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4 Formação e evolução de barras em discos estelares

A realização dos experimentos numéricos desta seção teve o intuito de verificar as condições para a formação de barras em discos de galáxias, além de estimar parâmetros físicos relacionados à formação e evolução destas barras. Com estes experimentos, pode-se avaliar, por exemplo, as escalas de tempo para a formação e o espessamento vertical das barras, bem como verificar quantitativamente o aumento na dispersão de velocidades na direção vertical, $\sigma_z$, que ocorre durante a evolução da barra. Outros aspectos interessantes deste problema, que podem ser agora abordados, são a evolução do comprimento $L_B$ da barra e a sua velocidade angular $\Omega_B$. Os valores destes e de outros parâmetros podem ser comparados com as observações nos Capítulos 2 e 4.

Para realizar estas simulações $N$-corpos, utilizamos o pacote NEMO (Teuben 1995; ver http://bima.astro.umd.edu/nemo/) e as condições iniciais expostas na seção anterior. O código de cálculo de forças é baseado em um algoritmo hierárquico intensamente utilizado na literatura (Barnes & Hut 1986).

Os discos das galáxias foram construídos através da tarefa MKEXPDISK, e os bojos através da tarefa MKPLUMMER. A soma destas componentes se dá via a tarefa SNAPSTACK, que compõe o sistema inicial completo. Nas simulações em que não há um halo de matéria escura, a tarefa HACKCODE1 foi utilizada para a evolução do sistema; a introdução de um halo escuro rígido, descrito pelo potencial LOG, foi realizada com a tarefa HACKCODE3.

Como nossos objetivos incluem também avaliar diferenças na evolução das propriedades de barras em galáxias de tipos morfológicos distintos, realizamos uma extensa pesquisa na literatura em busca dos parâmetros necessários para melhor descrever estes sistemas. Em primeiro lugar, Roberts & Haynes (1994) mostram que valores característicos para a massa total e raio de galáxias (na isofota de 25 $B$ mag arcsec$^{-2}$), com tipos morfológicos desde S0's até Sc's, é, respectivamente, da ordem de $10^{11}$ M$_\odot$ e 10 a 20 Kpc. Isto sem uma variação sistemática muito significativa ao longo destas classes morfológicas, principalmente considerando o amplo espalhamento destes parâmetros em cada classe. Por outro lado, a razão entre as luminosidades de bojo e disco variam sistematicamente: tipicamente 1.85 para S0's, 1 para Sa's, 1/3 para Sb's, e apenas 0.18 para Sc's (BM98). Além disso, a massa do disco da Galáxia é estimada em $6\times 10^{10}$ M$_\odot$, o que nos permite assumir uma massa para o bojo da Via Láctea de aproximadamente $1.5\times 10^{10}$ M$_\odot$, se assumimos uma razão massa/luminosidade da ordem de 5 M $_\odot/{\rm L}_\odot$ na banda $V$, e que o tipo morfológico da Galáxia é Sbc (ver BT87). Com estes dados podemos estabelecer valores característicos para a massa dos bojos e discos em nossas simulações, bem como a dimensão (semi-eixo maior) dos discos das galáxias.

Porém, ainda é necessário estabelecer muitos outros parâmetros. Vejamos quais são os valores típicos para as escalas de comprimento. Para o disco da Galáxia, $R_d$ vale 3.5$\pm$0.5 Kpc (BT87). Através da análise estrutural de galáxias com imagens na banda $K$, de Jong (1996c) encontra valores para $R_d$ de 2 a 5 Kpc, enquanto Kent (1985) encontra valores de 1 a 10 Kpc em uma análise semelhante na banda $R$. Para o raio efetivo dos bojos, os valores determinados por de Jong são tipicamente de 0.2 a 0.7 Kpc, e os de Kent 0.5 a 5 Kpc. Note que encontramos valores semelhantes na análise estrutural do Capítulo 4 (ver também Apêndice A). Também é importante notar que o espalhamento destes parâmetros é, da mesma forma como para outros parâmetros, bastante elevado, e que não há uma variação sistemática bem definida ao longo das diferentes classes morfológicas, desde S0's a Sc's. A escala de altura dos discos pode ser baseada também nos valores para a Via Láctea. Para estrelas jovens, de tipo espectral O a B, $z_0$ vale cerca de 200 pc, enquanto que, para estrelas de tipo G, $z_0$ é igual a cerca de 700 pc (Bahcall & Soneira 1980; BT87). A dimensão (semi-eixo maior) dos bojos é estimada em aproximadamente 5 Kpc para S0's, 4 Kpc para Sa's, e 1 a 2 Kpc para Sc's (BM98).

