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1 Magnitudes, cores e populações estelares

As 1022 estrelas catalogadas no ``Almagesto'' de C. Ptolomeu estão divididas em 6 grupos distintos, ou magnitudes, de acordo com o brilho aparente desses objetos, de modo que as estrelas mais brilhantes são de magnitude 1 e as estrelas mais tênues que podem ser vistas pelo olho desarmado são de magnitude 6. Esta obra foi elaborada na primeira metade do século II A.D. e é uma compilação de todo o conhecimento de Astronomia adquirido até então na Grécia Antiga. A essência dessa classificação do brilho das estrelas perdurou e é utilizada até hoje. Acreditava-se, na época, que essa divisão em magnitudes correspondia a diferenças equivalentes em luminosidade, mas como a resposta do olho humano à radiação é logarítmica, i.e., nossos olhos reconhecem razões iguais de luminosidade, mas não incrementos iguais na luminosidade4, a escala de magnitudes resulta ser uma escala logarítmica. Estudos posteriores por N. Pogson em 1856 mostraram que, de fato, uma estrela de sexta magnitude é cerca de 100 vezes menos brilhante que uma de magnitude 1, mas somente 2.5 vezes menos brilhante que uma estrela de magnitude 5. Levando estes fatos em consideração, podemos escrever:


\begin{displaymath}
m_{1} - m_{2} = {{-2.5\log_{10}}{\left({f_{1}}\over f_{2}\right)}}
\end{displaymath} (2)

ou


\begin{displaymath}
{f_{1}\over f_{2}} = {10^{-0.4(m_{1} - m_{2})}},
\end{displaymath} (3)

onde $m_{1}$ e $m_{2}$ são as magnitudes de duas estrelas distintas com fluxos de energia irradiada iguais a $f_{1}$ e $f_{2}$, respectivamente. Pode-se verificar imediatamente através da equação (2.1) que a escala de magnitudes é uma escala relativa, e portanto, deve ser fixa, arbitrando-se a magnitude de estrelas definidas como padrões.

No entanto, a atmosfera terrestre absorve parte dos fótons emitidos pela estrela, e outros fótons são absorvidos pelo sistema detector utilizado na observação. Assim, sendo $f_{\nu}$ o fluxo aparente de uma estrela em um intervalo de freqüências, podemos expressar o fluxo integrado aparente $f$ em função do fluxo intrínseco em um intervalo de freqüências $f_{\nu}^{0}$ por:


\begin{displaymath}
f = {\int \limits_{0}^{\infty}f_{\nu}{\displaystyle d}{\nu}}...
...nfty}f_{\nu}^{0}
T_{\nu}F_{\nu}R_{\nu}{\displaystyle d}{\nu}},
\end{displaymath} (4)

onde $T_{\nu}$ é a fração de fótons transmitida pela atmosfera, $F_{\nu}$ é a transmissão do sistema de filtros utilizado, $R_{\nu}$ é a eficiência na detecção de fótons pelo sistema de detecção do telescópio e ${\nu}$ é a freqüência da radiação emitida.

Evidentemente, a fração de fótons absorvida pela atmosfera é menor quando a estrela encontra-se no zênite e aumenta em direção ao horizonte. De fato, a atenuação da luz emitida por uma estrela ao atravessar a atmosfera segue a seguinte relação:


\begin{displaymath}
m_{z} - m_{0} = k_{\nu} \sec z,
\end{displaymath} (5)

onde $m_{0}$ é a magnitude da estrela no zênite e $m_{z}$ é a sua magnitude na distância zenital $z$. A constante $k_{\nu}$ é determinada ao se observar a magnitude de uma estrela em várias distâncias zenitais. Conhecendo esta constante, podemos extrapolar a equação (2.4) para obter o valor da magnitude da estrela no caso em que a observação fosse realizada acima da atmosfera (``$\sec z = 0$''). Como a extinção atmosférica varia de uma noite para outra, o valor de $k_{\nu}$ deve ser determinado em cada noite de observação. Além disso, como $k_{\nu}$ varia com o comprimento de onda da luz observada, deve ser determinado para cada filtro utilizado. De fato, o efeito da atmosfera terrestre não é somente atenuar a luz das estrelas, mas também torná-la mais avermelhada, já que espalha com maior eficiência luz com comprimentos de onda mais curtos. Após determinar $k_{\nu}$, podemos corrigir os efeitos da extinção atmosférica para todos os outros objetos observados durante a noite, desde que conheçamos também as distâncias zenitais em que estes foram observados.

