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3 Condições iniciais e unidades

Grande parte do sucesso de um experimento numérico decorre do correto estabelecimento das condições iniciais do problema. Em geral, os códigos se utilizam de unidades viriais, que facilitam a confecção do algoritmo. Nestas unidades, $G=M=-4E=1$, onde $M$ e $E$ são, respectivamente, a massa total e a energia total do sistema. Nestas unidades, as novas unidades físicas são, para massa, comprimento e tempo, respectivamente:


$\displaystyle [m]=M,$      
       
$\displaystyle {[l]}={-\frac{GM^2}{4E}},$     (83)
       
$\displaystyle {[t]}={\frac{GM^{5/2}}{(-4E)^{3/2}}}.$      

Veremos adiante que as nossas simulações utilizam um código hierárquico, com discos exponenciais e esferas de Plummer. No caso do disco exponencial, a energia total do sistema é dada por (BT87):


\begin{displaymath}
E=-5.8G\Sigma_0^2R_d^3,
\end{displaymath} (84)

onde $R_d$ é o raio característico do disco e $\Sigma_0 =M/(2\pi R_d^2)$ é a densidade superficial central do disco. Assim, tomando, por exemplo, $M=6\times 10^{10}$ M$_\odot$ e $R_d=3.5$ Kpc, valores representativos para o disco da Galáxia, temos:


$\displaystyle {[m]}={6\times 10^{10} \,\mathrm{ M}_\odot},$      
$\displaystyle {[l]}={5926 \,\mathrm{ pc}},$     (85)
$\displaystyle {[t]}={2.8 \times 10^7 \,\mathrm{ anos}}.$      

É fácil verificar que, então, as unidades para velocidade e velocidade angular são, respectivamente, 207 Km/s e 35 Km s$^{-1}$ Kpc$^{-1}$.

Para a esfera de Plummer (Aarseth, Hénon & Wielen 1974),


\begin{displaymath}
E=-\frac{3\pi}{64}\frac{GM^2}{R_P},
\end{displaymath} (86)

onde $R_P$ é o raio característico da esfera. Se $M=1.2\times 10^{11}$ M$_\odot$ e $R_P=2$ Kpc, valores típicos para os bojos de galáxias lenticulares (ver adiante), teremos:


$\displaystyle {[m]}={1.2\times 10^{11} \,\mathrm{ M}_\odot},$      
$\displaystyle {[l]}={3395 \,\mathrm{ pc}},$     (87)
$\displaystyle {[t]}={8.5 \times 10^6 \,\mathrm{ anos}}.$      

O raio efetivo (i.e., aquele que contém metade da massa) na esfera de Plummer é igual a 1.31$R_P$ (Evstigneeva, Reshetnikov & Sotnikova 2002). Note que utilizamos a Eq. (3.56) para definir as unidades apenas nas simulações em que não há uma esfera de Plummer. No restante das simulações, as unidades foram estabelecidas através das propriedades da esfera de Plummer.

Durante a evolução do sistema, o passo de tempo a ser utilizado deve ser tal que haja muitos passos por tempo de cruzamento, de modo a maximizar a precisão dos resultados. Em nossas simulações, utilizamos um passo de tempo fixo tipicamente igual a $2\times10^5$ anos, o que dá cerca de 10$^3$ passos por $t_{cr}$ para as galáxias que estaremos simulando. O parâmetro de suavização sugerido por Merritt (1996) para $N=10^5$, que é o número de partículas que comumente utilizamos em nossas simulações, está na faixa de 0.01 a 0.05. Tipicamente, adotamos um valor para o parâmetro de suavização de 0.05. Porém, este valor foi algumas vezes modificado para 0.08, 0.1, 0.25 e 0.5, de forma a podermos avaliar o impacto da suavização nos resultados das simulações (isto será discutido adiante). Em geral, nas simulações de galáxias, $\epsilon$ varia também nesta faixa de valores. Note que, fisicamente, isto implica em um valor para o parâmetro de suavização de algumas centenas de parsecs. O ângulo de abertura que utilizamos foi $\theta=0.7$, que é o que melhor atinge o compromisso entre precisão e tempo de cálculo, e é também tipicamente utilizado por outros pesquisadores.

Nas simulações que serão apresentadas nas próximas seções, utilizamos uma esfera de Plummer para descrever o bojo, que segue a seguinte expressão para a densidade de massa $\rho$ em função da distância galactocêntrica $r$:


\begin{displaymath}
\rho_P(r)=\frac{3M_b}{4\pi R_P^3}\left(1+\frac{r^2}{R_P^2}\right)^{-5/2},
\end{displaymath} (88)

o que corresponde a um potencial (ver, e.g., BT87)


\begin{displaymath}
\Phi_P=-\frac{GM_b}{\sqrt{r^2+R_P^2}},
\end{displaymath} (89)

onde $M_b$ é a massa total do bojo.

