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3 Decomposição bojo/disco

A distribuição de luz em galáxias pode ser estudada através de perfis radiais de brilho superficial, em geral, em unidades de magnitudes por segundo de arco ao quadrado. Estes podem ser decompostos, para galáxias espirais, em 2 componentes: uma que se refere ao bojo, e outra correspondente ao disco. A função que mais se utiliza para descrever a componente disco do perfil de brilho superficial de uma galáxia espiral é uma função exponencial, também conhecida como perfil de King (ver Mihalas & Binney 1981). Esta função pode ser descrita como:
\begin{displaymath}
{\Sigma_{d}(r)} = {\Sigma_{0} e^{-r/h}},
\end{displaymath} (27)

em luminosidade (erg $s^{-1}$). Ou como:
\begin{displaymath}
{\mu_{d}(r)} = {\mu_{0} + 1.086r/h},
\end{displaymath} (28)

em magnitudes. Nas equações acima, $\Sigma_{d}(r)$ e $\mu_{d}(r)$ representam o brilho superficial do disco em função da distância ao centro $r$. $\Sigma_{0}$ e $\mu_{0}$ representam o brilho superficial central do disco, e $h$ é o raio característico do disco. Para a componente bojo, a função mais utilizada é aquela sugerida por de Vaucouleurs (ver Caon, Capaccioli & D'Onofrio 1993 e referências aí contidas), descrita como:
\begin{displaymath}
{\Sigma_{b}(r)} = {\Sigma_{e} 10^{-3.33[{(r/r_{e})}^{1/4}-1]}},
\end{displaymath} (29)

em luminosidade, ou:
\begin{displaymath}
{\mu_{b}(r)} = {\mu_{e} + 8.325 [{(r/r_{e})}^{1/4} - 1]},
\end{displaymath} (30)

em magnitudes. Enquanto $\Sigma_{b}(r)$ e $\mu_{b}(r)$ indicam o brilho superficial do bojo em função da distância galactocêntrica $r$, $r_{e}$ é o raio efetivo do bojo, i.e., aquele que contém metade da luminosidade total da galáxia. $\Sigma_{e}$ e $\mu_{e}$ representam o brilho superficial efetivo, i.e., aquele na distância galactocêntrica $r_{e}$. Embora a lei de de Vaucouleurs represente bem o perfil de brilho para galáxias elípticas, e também para alguns bojos, vários trabalhos mostraram que alguns bojos são melhor representados por um perfil puramente exponencial (e.g., de Jong 1996a). Nesse caso, torna-se interessante utilizar o perfil generalizado de de Vaucouleurs, proposto por Sérsic (Caon, Capaccioli & D'Onofrio 1993 e referências aí contidas). O perfil de Sérsic é descrito como:
\begin{displaymath}
{\Sigma_{b}(r)} = {\Sigma_{e} 10^{-b_{n}[{(r/r_{e})}^{1/n}-1]}},
\end{displaymath} (31)

em luminosidade, ou:
\begin{displaymath}
{\mu_{b}(r)} = {\mu_{e} + c_{n} [{(r/r_{e})}^{1/n} - 1]},
\end{displaymath} (32)

