Antes de iniciar esta revisão, vale notar que barras em sistemas estelares podem surgir em formas diversas. Em primeiro lugar, há barras predominantemente estelares e há aquelas em que o conteúdo é exclusivamente gasoso. Esta Tese se refere unicamente às barras estelares, embora as barras gasosas sejam citadas uma ou outra vez, principalmente dada sua conexão com a alimentação de núcleos ativos em galáxias (AGN's - ``Active Galactic Nuclei''). Em segundo lugar, conforme será visto adiante, barras podem ter origem em instabilidades dinâmicas globais em discos, incluindo não apenas os discos de galáxias, mas também discos protoplanetários, discos de acrescimento na formação de estrelas, em estrelas binárias, estrelas de nêutrons e buracos negros estelares e supermassivos (e.g., Kobayashi & Mészáros 2003; Goodman 2003; Saigo, Hanawa & Matsumoto 2002; Okazaki et al. 2002; Lai 2000; Shibata, Baumgarte & Shapiro 2000). Evidentemente, tais barras estão fora do escôpo deste trabalho. Finalmente, informações sobre a barra da Galáxia serão abordadas na medida em que possam elucidar as questões relativas a barras estelares em galáxias em geral, o que não é freqüente dada a nossa posição no disco da Via Láctea, que impede uma visão de face da barra. Assim, barras estelares em galáxias externas são o nosso objeto de estudo primário.
Evidências observacionais mostram que, dependendo da definição operacional, mais da metade das galáxias brilhantes
no universo local possuem barras (ver, e.g., Seção 1.3). Muito trabalho a respeito desta estrutura galáctica foi
realizado para que o nosso conhecimento sobre barras possa ser considerado hoje pouco mais do
que qualitativo. Uma recente revisão por Friedli (1999) indica que as barras evoluem nos
aspectos morfológico, dinâmico e químico. Estes processos devem induzir modificações
na galáxia hospedeira, tanto em escalas de tempo dinâmicas ( Gano) e
cosmológicas (
Gano) como em grandes (
Kpc) e pequenas (
Kpc)
escalas de tamanho. As informações nos parágrafos a seguir foram separadas e dispostas com objetivos
didáticos. No entanto, como em conjunto formam um corpo de dados mais sólido, alguns aspectos
ficam mais claros após a leitura completa desta seção.
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(1) |
onde é a freqüência de epiciclo nas órbitas estelares, dada por
![]() |
(2) |
sendo que é a distância ao centro do disco e
é a velocidade angular de rotação;
é a dispersão radial de velocidades,
é a constante da gravitação de Newton e
é a
densidade superficial projetada de massa. Assim,
é conhecido como o critério de estabilidade de Toomre.
Muito há a ser dito sobre o significado deste resultado. Em primeiro lugar, para discos gasosos, como primeiro mostrado
por Safronov (1960), resultados similares são obtidos, e é necessário substituir
por
, a velocidade
do som no meio. Em segundo lugar, rigorosamente o resultado acima se aplica apenas a perturbações axissimétricas
(e.g., uma expansão radial do disco). Entretanto, Toomre mostra que, para perturbações não axissimétricas, como
barras, o resultado deve ser bastante semelhante. Resultados obtidos por outros autores para discos com propriedades
distintas confirmam esta sugestão. Finalmente, a Eq. (1.1) se refere tanto a perturbações locais, como
o colapso de nuvens interestelares, quanto globais, como barras. Vale notar que Goldreich & Lynden-Bell (1965) e
Julian & Toomre (1966) mostraram que discos estelares e gasosos são estáveis a todas as perturbações locais
não axissimétricas. A melhor estimativa possível que obtemos para
em discos de galáxias reais é o da
vizinhança solar, já que a determinação precisa dos parâmetros que se incluem na Eq. (1.1) não é trivial para
outras galáxias.
Para a vizinhança solar,
, com possíveis valores variando entre 1 a 3, de forma que esta região da
Galáxia parece ser estável a perturbações locais.
Kalnajs (1972) mostrou que, para sua família de discos, um modo de instabilidade descrito por , onde
e
são os índices harmônicos do potencial perturbado do disco quando expresso em termos de
harmônicos esféricos (ver, e.g., Boas 1966), surge sempre que
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(3) |
onde é a velocidade angular de uma órbita circular. Este modo produz uma deformação
elipsoidal no disco semelhante a uma barra e é conhecido como o modo da instabilidade de barra. Para discos de
Maclaurin (ver BT87), os resultados indicam um valor de 0.5 para o termo à direita na Eq. (1.3). A diferença fundamental
entre os discos de Kalnajs e os de Maclaurin é que os primeiros são estelares, enquanto os últimos são constituídos
por um fluido incompressível. Outras diferenças nas famílias de discos incluem também o perfil radial de
e de
.
Por outro lado, Polyachenko & Polyachenko (2003) sugerem que a formação de barras ocorre através de um mecanismo originalmente proposto por Lynden-Bell (1979). Neste mecanismo, a barra se forma via a atração mútua e o alinhamento das órbitas estelares em precessão.
O que estes resultados nos dizem, de maneira geral, é que discos cinematicamente frios, i.e., aqueles em que o suporte dinâmico é essencialmente fornecido pela revolução das estrelas em torno do centro, são instáveis à formação de barras. Sendo o oposto verdadeiro para discos cinematicamente quentes, i.e., aqueles em que o suporte dinâmico vem da dispersão nas velocidades estelares.
Do ponto de vista numérico, Miller & Prendergast (1968), Hohl & Hockney (1969) e Hohl (1971, 1975) foram alguns
dos primeiros trabalhos a mostrar que, de fato, discos de estrelas são
extremamente instáveis à formação de barras. Simulações numéricas recentes confirmam este resultado; a escala de
tempo para a formação de barras, uma vez que o disco esteja formado, é de cerca de anos
(ver, e.g., Capítulo 3).