Com relação aos parâmetros dos halos, sabemos que a velocidade assimptótica de rotação nos discos de galáxias tem valores típicos da ordem de 300 Km/s em S0's a 200 Km/s em Sc's (Rubin et al. 1985; Persic & Salucci 1995; ver também Fig. 1.5). Além disso, Begeman, Broeils & Sanders (1991) estimam valores para o raio do caroço, $R_c$, entre 2 a 10 Kpc.

Com este levantamento dos parâmetros estruturais observados para as componentes bojo, disco e halo de galáxias, pudemos estabelecer adequadamente as condições iniciais para os experimentos que representam galáxias de classe morfológica desde S0/a a Sbc. Na Tab. 3.1, exibimos os parâmetros que definem as condições iniciais do sistema para uma seleção dos experimentos realizados mais relevantes. Note que uma longa série inicial de experimentos foi realizada com o intuito de identificar os detalhes envolvidos na preparação destes, bem como conhecer melhor o próprio pacote NEMO. As simulações têm duração tipicamente de 2 a 3 Gano, o que consumiu, em média, cerca de 140 horas de tempo de processamento por experimento. Foi utilizado um PC com processador Pentium de 1 GHz e 1 Gbyte de memória.

A variação da energia total ao fim dos experimentos foi tipicamente da ordem de 0.3%, com variações similares na posição do centro de massa, de forma que isso mostra que o passo de tempo e o ângulo de abertura foram bem estabelecidos e os resultados são robustos.