O disco é descrito por um perfil exponencial (Freeman 1970, 1978; van de Kruit & Searle 1981):


\begin{displaymath}
\rho_d(r,z)=\frac{M_d}{4\pi R_d^2 z_0}e^{-r/R_d}{\rm sech}^2(z/z_0),
\end{displaymath} (90)

cujo potencial corresponde a (em uma aproximação para disco fino)


\begin{displaymath}
\Phi_d(r,z)=-GM_d\int_0^\infty\frac{J_0(kr)e^{-k\vert z\vert}}{[1+(kR_d)^2]^{\frac{3}{2}}}{\rm d}k,
\end{displaymath} (91)

onde $J_0$ é a função de Bessel cilíndrica de ordem 0, $k$ é uma constante, $M_d$ é a massa do disco, e $z_0$ é a sua escala de altura. Desta forma, o disco é isotérmico com escala de altura constante. Neste caso, o parâmetro $Q$ de Toomre, que estabelece se disco é instável à formação de uma barra, fica definido pela Eq. (1.1) e é, portanto, proporcional à dispersão de velocidades das estrelas na direção radial, $\sigma_r$. Esta, por sua vez, fica definida pela dispersão na direção vertical $\sigma_z$, já que temos $\sigma_r=2\sigma_z$. E, finalmente, é a escala de altura do disco que define $\sigma_z$, através da relação $\sigma_z\propto\sqrt{\pi\Sigma z_0}$, onde $\Sigma$ é a densidade superficial projetada de massa do disco (ver, e.g., van der Kruit 2002). Assim, em última instância, $Q$ é determinado por $z_0$, e varia ao longo do raio do disco. Além disso, a dispersão na direção azimutal é dada por $\sigma_\varphi\propto\frac{1}{2}\sigma_r\kappa\Omega^{-1}$, onde $\kappa $ é a freqüência de epiciclo e $\Omega $ é a velocidade angular de rotação das estrelas (e.g., Teuben 1995).

Entretanto, veremos que é possível inicializar os experimentos numéricos atribuindo um valor fixo para $Q$. Desta forma, o caminho é inverso, e $\sigma_r$ fica definido por $Q$, e estabelece $\sigma_\varphi$, $\sigma_z$ e $z_0$. Alguns dos experimentos foram realizados desta forma, de modo a forçar a instabilidade de barra, que, de outro modo, não ocorre em discos construídos com a finalidade de reproduzir os discos observados em galáxias lenticulares. Mais detalhes acerca deste aspecto serão discutidos adiante, mas note que, assim, o disco deixa de ser isotérmico e com $z_0$ constante (Teuben 1995). O fato de o disco ser isotérmico significa que $\sigma_z$ é independente de $z$ (ver van der Kruit 1981).

Na maior parte dos experimentos realizados (em particular, todos aqueles na Tab. 3.1), foi feita uma correção no disco para o fluxo assimétrico (``asymmetric drift''; ver BT87; BM98). Isto permite representar mais adequadamente o comportamento cinemáti-co das estrelas em um disco real. O fluxo assimétrico é a tendência observada de que estrelas com valores mais elevados na dispersão de velocidades têm um valor reduzido para a velocidade circular de rotação, $v_c$, que é a velocidade que uma dada estrela teria se assumirmos que sua órbita é perfeitamente circular. Ninkovic (1992) mostra que o fluxo assimétrico pode ser parametrizado como


\begin{displaymath}
\gamma(r)=\frac{\frac{\partial^2\Phi_d}{\partial r^2}(r)}{\omega_c^2(r)}=\frac{3A+B}{A-B},
\end{displaymath} (92)

onde $\omega_c^2$ é a velocidade circular angular, e $A$ e $B$ são as constantes de Oort, dadas por


\begin{displaymath}
A\equiv\frac{1}{2}\left(\frac{v_c}{r}-\frac{{\rm d}v_c}{{\rm d}r}\right)
\end{displaymath} (93)

e


\begin{displaymath}
B\equiv-\frac{1}{2}\left(\frac{v_c}{r}+\frac{{\rm d}v_c}{{\rm d}r}\right).
\end{displaymath} (94)

Observações na vizinhança solar20indicam que $\gamma\simeq 1$ (ver também Mihalas & Binney 1981; Dehnen & Binney 1998). Esta correção pode parecer, à primeira vista, preciosista. Entretanto, dado que a dispersão de velocidades é um parâmetro físico fundamental no que se refere à formação e evolução de barras, é de extrema importância neste estudo.

Para descrever o halo de matéria escura em nossas simulações, não utilizamos partículas, mas apenas um potencial fixo. Portanto, o halo em nossos experimentos é rígido, e segue um potencial logarítmico, dado por


\begin{displaymath}
\Phi_L(r,z)=\frac{1}{2}v_0^2\ln\left(R_c^2+r^2+\frac{z^2}{q^2}\right),
\end{displaymath} (95)

cuja distribuição de densidade correspondente é dada por


\begin{displaymath}
\rho_L(r,z)=\left(\frac{v_0^2}{4\pi Gq^2}\right)\frac{(2q^2+1)R_c^2+r^2+2(1-\frac{1}{2}q^{-2})z^2}{(R_c^2+r^2+z^2q^{-2})^2},
\end{displaymath} (96)

onde $v_0$ é a velocidade assimptótica na curva de rotação da galáxia simulada, devido à presença do halo, $R_c$ é o raio do caroço central do halo, no qual a variação de densidade é reduzida, e $q$ é a asfericidade na direção vertical ($q=c/a$, onde $a$, $b$ e $c$ são os semi-eixos do halo, com $a\geq b\geq c$). Note que também é possível impôr a condição de que $a\neq b$, i.e., o halo pode não ser circular também no plano do disco da galáxia. Assim, o halo pode ser esférico ($a=b=c$), prolato ($a>b=c$), oblato ($a=b>c$) ou triaxial ($a>b>c$). A massa contida no caroço do halo é dada por $M_c=(1/2)R_cv_0^2$, já em unidade viriais.



Footnotes

... solar20
A determinação de certos parâmetros estruturais em galáxias é difícil e fadada a erros severos, exceto na Via Láctea. Desta forma, por vezes é necessário nos basear em valores para a Galáxia, mesmo se o sistema a ser representado nos experimentos for distinto.

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Dimitri Gadotti 2004-02-03