É interessante notar que em discos que possuem estrelas e gás os critérios para estabilidade são mais complexos. O disco pode ser instável mesmo quando cada componente é estável separadamente (ver, e.g., Jog & Solomon 1984; Bertin & Romeo 1988; Elmegreen 1994). A quantidade relativa de gás no disco é neste ponto um parâmetro fundamental. Enquanto for uma fração pequena da massa total do disco o gás tem o papel de facilitar a instabilidade de barra. No entanto, Shlosman & Noguchi (1993) mostram que se mais de 10% da massa estiver na forma de gás, então o efeito é inverso. Isto porque o gás colapsa via instabilidade de Jeans1 (1929; BT87) formando condensações que podem espalhar as estrelas em suas órbitas, aumentando a temperatura cinética do disco (ver também Combes 1996).
A questão que surge naturalmente é a de como estabilizar os discos, já que boa parte das galáxias espirais
observadas não possuem barras. Ostriker & Peebles (1973; ver também Athanassoula & Sellwood 1986)
mostraram numericamente que há pelo menos 2
maneiras de se estabilizar um disco estelar. Na primeira delas, o disco se torna estável se a razão entre a
energia cinética de rotação e a energia gravitacional total é menor do que 0.14
0.02, o que é essencialmente
similar aos resultados de Toomre e Kalnajs acima. A segunda forma de estabilizar o disco é incluir uma componente
esferoidal2cuja massa interna ao disco seja de 1 a 2.5 vezes a massa do disco. Essa componente pode ser tanto a
região interna do halo de matéria escura que, acredita-se, existe pelo menos nas galáxias espirais gigantes,
ou o próprio bojo da galáxia. Toomre (1981) argumenta que discos com alta concentração central de massa também
inibem a formação de barras. Este resultado foi numericamente confirmado por Sellwood & Moore (1999). Isto acontece
porque o excesso de massa faz com que surja uma ressonância interna de Lindblad (ILR - ``Inner Lindblad Resonance'',
ver adiante) no disco. Este resultado é certamente bastante desconfortável (Sellwood 2000), visto que há muitas
evidências (Sellwood 2002) de que galáxias barradas apresentam centros com excesso de densidade e anéis
nucleares, que supostamente indicam a presença de uma ILR [ver Buta & Combes (1996); ver também Regan
& Teuben (2003) para uma interpretação alternativa]. O excesso de massa no centro pode ser produzido tanto
por nuvens gigantes e densas de gás molecular,
como por buracos negros supermassivos (Sellwood & Evans 2001; mas ver Shen & Sellwood 2003).
Portanto, pode-se questionar: como essas galáxias desenvolveram uma barra?
Esta situação desconfortável ainda se agrava ao se considerar as galáxias barradas lenticulares.3 Estes sistemas estelares possuem discos que são demasiadamente quentes, tornando-os estáveis à formação das barras. Além disso, são as galáxias de disco com maior razão bojo/disco ao longo da seqüência de Hubble. Nota-se, assim, que apesar de o nosso conhecimento sobre os mecanismos de formação de barras estar bastante adiantado, esta questão ainda não foi respondida adequadamente. Soluções podem estar relacionadas com o papel dos halos escuros nos mecanismos de excitação e estabilização dos discos (Gadotti & de Souza 2003a, b; Athanassoula 2003). Parte significativa desta Tese versa sobre este tema.
Por outro lado, como foi mostrado com simulações por Noguchi (1987) e Gerin, Combes & Athanassoula (1990),
forças de maré em encontros próximos de galáxias facilitam a ignição da instabilidade de barra. Observacionalmente,
Elmegreen, Bellin & Elmegreen (1990) confirmam este resultado. Noguchi (1996, 2000) sugere que todas as
barras em galáxias de tipos morfológicos recentes se formam via
interações de maré, enquanto que somente nas espirais mais
tardias as barras são de fato criadas espontaneamente pela instabilidade de barra. No entanto, ainda não é claro
se este cenário explica bem as diferenças, por exemplo, morfológicas, entre as barras nos diversos tipos de
galáxias (ver adiante). Em particular, barras formadas por maré em simulações -corpos (Miwa & Noguchi 1999)
têm uma baixa velocidade angular de rotação
, o que se contradiz com as observações de que
barras em galáxias de tipos recentes têm valores elevados para
(Aguerri, Debattista & Corsini 2003).
Do ponto de vista observacional, parece não haver dependência na fração de galáxias barradas com o
meio ambiente (van den Bergh 2002).
Norman, Sellwood & Hasan (1996) calculam que, para que ocorra uma rápida ( Gano) e quase
completa dissolução da barra, a massa no caroço central da galáxia deve chegar a
5% da massa total de bojo e disco somados. No entanto, outros autores encontram valores diversos: para Friedli
(1994), 2% da massa do disco já são suficientes para a dissolução em 1 Gano; Hozumi & Hernquist (1999) chegam a
valores como 1% da massa do disco e 1 a 4 Gano para a dissolução da barra; finalmente, para Beretzen et al. (1998)
estes valores são 1.6% da massa da galáxia e 2 Gano. Esses resultados distintos são conseqüência da
utilização de modelos e técnicas diversas. Em um estudo recente, Shen & Sellwood (2003) concluem que estes
valores dependem da forma como a massa central está distribuída. Os autores concluem que se a escala de
comprimento da concentração central de massa é da ordem de alguns
parsecs, os efeitos são significativamente
mais intensos do que para objetos centrais mais difusos. No entanto, os resultados indicam que mesmo buracos
negros supermassivos (com 0.1% da massa do bojo) levam mais que um tempo de Hubble para enfraquecer a
barra significativamente. O mesmo ocorre com concentrações centrais de gás molecular com massas de 5% da
massa do disco e escalas de comprimento de algumas centenas de parsecs. Os primeiros têm pouca massa
e as últimas são muito difusas. Portanto, estes autores concluem que as barras parecem ser mais robustas do que
o que foi concluído anteriormente. Embora todos concordem que
a concentração central de massa enfraqueça a barra, isto parece ocorrer apenas muito
gradualmente. A dissolução da barra nas simulações de Shen e Sellwood ocorre apenas para buracos negros com
massa superior a 4 - 5% da massa
do disco, ou concentrações mais difusas com 10% da massa do disco; e pode levar mais de
6 Gano para uma dissolução completa. Se estes valores estiverem corretos, trazem conforto face às observações de que
os buracos negros supermassivos observados em galáxias espirais barradas, bem como concentrações centrais de
gás molecular, não atinjem massas tão altas (e.g., Wandel 1999; Sakamoto et al. 1999a).