Tabela 3.1: Os parâmetros que definem o bojo, o disco e o halo nas principais simulações realizadas.
Exp. $M_b$ $R_P$ $a_b$ $M_d$ $R_d$ $z_0$ $a_d$ $R_c$ $v_0$ $M_c$ $Q$ $\epsilon$
(1) (2) (3) (4) (5) (6) (7) (8) (9) (10) (11) (12) (13)
9 1.5 $\times 10^{10}$ 0.38 2 6 $\times 10^{10}$ 3.5 350 10 8 220 4.4 $\times 10^{10}$ ... 0.05
10 1.5 $\times 10^{10}$ 0.38 2 6 $\times 10^{10}$ 3.5 200 10 8 220 4.4 $\times 10^{10}$ ... 0.05
11 1.5 $\times 10^{10}$ 0.38 2 6 $\times 10^{10}$ 3.5 350 10 ... ... ... ... 0.05
12 1.5 $\times 10^{10}$ 0.38 2 6 $\times 10^{10}$ 3.5 200 10 ... ... ... ... 0.05
13 ... ... ... 6 $\times 10^{10}$ 3.5 350 10 ... ... ... ... 0.05
14 ... ... ... 6 $\times 10^{10}$ 3.5 450 10 ... ... ... ... 0.05
15 1.5 $\times 10^{10}$ 0.38 2 6 $\times 10^{10}$ 3.5 200 10 8 220 4.4 $\times 10^{10}$ 0.5 0.05
16 1.5 $\times 10^{10}$ 0.38 2 6 $\times 10^{10}$ 3.5 450 10 8 220 4.4 $\times 10^{10}$ 0.5 0.05
17 1.5 $\times 10^{10}$ 0.38 2 6 $\times 10^{10}$ 3.5 450 10 8 220 4.4 $\times 10^{10}$ 0.1 0.05
18 1.5 $\times 10^{10}$ 0.38 2 6 $\times 10^{10}$ 3.5 350 10 8 220 4.4 $\times 10^{10}$ 0.5 0.05
19 1.5 $\times 10^{10}$ 0.38 2 6 $\times 10^{10}$ 3.5 350 10 8 220 4.4 $\times 10^{10}$ 0.1 0.05
20 1.5 $\times 10^{10}$ 0.38 2 6 $\times 10^{10}$ 3.5 450 10 ... ... ... 0.1 0.05
21 1.5 $\times 10^{10}$ 0.38 2 6 $\times 10^{10}$ 3.5 450 10 ... ... ... 0.5 0.05
22 ... ... ... 6 $\times 10^{10}$ 3.5 450 10 ... ... ... 0.5 0.05
23 1.5 $\times 10^{10}$ 0.38 2 6 $\times 10^{10}$ 5 450 13 8 220 4.4 $\times 10^{10}$ 0.1 0.05
24 1.5 $\times 10^{10}$ 0.38 2 6 $\times 10^{10}$ 3.5 450 10 8 220 4.4 $\times 10^{10}$ 0.25 0.05
25 1.5 $\times 10^{10}$ 0.38 2 6 $\times 10^{10}$ 3.5 450 10 8 220 4.4 $\times 10^{10}$ 0.25 0.25
26 1.5 $\times 10^{10}$ 0.38 2 6 $\times 10^{10}$ 3.5 450 10 8 220 4.4 $\times 10^{10}$ 0.25 0.5
27 5$\times 10^{9}$ 0.38 1 1 $\times 10^{11}$ 3.5 450 12 8 220 4.4 $\times 10^{10}$ 0.25 0.25
28 5$\times 10^{9}$ 0.76 3 1 $\times 10^{11}$ 3.5 450 12 8 220 4.4 $\times 10^{10}$ 0.25 0.25
30 1.5 $\times 10^{11}$ 2.29 5 1 $\times 10^{11}$ 6 450 12 8 300 8 $\times 10^{10}$ 0.25 0.08
33 1 $\times 10^{11}$ 1.53 4 2 $\times 10^{11}$ 4 450 12 8 280 7 $\times 10^{10}$ 0.25 0.25
34 1.5 $\times 10^{11}$ 2.29 5 1 $\times 10^{11}$ 6 450 12 8 300 8 $\times 10^{10}$ 0.25 0.25
Notas: para cada experimento realizado, numerado na coluna (1), as colunas (2) a (4) se referem ao bojo, e as colunas (5) a (8) ao disco. $a_b$ é o semi-eixo maior do bojo e $a_d$ o do disco. As colunas (9) a (11) se referem ao halo. Os demais parâmetros foram definidos na Seção 3.3.3. A unidade nas colunas (2), (5) e (11) é M$_\odot$; nas colunas (3), (4), (6), (8) e (9) Kpc; e nas colunas (7) e (10) pc e Km/s, respectivamente. Além disso, a coluna (12) ainda explicita o parâmetro de Toomre quando este foi fixo a priori, e a coluna (13) expõe o parâmetro de suavização aplicado durante a evolução de cada experimento.

Inspecionando a Tab 3.1, nota-se que as propriedades dos sistemas investigados fazem com que as simulações de números 9 a 26 sejam representativas de galáxias com tipo morfológico Sbc (exceto, evidentemente, aqueles experimentos que foram realizados sem bojo e/ou halo, com o intuito de verificar a influência destas componentes na estabilidade do disco). Os experimentos no(s). 27 e 28 são representativos de galáxias de tipo Scd; o experimento no. 33 se refere a uma galáxia de tipo Sab, e os de no(s). 30 e 34 a uma S0/a.