em magnitudes, onde $b_{n} = 0.868 n + 0.142$, e $c_{n} = 2.5 b_{n}$, com $n$ denominado por índice de Sérsic. No caso em que $n$ é igual a 4, temos a conhecida lei de de Vaucouleurs, enquanto que $n = 1$ nos fornece uma lei exponencial semelhante àquela utilizada para descrever discos. A inserção de mais um parâmetro livre para representar os perfis radiais de brilho superficial de galáxias espirais certamente produz melhores ajustes. Porém, uma motivação maior para se utilizar o perfil de Sérsic vem do fato de que o índice $n$ parece se correlacionar com alguns parâmetros fundamentais de galáxias, tais como a razão bojo/disco (Andredakis, Peletier & Balcells 1995). Como já foi mencionado, utilizamos um programa (de Souza 1997) para realizar a decomposição bojo/disco bi-dimensional nas 39 galáxias de nossa sub-amostra, adotando a equação 3.2 para a componente disco, e a equação 3.6 para a componente bojo. As imagens utilizadas por este programa são as imagens linearizadas do DSS, transformadas em uma matriz de dados, na qual cada posição (linha/coluna) representa um ``pixel'' da imagem, com o valor da intensidade no ``pixel'' correspondente. Entretanto, para que o programa possa executar corretamente a minimização dos erros durante a decomposição, é necessário multiplicar a imagem do DSS em intensidade (linearizada e normalizada pelo fundo de céu local) por uma constante, de modo a converter o ruído estatístico na imagem em um ruído de caráter Poissônico, tal como em uma observação direta. Assim, definindo $I_{s}$ como a intensidade do céu ($\approx 1$), e $\sigma_{s}$ o seu desvio padrão absoluto, precisamos multiplicar a imagem com valores em intensidade $I$ por uma constante $k$, obtendo então valores em contagens: $C = k I$. As contagens do céu seguirão a mesma expressão: $C_{s} = k I_{s}$, e o seu desvio padrão absoluto (i.e., o ruído na imagem), em contagens, é: ${\sigma _{cs}}^{2} = k^{2} {\sigma_{s}}^{2}$. Para que $\sigma _{cs}$ obedeça a estatística de Poisson, deve seguir a expressão: ${\sigma _{cs}}^{2} = C_{s}$. Portanto, temos:
\begin{displaymath}
{{\sigma _{cs}}^{2}} = {k^{2} {\sigma_{s}}^{2}} = {C_{s}} = {k I_{s}}.
\end{displaymath} (33)

Assim, podemos determinar $k$:
\begin{displaymath}
{k} = {{I_{s}} \over {{\sigma_{s}}^{2}}}.
\end{displaymath} (34)