Certamente se faz necessário um estudo sistemático deste
problema, que é muito importante e ainda está longe de uma solução definitiva.
Surge então a questão: uma galáxia que foi um dia barrada e teve sua barra dissolvida pode voltar a ser barrada
novamente? Aparentemente, a evolução e a dissolução da primeira barra impedem que isto aconteça. Isto porque:
(i) o aumento na concentração central de massa induzido pela primeira barra torna o disco mais estável,
e (ii) a dissolução da primeira barra aquece o disco, já que aumenta a dispersão de velocidades nas suas estrelas,
o que também o torna mais estável. Portanto, é necessário esfriar o disco para que uma segunda barra
se desenvolva. Uma forma de se conseguir isto é através da queda de gás externo no disco. Bournaud &
Combes (2002) estudam este efeito em simulações numéricas que incluem estrelas, gás, formação estelar e
perda de massa por estrelas evoluídas.
Os resultados mostram que, com o acréscimo de gás (que faz o disco dobrar de massa em Gano,
dependendo da massa contida no halo externo de gás e de sua taxa de queda), o
disco torna-se instável novamente e até 4 barras poderiam se formar e serem dissolvidas em um tempo de Hubble.
As propriedades das barras recorrentes devem ser distintas das primeiras barras: são mais curtas, mais fracas e mais
rápidas. Por outro lado, ainda não é claro se a queda de gás pode dar um suporte extra à primeira barra, de
forma que esta jamais se dissolva. Entretanto, a queda contínua de gás resolve dois problemas persistentes. O
primeiro é como explicar a taxa de formação estelar observada em espirais de tipos tardios se, com essa taxa, a
quantidade de gás medida nestas galáxias se extingüe em poucos Giga-anos [embora possamos admitir que estas
galáxias sejam formadas recentemente; ver Kennicutt (1983)]. O segundo problema consiste em explicar a
persistência e a ocorrência de braços espirais que, pelo menos na hipótese de Lin-Shu (1964, 1966), são uma
instabilidade no disco que precisa de gás para se manter viva (BT87).
Um ponto a favor do cenário de barras recorrentes foi encontrado por Block et al. (2002) que mostram que a distribuição de torques
(ver adiante) em galáxias espirais só pode ser explicada com a captura de gás externo no disco. Do contrário, galáxias
com disco devem perder barras e braços e se tornarem axissimétricas em poucos Giga-anos.
Mais uma vez, é altamente desejável que esta questão (relativamente nova) seja explorada em diversas
frentes, para que uma comparação eficiente entre a teoria e a observação de galáxias reais possa ser realizada.
Muito estudo teórico e observacional ainda é preciso para verificar se este cenário é plausível.
Nesta Tese, serão obtidos resultados que têm fortes implicações para um possível cenário de
barras recorrentes.
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A Fig. 1.1 exibe uma propriedade dinâmica especialmente relevante no estudo de galáxias barradas: a corrotação
e as ressonâncias
de Lindblad (ver, e.g., BT87). Na corrotação (CR - ``Corotation''), as estrelas no disco têm a mesma velocidade angular
que o padrão da barra. De fato, é o centro guia da órbita da estrela que co-rotaciona com o potencial da barra, e não
a estrela propriamente, já que sua órbita também é descrita pela freqüência de epiciclo. Nas ressonâncias
interna (IILR - ``Inner Inner Lindblad Ressonance'' e OILR - ``Outer Inner Lindblad Ressonance'') e externa
(OLR - ``Outer Lindblad Ressonance''), as estrelas encontram picos sucessivos do potencial da barra em uma
freqüência que coincide com a das suas oscilações radiais, i.e., as freqüências de epiciclo. A cada duas
oscilações radiais ocorre uma revolução da barra. No caso das ILR's, as
estrelas do disco orbitam com velocidades de rotação
superiores à da barra, e no caso da OLR ocorre o oposto: o potencial da barra ultrapassa essas
estrelas. Entretanto, as barras terminam antes da CR (ver adiante), de forma que as estrelas do disco sempre tendem a
ultrapassar a barra. Como pode ser visto na Fig. 1.1, a posição das ressonâncias depende da velocidade angular da
barra, . Assim, uma galáxia pode ter desde nenhuma a várias ressonâncias. Em particular, pode ter duas,
uma, ou nenhuma ILR.
Note que havendo alterações na velocidade de rotação da barra durante sua evolução, a posição das
ressonâncias também se altera ao longo da evolução da galáxia.
Outras ressonâncias também ocorrem, e.g., em
, com
inteiro. No
entanto, é para
que as ressonâncias têm importância fundamental no estudo de barras e braços
espirais. Combes & Elmegreen (1993) sugerem, através de simulações
-corpos,
que
depende das razões bojo/disco da galáxia
em massa e em escalas de comprimento. Segundo estes autores, galáxias de tipo recente têm barras com valores
elevados para
[o que está em acordo com as observações
(e.g., Aguerri, Debattista & Corsini 2003)], terminando antes, mas
próximas, da CR. Em tipos tardios,
é baixo5e a barra termina bastante distante da CR, já próxima à ILR (ou à OILR se houverem 2 ILR's).
Elmegreen et al. (1996a, b), analisando uma amostra de 11 galáxias barradas no infravermelho próximo,
concluem que barras em galáxias de tipos recentes terminam antes da CR, mas depois da ressonância
ultra-harmônica interna (ou ressonância 4:1 interna, onde
), numa região
bastante povoada por ressonâncias. A razão entre o
raio da CR e o da ressonância 4:1 interna varia de 2 a 3, dependendo da curva de rotação da galáxia. Segundo os
autores, o espalhamento orbital provocado pelas ressonâncias cria as estruturas conhecidas como ``ansae'', que
somente aparecem nas barradas de tipos recentes (são como alças em cada ponta da barra; estas estruturas
podem dar origem aos observados anéis internos). Ainda segundo
Elmegreen et al., os braços espirais e os anéis nestas galáxias parecem co-rotacionar com as barras; e as galáxias
de tipos tardios parecem não ter ILR's. Neste ponto, é interessante notar que Elmegreen & Elmegreen (1985) também
encontram resultados que sugerem uma origem comum para barras e braços espirais, já que braços mais desenvolvidos
parecem estar correlacionados com barras fortes, formando o padrão conhecido como ``grand design''.