A correção para os outros termos da equação (2.3), $F_{\nu}$ e $R_{\nu}$, é realizada ao mesmo tempo em que se transforma as magnitudes obtidas para a escala padrão, i.e., quando se calibra os dados obtidos utilizando-se estrelas-padrão observadas durante a noite, de modo que as magnitudes instrumentais obtidas para essas estrelas possam ser comparadas às que estão publicadas na literatura. Por exemplo, Graham (1982) apresenta estrelas-padrão para observações no hemisfério sul.

O fato de o meio interestelar ser preenchido por gás e poeira em baixas densidades, faz com que tenhamos que corrigir as magnitudes estelares por ainda mais um fator, que é a extinção interestelar. Os grãos de poeira presentes entre as estrelas absorvem mais fortemente a luz de comprimentos de onda mais curtos (como a luz ultravioleta, por exemplo), transformando os fótons absorvidos em luz de comprimentos de onda mais longos (infravermelho). Por outro lado, a luz de comprimentos de onda mais longos atravessa as camadas de poeira sem sofrer muita absorção. Portanto, o efeito da extinção interestelar é o de avermelhar a luz emitida pelas estrelas.

Como este trabalho versa sobre galáxias, precisamos conhecer o efeito da distribuição da poeira interestelar na Galáxia sobre a luz emitida por estes objetos. Este efeito pode ser parametrizado pelo o que se conhece como excesso de cor. Este parâmetro corrige os valores observados dos efeitos da extinção (ou avermelhamento) Galáctica e pode ser descrito como uma função das coordenadas galácticas (l,b) do objeto. Além disso, como as galáxias que estudamos aqui também possuem grãos de poeira no seu próprio meio interestelar, também precisamos fazer uma correção pelos efeitos desta extinção (ou avermelhamento) intrínseca, i.e., pelos efeitos da absorção de luz pela poeira presente em cada uma das galáxias. Trataremos do avermelhamento Galáctico e do avermelhamento intrínseco mais adiante, na determinação dos gradientes de cor (seção 2.3) e dos índices de cor caraterísticos de bojos e discos (seção 2.3.1).

O sistema fotométrico utilizado neste trabalho é o sistema UBV desenvolvido por Johnson e Morgan em 1953. Consiste em 3 filtros que restringem a detecção da radiação emitida pela estrela a uma determinada faixa de freqüências, e cujas curvas de resposta podem ser vistas na Figura 2.1. O comprimento de onda efetivo e a largura FWHM (``full width at half maximum'' - entre parênteses) dos filtros U, B e V são, respectivamente, 365 (66), 445 (94) e 551 (88), em nanometros.

Figure: Curvas de resposta para os filtros U, B e V de Johnson e Morgan. No eixo das abscissas está o comprimento de onda em nanometros, e no eixo das ordenadas a resposta normalizada. A curva tracejada indica uma distribuição espectral de energia típica de uma estrela de tipo A0. A posição da descontinuidade de Balmer também está destacada. (Extraído de Kitchin 1998).
\begin{figure}\epsfxsize =15cm
\centerline{\epsfbox{ubv.eps}}\end{figure}

Uma estrela vermelha é mais brilhante (possui magnitude menor) no filtro V do que no filtro B. Como, inversamente, uma estrela azul possui magnitude menor no filtro B do que no filtro V, a diferença entre essas duas magnitudes, denominada índice de cor (B-V), é uma medida da cor da estrela, pois a estrela vermelha terá um índice (B-V) maior do que a azul. De fato, o índice (B-V) de uma estrela azul, com tipo espectral mais jovem do que A0, será negativo, enquanto que o da vermelha será positivo. Assim, o índice de cor (B-V) é definido como


\begin{displaymath}
(B - V) \equiv m_{B} - m_{V} = c -2.5\log_{10} {{\int_{0}^{\...
...f_{\nu}T_{\nu}(V)F_{\nu}(V)R_{\nu}(V){\displaystyle d}{\nu}}}.
\end{displaymath} (6)

