessa
é a de NGC 4394. Apesar de praticamente não haver uma queda em
do centro para
a borda da galáxia ao longo dos eixos da barra, os valores de
são muito reduzidos. Assim como em
NGC 1326, os últimos espectros ao longo do eixo menor da barra já estão coletando informações a respeito
do disco e, mais uma vez, seus valores para
são semelhantes aos da barra. A contribuição
do bojo para a dispersão em NGC 4394 é bastante reduzida.
Exemplos claros de barras evoluídas são as de NGC 1317, 4314, 4608, 5701 e NGC 5850. Em todas elas os
valores para a dispersão são elevados e praticamente constantes ao longo do eixo maior. Além disso, ao
longo do eixo menor, os últimos espectros indicam que a dispersão é significativamente menor no disco,
exceto em NGC 4608 e NGC 5701 (possivelmente porque estas têm bojos mais proeminentes).
Em particular, note que o valor de para o disco de
NGC 1317 é da ordem de 60 Km/s, enquanto que para os discos de NGC 4314 e NGC 5850 este valor cai
para cerca de 20 Km/s, o que é condizente com a diferença nos tipos morfológicos destas galáxias. O RC3
classifica NGC 5850 como Sb, e NGC 1317 e NGC 4314 como Sa, mas fica evidente pelas Fig(s). 2.1 e 2.3 que
a última é de uma classe morfológica mais tardia que NGC 1317.
O comportamento de em NGC 1387 e NGC 1440 mostra uma queda relativamente substancial do
centro para as bordas da barra em ambos os eixos maior e menor. No entanto, o valor de
é
demasiado alto para se tratar de barras jovens. Certamente são barras evoluídas e espessas.
Estes são casos em que o bojo tem uma dispersão
de velocidades bastante elevada. Em particular, nota-se que os valores de
no disco, i.e.,
aqueles para os últimos espectros ao longo do eixo menor da barra, são muito altos:
150 Km/s.
É difícil argumentar que a instabilidade dinâmica global de discos para a formação de barras seja
responsável pelas barras nestas galáxias, já que esta instabilidade ocorre somente em discos cinematicamente
frios. Trata-se exatemente do maior problema enfrentado por este modelo atualmente. NGC 1302 também
parece ter uma barra mais evoluída. O valor de
não é tão elevado, mas é aproximadamente
constante ao longo do eixo maior. Ao longo do eixo menor pode-se avaliar que a dispersão no disco
é substancialmente menor.
Finalmente, o caso de NGC 4984 é duvidoso. O valor para a dispersão é relativamente baixo, mas é
constante em apenas um dos lados do eixo maior. Infelizmente, não nos foi possível obter espectros ao longo
do eixo menor desta barra. A estrutura interna desta galáxia é reconhecidamente complexa, o que se reflete
em e perturba a nossa análise (ver Fig. 2.2). Jungwiert, Combes & Axon (1997)
sugerem que esta galáxia tem uma barra secundária possivelmente quase alinhada com a primária.
As Fig(s). 2.13 e 2.14 também mostram que, pelo menos em NGC 4314 e NGC 5850, há uma queda
na dispersão de velocidades no centro da galáxia. Os casos duvidosos são: NGC 1317, 4394, 4608 e
NGC 5701. A maioria restante apresenta um pico em no centro da galáxia, o que é mais
freqüentemente observado, e esperado pela dinâmica e pela distribuição de massa em galáxias.
Esta peculiaridade foi também notada por Emsellem et al. (2001) em 3 casos. Estes autores sugerem que esta
queda na dispersão central é provocada por um disco de estrelas recém-formadas, cinematicamente frio, e
que teve origem no transporte de gás ao centro pela barra. Neste contexto, é notável que tenhamos detectado
este disco interno nas imagens de NGC 4314, NGC 4394 e NGC 5850, com o código BUDDA
(Capítulo 4; ver também Apêndice A).