Podemos salientar de imediato 3 pontos que tornam as ressonâncias
de extrema importância no estudo de galáxias barradas.
Em primeiro lugar, os efeitos perturbativos da barra no potencial axissimétrico do disco da galáxia são levados ao
extremo nas ressonâncias, já que aí estes efeitos são cumulativos, devido ao reforço periódico.
Em segundo lugar, as órbitas mais relevantes das estrelas
na galáxia têm direções perpendiculares de um lado e de outro das ressonâncias. A principal família de
órbitas periódicas em uma galáxia barrada (ver, e.g., Contopoulos & Papayannopoulos 1980;
Teuben & Sanders 1985; Contopoulos & Grosbl 1989; Contopoulos & Voglis 1996; Contopoulos, Voglis
& Efthymiopoulos 1996), a órbita do tipo x1, e as dos tipos 4/1 e 6/1 (ver Fig. 1.2),
são alinhadas paralelamente à barra, e são dominantes
somente entre a ILR (ou o centro, se não houver ILR's)
e a CR. Esta é a razão para as barras terminarem sempre antes da CR.
Do centro até a ILR (aqui assumindo que só haja 1 ILR), as órbitas do
tipo x2, perpendiculares à barra, são dominantes. Além da CR, até a OLR, as órbitas dominantes também são
perpendiculares à barra. As órbitas do tipo x3 são similares às do tipo x2 mas são instáveis; as do tipo x4
são similares às do tipo x1 mas são retrógradas e pouco povoadas.
Note que as estrelas que fazem parte da barra, as que seguem as órbitas dos tipos x1, 4/1, 6/1 etc., estão quase
constantemente na barra, permanecendo nela e reforçando-a durante muitas revoluções, o que dá às ondas de
densidade que dão origem à barra o caráter de quase estacionárias. O acúmulo de massa na região central que
induz a dissolução da barra via o aparecimento de órbitas caóticas (ver acima), também faz com
que a ILR se estenda cada vez mais na barra
(pois o pico em
é elevado), de modo que as órbitas do tipo x1 dão lugar às do tipo x2, e a
barra desaparece. Finalmente, as ressonâncias têm a propriedade de manter as estrelas em órbitas aproximadamente
circulares quando o raio galactocêntrico da estrela é próximo dos raios ressonantes
(BT87; ver também Bertin 2000). A maior parte das estrelas
na galáxia segue famílias de órbitas periódicas e o gás não tem um comportamente diferente. Entretanto,
dada a natureza dissipativa do gás, este termina por não participar de órbitas que se cruzam. Além disso,
na passagem de cada ressonância, a mudança de direção no movimento do gás é gradual, o que não ocorre
no caso das estrelas, que têm mudanças bruscas na orientação das órbitas, após um certo período de relaxação
(Combes 2001a).
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A resposta das órbitas do gás de um disco em uma galáxia barrada foi investigada através de simulações
numéricas por Schwarz (1981), que encontrou que o gás se
acumula em braços espirais ``trailing''6 desde a CR até a OLR.
Em poucos Giga-anos essa configuração se transforma em um anel externo, com bastante semelhança com galáxias
reais. Este tipo de resposta ocorre porque a formação da barra
parece induzir a formação de braços espirais entre a CR e a
OLR. O gás nestes braços sofre um torque pela barra que o acelera (ver Fig. 1.3). Assim, a barra perde momento angular
para o gás externo à CR. Por outro lado, a cada ressonância o torque é invertido (e.g., Sellwood & Wilkinson 1993)
de forma que o gás que se encontra entre a CR e a ILR perde momento angular para a barra
(ver, e.g., Piner, Stone & Teuben 1995; Combes 2001a).
Friedli & Benz (1993, 1995 e referências aí contidas) mostram que, além dos torques, choques induzidos pela
barra no gás do disco nesta região fazem com que este gás seja coletado em direção ao centro da galáxia na ILR.
Athanassoula (1992a, b, 2000) mostra que as faixas de gás e poeira ao longo das laterais das barras em galáxias indicam
não só a existência destes choques mas também a presença de uma ILR e um fluxo substancial de gás
para a região central. Note que, como o gás segue órbitas quase circulares (ou elípticas, mas alinhadas com os
eixos da barra) na CR e nas ressonâncias de Lindblad () não sofre torque nessas regiões, já que as forças
tangenciais induzidas pela barra se cancelam nessas órbitas. Para
(ressonância 4:1 interna) isso ocorre apenas se
o potencial da barra tiver essa componente de Fourier relevante.
Também através de simulações numéricas, Combes & Gerin (1985) mostram que o gás acumulado na ILR dá
origem a anéis nucleares em cerca de 10
anos. Assim, a presença de anéis nucleares (que geralmente são
anéis circum-nucleares de formação estelar) pode ser um indício da presença de uma ILR, o que tem implicações
importantes para o estudo dinâmico da galáxia, como vimos. Além disso, surge um quadro que relaciona a barra e a
presença de anéis: os nucleares seriam formados rapidamente e com surtos de formação estelar; os internos seriam
formados pelo espalhamento das órbitas entre a ressonância 4:1 interna e a CR, sendo portanto de formação mais lenta e
envolvendo apenas a população estelar mais velha, já contida na barra; e os externos seriam formados também via
acúmulo de gás como os nucleares, porém em escalas de tempo mais longas (Buta 1986;
Buta & Combes 1996; Rautiainen & Salo 2000). Neste cenário, a região da CR tende a ficar desprovida de gás.