O valor da intensidade do céu, $I_{s}$, o desvio padrão absoluto do céu, em intensidade, $\sigma_{s}$, bem como a constante $k$, são determinados separadamente para cada galáxia, através da tarefa IMSTATISTICS do pacote IRAF (``Image Reduction & Analysis Facility''). Esta tarefa foi aplicada em 5 regiões distintas de cada imagem, nas quais se observa, essencialmente, somente o fundo de céu. Os valores medianos de cada parâmetro foram adotados. Antes de executar o programa, ainda é necessário subtrair a contribuição do fundo de céu. Para tanto, simplesmente subtraímos da imagem a constante $C_{s} = k I_{s}$. Além disso, objetos que não fazem parte de nossa análise, tais como, estrelas e galáxias de fundo (bem como defeitos na imagem), são retirados da imagem, através da tarefa IMEDIT do IRAF. O programa contém vários parâmetros de entrada a serem fornecidos pelo usuário, entre eles: Com estes valores e a matriz de dados correspondente à imagem da galáxia, o programa procura ajustar os perfis de disco e bojo (i.e., as equações 3.2 e 3.6, respectivamente), variando não somente os parâmetros dos perfis, mas também os parâmetros geométricos (elipticidade e ângulo de posição). A variação destes parâmetros é controlada de modo a maximizar a qualidade do ajuste. No ajuste, considera-se que as isofotas dos bojos e discos são elipses perfeitas, e que o disco se extende até o centro da galáxia. Assumimos que não existem erros residuais relativos à subtração do céu, mas apenas um ruído de caráter Poissônico na matriz de dados. Quando a variação na qualidade do ajuste cai abaixo de um certo limite de convergência, o programa é interrompido, gerando os parâmetros a seguir: Desta forma, o programa é aplicado para cada galáxia cerca de 3 a 5 vezes, tipicamente. Isso porque é necessário variar os valores iniciais dos parâmetros de entrada, até encontrar o ajuste mais satisfatório. Isto decorre do caráter altamente não linear dos perfis de brilho, que, em alguns casos, gera soluções espúrias. Por exemplo, se existem barras ou braços espirais, a orientação do eixo maior da galáxia tende a sofrer variações muito bruscas, particularmente se esta está sendo vista de face. É comum encontrar na literatura decomposições bojo/disco que utilizam somente uma dimensão ao longo da imagem da galáxia, em geral ao longo do seu eixo-maior. De toda a informação contida na imagem completa da galáxia, extrai-se um valor característico para se construir um perfil que se ajuste em uma única direção. Este método tem a vantagem de aumentar a razão sinal/ruído, mas perde toda a informação presente na imagem da galáxia, relativa a componentes não-axissimétricas, como barras, por e-xemplo. O ajuste bi-dimensional de modelos a imagens de galáxias tem poucos exemplos na literatura (e.g., de Jong 1996a e referências aí contidas). Apesar de o modelo utilizado neste trabalho não incluir uma barra, a técnica utilizando um ajuste bi-dimensional é certamente mais confiável do que um método uni-dimensional, não somente para galáxias barradas, que correspondem a 85% das galáxias em nossa sub-amostra, mas para galáxias em geral. Com os parâmetros dos perfis ajustados, o programa constrói imagens artificiais da galáxia modelo, bem como do bojo e do disco separadamente. Em seguida, utilizando a tarefa ELLIPSE do IRAF, construímos os perfis de brilho da galáxia original, da galáxia modelo, do bojo e do disco, além dos perfis de elipticidade, ângulo de posição e do coeficiente de Fourier b4, para a galáxia original e para a galáxia modelo. O comportamento do coeficiente b4 indica o quanto as isofotas da galáxia são distintas de uma elipse perfeita. Um valor positivo para b4 indica isofotas com uma sub-componente ``disky'', enquanto que um valor negativo indica isofotas ``boxy''. Se b4 é igual a 0, então a isofota é uma elipse perfeita. Todo esse procedimento nos permite avaliar a qualidade do ajuste determinado pelo programa e ainda outros parâmetros estruturais da galáxia. Além disso, subtraímos da imagem original as imagens sintéticas, obtendo imagens residuais, com o objetivo de avaliar eventuais sub-estruturas. A Figura 3.1 exibe os resultados da decomposição bojo/disco para a galáxia NGC 488, como um exemplo. Nesta figura, temos, da esquerda para a direita e de cima para baixo: Para calibrar nossos dados, de modo a deixar nossos perfis compatíveis com as magnitudes observadas na literatura para as galáxias em nossa sub-amostra, utilizamos a tarefa IMEXAMINE do IRAF. Com a tarefa IMEXAMINE, calculamos a magnitude da galáxia, na imagem em contagens, em sete valores distintos de abertura, comparando os resultados com a magnitude V aparente publicada em LdV83,85 para as mesmas aberturas. A constante de calibração $C_{C}$ para cada galáxia é tomada como sendo a mediana das diferenças entre essas magnitudes, somada à constante de transformação para brilho superficial e subtraindo o termo de correção para a extinção Galáctica (ver seção 2.3.1), utilizando os mapas de Schlegel, Finkbeiner & Davis (1998). Assim,
\begin{displaymath}
{C_{C}} = {mag(LdV83,85) - mag({\sc imexamine}) + 5 \log_{10} (1.7) - 3.1 \times E(B-V)}.
\end{displaymath} (35)

Figure: Resultados da decomposição bojo/disco para a galáxia Sb(r) NGC 488. No alto está especificada a dimensão das imagens em segundos de arco. Para legendas, ver texto.
\begin{figure}
\epsfysize =22cm
\centerline{\epsfbox{N488.fim.ps}}
\end{figure}

Muita informação pode ser extraída da Fig. 3.1. Em relação às imagens, vê-se prontamente que o bojo é dominante nessa galáxia. De fato, NGC 488 apresenta a maior razão entre as luminosidades de bojo e disco (igual a 3.1) entre as galáxias de nossa sub-amostra. Também se verifica que os braços espirais são mais aparentes nas imagens residuais, o que é esperado, já que os braços não são ajustados no modelo. Os perfis mostram que o ajuste alcançado é muito bom, e que o bojo segue um perfil puramente exponencial, semelhante ao disco.
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Dimitri Gadotti 2003-10-06