De maneira análoga se define o índice de cor (U-B). A constante $c$ é definida de modo a se adequar à escala padrão de magnitudes, seguindo a convenção de que uma estrela de tipo espectral A0, como $\alpha$ Lyr (Vega), tenha a mesma magnitude em todos os comprimentos de onda, e portanto, $(U-B) = (B-V) \equiv 0$ para estrelas do tipo A0.

Assim sendo, o índice de cor é uma medida da razão de fluxos em duas bandas fotométricas distintas e é, portanto, independente da distância do objeto. Além disso, como depende da forma do espectro estelar, é uma medida aproximada da distribuição espectral da energia emitida pela estrela. Como pode ser visto na Figura 2.2, o índice de cor guarda realmente estreita relação com o tipo espectral.

Figure: Relação entre o tipo espectral e o índice de cor (B-V) (Extraído de Kitchin 1998).
\begin{figure}\epsfxsize =15cm
\centerline{\epsfbox{tipespec.eps}}\end{figure}

A distribuição espectral de energia emitida por uma estrela depende de alguns parâmetros físicos, tais como temperatura, gravidade superficial e composição química. Como estrelas frias são vermelhas e estrelas quentes são azuis, o índice (B-V) é uma medida da temperatura da estrela. Além disso, como muitas linhas espectrais de absorção, relativas a elementos pesados, estão presentes na banda U, enquanto que a banda B é relativamente livre de linhas, o índice (U-B) reflete, ainda que grosseiramente, a composição química da estrela. Estes mesmos índices também são afetados pela idade de uma estrela. Estrelas jovens tendem a ser mais azuladas, e se tornam mais vermelhas conforme evoluem no Diagrama HR. Outra característica do espectro estelar que interefere no valor observado do índice (U-B) é a descontinuidade de Balmer. Essa descontinuidade consiste em uma queda abrupta na distribuição espectral de energia de uma estrela para comprimentos de onda menores do que 364 nanometros. Essa queda é provocada pela absorção do contínuo por átomos de Hidrogênio no nível n = 2. A descontinuidade de Balmer atinge um máximo para estrelas de tipo A0, na seqüência principal, e para estrelas de tipo F0 para supergigantes. Por outro lado, pode ser desprezada para estrelas mais quentes (tipos O e B) e mais frias (tipos G0 e os ainda mais frios). Na Figura 2.1 pode se observar a descontinuidade de Balmer em uma distribuição espectral de energia típica de uma estrela A0.

A partir destas considerações podemos concluir que o índice de cor na região central de uma galáxia, por exemplo, reflete o tipo espectral médio das estrelas que dominam a emissão de luz nessa região. Mais ainda, se existe uma variação no índice de cor ao longo de uma galáxia, então existe também uma variação na população estelar dominante ao longo desta galáxia, seja devido à idade média da população, à sua metalicidade, ou a ambos os efeitos. Portanto, a maioria das galáxias, que apresenta gradientes de cor negativos, com os índices de cor diminuindo sistematicamente do centro para a periferia, possui populações estelares bastante distintas entre as regiões centrais, dominadas pelo bojo, e as regiões periféricas, dominadas pelo disco. Por outro lado, a homogeneização das populações estelares ao longo de bojo e disco, promovida pelos processos de evolução secular, pode provocar a homogeneização dos índices de cor ao longo dessas duas componentes, de forma a atenuar os gradientes de cor negativos, tornando-os menos acentuados ou até mesmo nulos. Portanto, a observação de que uma galáxia possui um gradiente de cor nulo pode ser um forte indício de que esta galáxia sofreu os processos de evolução secular descritos na seção 1.1.3.



Footnotes

... luminosidade4
Esta relação é conhecida como a lei de Fechner dos estímulos.

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Dimitri Gadotti 2003-10-06