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Devemos, entretanto, atentar para o fato de que esta definição das ressonâncias, como usualmente aplicada, apenas é válida no regime linear, i.e., para órbitas quase circulares e discos cinematicamente frios (Athanassoula 2003). Para as estrelas em órbitas que obedeçam essas condições, as definições e implicações acima continuam válidas. No caso de galáxias barradas, para as órbitas que constituem a barra, outra definição importante surge. As órbitas do tipo x1 são todas órbitas ressonantes pois se fecham após uma revolução e duas oscilações radiais, assim como as circulares na ILR convencional. Analogamente, podemos encontrar outras órbitas ressonantes além da CR, externas à barra. Conforme demonstrado primeiramente por Lynden-Bell & Kalnajs (1972), são as órbitas ressonantes aquelas que podem transportar momento angular radialmente em uma galáxia, sendo portanto as órbitas mais relevantes no que diz respeito à evolução secular desses sistemas estelares. Lynden-Bell & Kalnajs ainda demonstraram analiticamente que em uma galáxia com braços espirais ``trailing'', o momento angular é transferido das regiões internas do disco para as externas, em acordo com os resultados acima. Porém, para braços ``leading'' a transferência de momento angular é invertida. Além disso, não é estritamente necessário que haja uma barra para que essa transferência ocorra, embora a presença da barra faz com que este fenômeno seja mais significativo (ver Zhang 1996, 1998, 1999). Os resultados de Gadotti & dos Anjos (2001a, b) mostram que, em geral, somente com uma barra as conseqüências da transferência de momento angular são apreciáveis. No caso de uma galáxia espiral ordinária com dois braços, as estrelas na ILR perdem momento angular para aquelas na CR e na OLR. Em uma galáxia barrada, porém, todas as estrelas com órbitas do tipo x1 cedem momento angular para as estrelas em órbitas ressonantes externas. Como barras são perturbações de momento angular negativo, este transporte de momento angular para as regiões externas tende a tornar a barra mais forte (Athanassoula & Misiriotis 2002; Athanassoula 2002, 2003). O transporte de momento angular para fora é uma tendência em galáxias espirais que, dessa forma, atingem um estado de mínima energia, ou máxima entropia (ver Combes et al. 1995).
Como se vê na Fig. 1.1,
é quase constante ao longo do raio da galáxia. Este fato chamou a
atenção de Lindblad para sugerir que os braços espirais são ondas de densidade (ver BT87). Até então, a
origem dos braços espirais enfrentava um sério problema: se fossem braços materiais, i.e., se as estrelas que
fazem parte dos braços permanecessem neles, a rotação diferencial do disco faria com que os braços desaparecessem
rapidamente, independentemente de serem ``trailing'' ou ``leading''. Há duas soluções para esse problema,
no entanto, sem que seja preciso assumir braços como ondas de densidade. Em algumas galáxias o padrão
espiral poderia ser formado através de muitos pequenos braços que se formam como instabilidades locais, com surtos
de formação de estrelas, e que são deformados em espirais via rotação diferencial, e que se desfazem rapidamente.
Em um processo estocástico (e.g., Sellwood & Carlberg 1984) com a formação contínua de braços via um
fornecimento também contínuo de gás ao disco, o padrão espiral formado é bastante semelhante aos
braços floculentos encontrados em muitas galáxias, como NGC 2841 (e.g., Elmegreen & Elmegreen 1984;
Efremov & Chernin 1994; Thornley 1997; Elmegreen et al. 1999). Por outro lado, o padrão espiral pode ainda
ser material, mas ser um fenômeno temporário, resultante de uma perturbação violenta, como por exemplo o encontro
com outra galáxia (ver, e.g., Toomre 1981). Nesse caso, também há a indução de ondas de densidade.
Esse pode ser o caso de galáxias como M51 (NGC 5194). No entanto,
ainda nos resta explicar os braços bem desenvolvidos em galáxias isoladas. Se
for
exatamente constante, então é possível imaginar uma série de órbitas concêntricas fechadas em um referencial
não inercial que tem uma velocidade angular de rotação igual a
. Ora, neste referencial, é muito
fácil criar ondas de densidade semelhantes a distorções ovais ou a braços espirais (ver Fig. 1.4). Porém,
não é constante, o que faz com que esses braços de ondas de densidade também sejam
dissolvidos rapidamente, embora este problema seja bem menos sério neste caso, já que o tempo de desaparecimento
dos braços é da ordem de 5 vezes maior do que no caso dos braços materiais.
Para salvar a idéia dos braços como ondas de densidade podemos utilizar a hipótese de Lin-Shu (1964, 1966), na qual a estrutura espiral consiste em uma onda de densidade quase estacionária. Essa onda surge como uma pequena instabilidade ``leading'' no disco que, via a amplificação (``swing amplifier'') de Toomre (1981) e via rotação diferencial, torna-se uma onda ``trailing'' de grandes proporções (ver Combes et al. 1995). Neste quadro encontramos acordo com as observações. Em primeiro lugar, a maior parte dos braços espirais observados é ``trailing''. O fato de a maior parte dos padrões espirais serem formados por 2 braços é explicado pela teoria de Lin-Shu como o modo mais instável. As faixas de poeira que acompanham os braços espirais também dão suporte a este cenário visto que o gás é um ingrediente fundamental na ignição e manutenção dessas instabilidades. Por outro lado, o fato de os braços serem ainda visíveis no infravermelho próximo, e mais alargados, os confirma como ondas de densidade (Elmegreen & Elmegreen 1984), já que esta banda de observação é um traçador sensível à maior parte da população estelar da galáxia.
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Não podemos, entretanto, ignorar as galáxias com o padrão ``grand design'', nos quais uma distorção oval, ou uma barra, dá origem a ondas de densidade (ver Elmegreen & Elmegreen 1983; Polyachenko & Polyachenko 2001), com os braços tendo início claramente nas pontas de cada barra (e.g., NGC 1300 e NGC 1365).
Assim, surge um quadro global no qual temos 4 origens distintas para o padrão espiral: a origem caótica dos braços
floculentos; as interações de maré; as instabilidades no disco com amplificação e geração de ondas de densidade; e
a indução de ondas de densidade via barra. No último caso, é também a velocidade de rotação do
padrão dos braços. O papel da barra também pode ser
fundamental na hipótese de Lin-Shu.
A ignição de uma instabilidade ``leading'' no disco cria uma onda que se propaga pelo centro como ``trailing'' e é refletida
de volta como ``leading'' novamente na CR, onde ocorre amplificação.
Sucessivas reflexões criam uma onda de densidade quase estacionária que dá origem à barra.
Essa análise (ver Combes et al. 1995) explica, assim como a análise de órbitas periódicas no potencial de uma galáxia
barrada, porque a barra termina antes da CR e porque o aparecimento de uma ILR inibe ou destrói a barra, já que a ILR
impede que a onda alcançe o centro.
Analiticamente, os potenciais perturbativos de 2 braços espirais e de barras
podem ser descritos da mesma maneira; são ambos bissimétricos, cujo termo mais importante na decomposição
de Fourier é aquele para
. O papel da rotação diferencial também é fundamental em todos os processos.
Uma vez que a barra esteja formada na galáxia, ao menos dois processos dinâmicos fundamentais ocorrem que
têm ação na barra como um todo: a fricção dinâmica com o halo e o espessamento vertical. Weinberg (1985)
estimou analiticamente que a fricção dinâmica com um halo massivo faria a barra reduzir seu movimento
rotacional dramaticamente em escalas da ordem de 10 anos. Debattista & Sellwood (1998) e Athanassoula (1996;
ver também Sellwood 1980) confirmaram essa previsão com simulações
-corpos.
Através de simulações numéricas e tratamento analítico linear, Hernquist & Weinberg (1992) sugerem que os
halos em galáxias barradas têm estruturas que inibem o acoplamento destes com as barras, ou existe
algum mecanismo que pode formar barras muito tempo após a formação do disco. Segundo os autores,
essas são possibilidades plausíveis para considerar a existência de barras em discos com mais de 1 Gano.
Vimos que
Aguerri, Debattista & Corsini (2003), utilizando o método de Tremaine-Weinberg (1984), indicam que as barras giram rápido.
Assim, também podemos considerar que
ou os processos de fricção dinâmica são mal compreendidos, ou os halos das poucas galáxias
para as quais
foi medido têm propriedades distintas das anteriormente supostas. De fato,
Debattista & Sellwood (1998) confirmam através de simulações que a fricção dinâmica em galáxias
com halos de baixa densidade na região interna do disco é pequena, permitindo que a barra continue
com um
compatível com as observações. Este resultado favorece a hipótese de discos
máximos, na qual a curva de rotação central em galáxias espirais pode ser explicada completamente pela
massa dos discos, e os halos de matéria escura devem ter uma contribuição mínima nesta região
(ver, e.g., Sellwood & Sanders 1988). Portanto, halos motivados por simulações cosmológicas,
como os de Navarro, Frenk & White (NFW, 1996), são desfavorecidos. Observacionalmente, a questão
dos discos máximos está longe de ser respondida (ver, e.g., Kranz, Slyz & Rix 2003, 2001;
Courteau & Rix 1999). Neste contexto,
é interessante notar que Sellwood (2003) realiza simulações que mostram que uma barra não é capaz de
achatar perfis do tipo NFW, o que seria uma solução para o problema. Por outro lado, na hipótese de barras recorrentes
(Bournaud & Combes 2002, veja acima) as barras novas formadas poderiam ser aceleradas, o que reconciliaria a
fricção dinâmica, o perfil NFW e as medidas de
. Nesta hipótese, galáxias barradas não seriam
distingüíveis de galáxias ordinárias na fase em que a barra é quiescente, o que está em acordo com os resultados
de Courteau et al. (2003), em que, para uma dada luminosidade, barradas e ordinárias têm parâmetros estruturais
e dinâmicos (e.g., velocidades máximas de rotação, escalas de comprimento e cores)
comparáveis. Em particular, a localização na relação Tully-Fisher (1977) independe de a galáxia ser
barrada ou não.
Com relação ao espessamento vertical, simulações tri-dimensionais de -corpos (e.g., Combes & Sanders 1981;
Combes et al. 1990) mostram que uma
barra que se desenvolve em um disco plano não permanece fina, já que, supostamente, ressonâncias
orbitais entre as freqüências do movimento da barra no plano do disco e das estrelas
na direção perpendicular,
provocam o aquecimento vertical da barra, que se manifesta na formação de uma
estrutura perpendicular ao plano do disco, ou seja, no espessamento da barra. Em uma série de
trabalhos recentes (Kuijken & Merrifield 1995; Merrifield & Kuijken 1999; Bureau &
Athanassoula 1999; Athanassoula & Bureau 1999; Bureau & Freeman 1999;
Bureau, Freeman & Athanassoula 1999; Bureau, Freeman &
Athanassoula 2000), mostrou-se que o aquecimento vertical da barra
produz as morfologias ``boxy'' e ``peanut'' quando a galáxia barrada é vista de perfil.
Aparentemente, a assinatura ``peanut'' aparece quando a linha de visada é perpendicular à barra, enquanto que a
``boxy'' aparece quando a linha de visada é paralela à barra. Um dos diagnósticos na identificação
de barras em galáxias vistas de perfil é justamente a ausência de gás na região da CR, que é
justificada em termos dinâmicos, como vimos acima.
A hipótese de que as galáxias que apresentam a morfologia ``boxy-peanut'' são de fato galáxias
barradas vistas de perfil já havia sido formulada por de Souza & dos Anjos (1987; ver também Shaw 1987).
Entretanto, a literatura mostra que ainda não existe um consenso acerca do exato mecanismo
que provoca o espessamento da barra. Por um lado, as ressonâncias orbitais citadas acima
induzem a difusão das órbitas e o conseqüente espessamento da barra. Por outro lado,
este fenômeno
pode ocorrer mais naturalmente, envolvendo as estrelas do disco coletivamente. Toomre (1966) mostra
que o espessamento de um disco ocorre se a dispersão de velocidades no plano do disco
for maior do que cerca de 3 vezes a dispersão de velocidades na direção perpendicular
(mecanismo ``hose'', ou ``fire-hose'', ou ainda ``bar-buckling''; Merritt & Sellwood 1994).
Como a barra torna as órbitas estelares mais excêntricas, sem afetar substancialmente
o movimento na direção vertical, o mecanismo proposto por Toomre pode prover um meio
natural de engrossar a barra sem recorrer a ressonâncias orbitais (Bureau & Freeman 1999;
Friedli 1999). O mecanismo de Toomre é uma instabilidade análoga àquela que faz uma mangueira
de água oscilar rapidamente quando o fluxo de água que passa por ela é acelerado, daí o nome.
De todo modo, tanto pelo mecanismo de Toomre como via as ressonâncias verticais, é a
dispersão de velocidades na direção vertical no movimento das estrelas que torna a barra
mais espessa. Este é o fundamento do diagnóstico que iremos desenvolver, como
parte desta Tese, para estimar a idade de barras em galáxias. Isto porque as escalas de tempo
envolvidas nestes processos para o espessamento da barra devem girar em torno de 1 Gano, apesar de ser
difícil dizer isto precisamente.
Vários trabalhos na literatura confirmam as barras como catalisadores da formação estelar central em galáxias
(e.g., Huang et al. 1996; Colina et al. 1997; Carollo et al. 1997; Kennicutt 1998a e referências aí contidas;
Alonso-Herrero & Knapen 2001; ver também Combes 2001b). Ho, Filippenko &
Sargent (1997a) encontram que este efeito é significativo apenas para galáxias de tipos mais recentes do que
Sbc, provavelmente devido às diferenças entre as propriedades das barras em galáxias de diferentes tipos de
Hubble. Gadotti & dos Anjos (2001a, b) mostram que galáxias barradas de tipos Sb, Sbc e Sc tendem a ter gradientes
de cor e
menos acentuados, em virtude da formação estelar central provocada pela barra. Também
é interessante mencionar que a taxa de formação estelar global é similar em galáxias barradas e ordinárias. As
regiões em que a formação estelar é mais intensa variam entre os diversos tipos morfológicos. Galáxias
de tipos mais tardios tendem a apresentar surtos de formação estelar ao longo da barra, enquanto que nas de tipos
mais recentes não se encontra qualquer formação estelar ao longo da barra, somente nos anéis (Phillips 1996;
Martin & Friedli 1997).
Assim, uma barra estelar provoca uma mistura em larga escala do gás ao longo da galáxia, que pode ser observada nos perfis de abundância de certos elementos químicos. Em consistência com este cenário, Martin & Roy (1994) e Zaritsky, Kennicutt & Huchra (1994) concluem que galáxias barradas tendem a apresentar gradientes da abundância (O/H) menos acentuados do que galáxias ordinárias. Por outro lado, Sakamoto et al. (1999a, b; ver também Regan et al. 2001, 2002; Das et al. 2003) mostram que galáxias barradas apresentam uma maior concentração central de gás molecular (CO) do que galáxias ordinárias. Estes autores argumentam que este resultado indica o transporte de gás ao longo da barra para as regiões centrais das galáxias.
Muitos estudos observacionais dão suporte a este cenário de formação de bojos via evolução secular de barras. A similaridade das cores em bandas largas de bojos e das regiões internas de discos, encontrada por Balcells & Peletier (1994; ver também Peletier & Balcells 1996; Peletier et al. 1999; Gadotti & dos Anjos 2001a, b) para uma amostra de espirais de tipos morfológicos relativamente recentes, é um exemplo, já que indica que as idades e as metalicidades das estrelas nessas regiões são semelhantes, embora a degenerescência idade-metalicidade nas cores de populações estelares possa trazer incertezas. Courteau, de Jong & Broeils (1996; ver também de Jong 1996b; dos Anjos & Gadotti 2003) mostram que existe uma correlação entre as escalas de comprimento de bojos e discos para uma amostra de espirais de tipos morfológicos recentes e tardios. Estes resultados podem estar indicando que as formações de bojo e disco não podem ser fenômenos tão distintamente separados como no cenário monolítico (e.g., Eggen, Lynden-Bell & Sandage 1962), mas que deve existir uma conexão evolutiva entre essas duas componentes. Além disso, os surtos de formação estelar observados por, e.g., Carollo et al. (1997) em bojos extragalácticos são naturalmente explicados no cenário de evolução secular.
Outras evidências que dão apoio a este cenário são encontradas em observações a respeito da dinâmica e cinemática de bojos. Kormendy (1982) mostra que bojos triaxiais, que são dinamicamente semelhantes a barras, têm uma velocidade máxima de rotação maior do que os bojos de galáxias ordinárias e, portanto, são mais semelhantes a discos. Kormendy & Illingworth (1983) mostram que bojos de galáxias barradas têm, em geral, uma dispersão central de velocidades menor do que os bojos de galáxias ordinárias de mesma luminosidade. Como os discos têm uma dispersão central de velocidades menor do que bojos, este resultado é consistente com a hipótese de que os bojos em galáxias barradas foram parcialmente construídos com material do disco, transportado pela barra. A semelhança entre as distribuições de elipticidades de bojos e discos também foi utilizada como um argumento de que as formações destas duas componentes são eventos conexos (Kormendy 1993). Outra evidência de que os processos evolutivos em barras contribuem para a formação de bojos vem do fato de que estrelas ricas em metais no bojo Galáctico possuem características cinemáticas de barras, enquanto que as estrelas pobres em metais nesta região não possuem esta propriedade (Rich & Terndrup 1997).
Por outro lado, parece haver uma dicotomia entre os bojos de galáxias espirais de tipos mais recentes, que seguem
um perfil de luminosidade de de Vaucouleurs (1948), i.e.,
, e aqueles em galáxias de tipos mais
tardios, que seguem um perfil de luminosidade exponencial. Carollo et al. 2001 (ver também Carollo 1999;
Avila-Reese & Firmani 1999) através
de medidas de cores no óptico e no infravermelho próximo com o telescópio espacial Hubble (HST - ``Hubble
Space Telescope''), mostram que a população estelar nos bojos tipo
é mais velha que nos bojos
exponenciais. Isto pode indicar que os processos de evolução secular são apenas relevantes na formação ou
construção de bojos em espirais de tipos mais tardios. Neste momento, é oportuno lembrar que os outros dois
cenários para a formação de bojos e galáxias em geral, o cenário monolítico
(e.g., Eggen, Lynden-Bell & Sandage 1962) e o cenário hierárquico (e.g., Kauffmann & White 1993)
também têm seus sucessos e fracassos.7 Apenas como exemplo da complexidade do tema,
Aguerri, Balcells & Peletier (2001) usam
simulações
-corpos para mostrar que a fusão hierárquica de bojos exponenciais dá origem a bojos do tipo
. Cada vez mais fica claro que os três cenários devem ocorrer, e que a formação de bojos
pode ser uma combinação destes três cenários. A questão que permanece para ser respondida por estudos futuros
é a de determinar a importância relativa
de cada um destes cenários, e como o papel de cada um deles varia em diferentes condições
físicas, como, por exemplo, em ambientes de diferentes densidades galácticas.
Nesta Tese, mostraremos novas evidências do importante papel das barras na construção (pelo menos
parcial) de bojos, inclusive em galáxias de tipos morfológicos recentes.
Barras também podem estar relacionadas com a formação de lentes em galáxias. Kormendy (1979, 1981) mostra que as lentes (ver nota de rodapé no. 3) aparecem quase totalmente em galáxias de tipos S0 e Sa, e que cerca de metade das barradas nestas classes morfológicas apresentam lentes. Kormendy também observou que, em virtualmente todos os casos, a barra preenche exatamente o eixo maior da lente. E, verificando que lentes em barradas e ordinárias são cinematicamente quentes, este autor sugere que as lentes são também um produto da dissolução das barras (ver também Combes 1996). Por outro lado, Athanassoula (1983) e Bosma (1983) sugerem que os processos de formação de barras e lentes são similares, e que as diferenças ocorrem devido a diferentes condições iniciais, sendo que as lentes se formam com uma população estelar do disco inicial que é mais quente do ponto de vista cinemático.
O transporte de gás até as regiões centrais pela barra é um resultado observacional que já goza hoje de um estado bastante consolidado. A falta de uma correlação clara entre galáxias barradas e AGN's é um indício de que a natureza pode não ser tão simples quanto nossos modelos ainda ingênuos sugerem. A própria definição de barra ainda é por demais sujeita a variações entre diferentes grupos de pesquisadores. Por exemplo, distorções ovais também podem ser eficientes no transporte de momento angular. Além disso, a freqüência de galáxias barradas é sabidamente variável com a banda de observação, sendo que barras são mais conspícuas no infravermelho próximo (Mulchaey, Regan & Kundu 1997; Eskridge et al. 2000), o que ainda é consistente com o quadro dinâmico de barras, no qual estas estruturas envolvem populações estelares mais evoluídas. No entanto, mesmo no infravermelho próximo, Mulchaey & Regan (1997) não encontram excesso de barradas em galáxias Seyfert. Porém, como os próprios autores sugerem, as barras nas galáxias com AGN podem ter recentemente se dissolvido. A possibilidade de barras recorrentes é um complicador neste tema intrincado. Além da presença de barras, muitos outros fatores podem ser decisivos, como, por exemplo, a presença de gás no disco (ver Wada 2003). Também ainda não está clara qual é a relação entre AGN's e formação estelar nuclear (e.g., Ivanov et al. 2000 e referências aí contidas).
Do ponto de vista dinâmico as dúvidas não são menores. Ainda não é claro qual é o papel da ILR, por exemplo,
embora parece ficar evidente que esta ressonância interrompe o fluxo de gás (pelo menos parcialmente) para o
núcleo (Combes 2001a). Por outro lado, sem que haja uma alta concentração central de massa (e.g., um buraco negro
supermassivo), o pico em
é baixo, pode não haver uma ILR e, se houver formação de
espirais nucleares, estes braços serão ``leading'', fornecendo momento angular para o gás na região central, que,
portanto, deixa de cair para o núcleo. Com uma ILR, esses braços têm o padrão ``trailing'', removendo o momento
angular do gás. A formação de braços espirais ou barras secundárias depende do desacoplamento dinâmico
de um disco nuclear (Heller & Shlosman 1994). Rubin, Kenney & Young (1997) revelam que 20% de 80 espirais no aglomerado
de Virgem possuem discos nucleares desacoplados dinamicamente. As barras secundárias, que também são
dinamicamente desacopladas das primárias (Tagger et al. 1987; Combes 1994; Corsini, Debattista & Aguerri 2003)
têm a sua CR coincidente com
a ILR da primária, em geral (Maciejewski & Sparke 2000). Isto ocorre porque, do contrário, o aparecimento de órbitas
caóticas desfaz a barra secundária. As escalas de tempo para o transporte de gás, a formação, dissolução e o
possível ressurgimento das barras, não são bem conhecidas, e a possibilidade de haver 0, 1 ou 2 ILR's adiciona aí
complexidade. Masset & Tagger (1997) fazem simulações que sugerem que
a vida das barras secundárias seja curta, talvez de apenas algumas revoluções [mas veja El-Zant & Shlosman (2003)
para um resultado oposto]. As dificuldades de se identificar
braços e barras secundárias são ainda maiores do que no caso destas instabilidades em larga escala. Galáxias
que apresentam apenas uma barra nuclear
podem ser o caso, por outro lado, de serem sistemas nos quais a barra primária
desapareceu, mas a secundária ainda permanece. Diante de todos esses detalhes, não é surpreendente que
Maciejewski et al. (2002) sugerem numericamente que as barras secundárias não aumentam o fluxo de massa para o núcleo.
Observacionalmente, Martini et al. (2001) comparam amostras similares de galáxias Seyfert e normais, e não
encontram diferença na presença de barras secundárias.
Além disso, Laurikainen, Salo & Rautiainen (2002) determinam a força da barra em galáxias com e sem AGN, através
da determinação dos torques induzidos pela barra, e concluem que, surpreendentemente, as barras mais fortes são
encontradas em galáxias sem AGN! Shlosman, Peletier & Knapen (2000) encontram resultados semelhantes.