Vejamos, agora, os resultados mais relevantes que pudemos obter a partir destes experimentos. Antes de tudo, através de simulações que incluem apenas um disco, como as de no(s). 13 e 14, por exemplo, verificamos que, se o valor para $z_0$ é da ordem de apenas 200 pc, ocorre a fragmentação do disco. Isto porque, como vimos, o valor para o parâmetro de Toomre $Q$ depende da escala de altura do disco. Este resultado mostra que quando esta escala é da ordem de 200 pc, ou menor, instabilidades locais dominam o disco, e este se fragmenta em condensações individuais (Fig. 3.2). Note que isto ocorre rapidamente, em escalas de tempo menores do que a escala de tempo dinâmica21do sistema, que é da ordem de 10$^8$ anos. Nestes sistemas de discos puros e com baixas escalas de altura (i.e, excessivamente finos), também verificamos que, para algumas das condensações individuais, a dispersão de velocidades vertical, $\sigma_z$, alcança valores muito elevados e não realísticos. De fato, estas condensações acabam por separar-se do disco e se dissolvem. Este fenômeno parece estar relacionado com o efeito ``hose'' (ver, e.g., Seção 1.2), já que este efeito é favorecido para valores iniciais pequenos de $\sigma_z$ e, portanto, $z_0$.

Figura 3.2: A evolução de um disco puro em que as instabilidades locais dominam e causam a fragmentação do disco. O painel da esquerda mostra o sistema em $t=0$, o intermediário em $t=2.8\times 10^8$ anos, e o da direita em $t=5.6\times 10^8$ anos. A unidade de comprimento é 650 pc. Apenas 1/3 das 100 mil partículas utilizadas nesta simulação (a de no. 22) estão exibidas.
\begin{figure}\epsfxsize =16cm
\centerline{\epsfbox{frag.ps}}\end{figure}

Figura 3.3: A evolução de um sistema com disco excessivamente fino dá origem a distorções não realísticas, mesmo com a presença do bojo. O painel da esquerda mostra o sistema em $t=0$, o intermediário em $t=6.8\times 10^8$ anos, e o da direita em $t=1.36\times 10^9$ anos. A unidade de comprimento é 650 pc. Apenas 1/3 das 125 mil partículas utilizadas nesta simulação (a de no. 11) estão exibidas.
\begin{figure}\epsfxsize =16cm
\centerline{\epsfbox{warp.ps}}\end{figure}

Por outro lado, valores para $z_0$ a partir de 350 pc já estabilizam o disco puro com relação a estas instabilidades locais (experimentos no(s). 13 e 14). Entretanto, isto só é verdadeiro para os discos isotérmicos, que, com os parâmetros escolhidos nos experimentos 13 e 14, têm valores para $Q$ maiores do que 1. O experimento no. 22 é idêntico ao 14, exceto pelo fato de que tem um valor para $Q$ fixo em 0.5. Neste experimento, as instabilidades locais se manifestam novamente. Verificamos também que a presença de um bojo estabiliza o disco com relação às instabilidades locais, mesmo com escalas de altura tão pequenas quanto 200 pc (experimento no. 12), e mesmo sem a presença do halo. Neste caso, porém, o disco ainda sofre de um efeito ``hose'' exacerbado, e a sua evolução o leva a um estado em que a sua espessura atinge valores não realísticos (Fig. 3.3), além de ocorrerem distorções (``warps'') e oscilações verticais no disco. Isto ocorre também nos experimentos 11 e 13, ou seja, até $z_0=350$ pc e com ou sem bojo. Também é interessante que este efeito é expressivo, em geral, apenas após mais de 1 Gano, e tanto mais rápido quanto mais instável o disco for, o que podemos avaliar pela sua escala de altura e pela presença ou ausência do bojo. Somente para $z_0=450$ pc o disco puro é estável tanto às instabilidades locais quanto a um efeito ``hose'' exagerado (experimento no. 14). Ao adicionarmos um halo nestes casos, porém (experimentos 9 e 10), seu efeito estabilizador se manifesta, e o disco assume um comportamento mais realístico, ou seja, sua estrutura vertical ganha importância durante sua evolução, mas ainda permanece fina como os discos observados em galáxias vistas de perfil.

Figura 3.4: A formação do padrão ``grand design'' na evolução de um disco puro (exponencial e isotérmico) visto de face. O primeiro quadro no alto à esquerda mostra o instante inicial do experimento, enquanto o último, embaixo e à direita, se refere a $t=1.9$ Gano. O intervalo de tempo entre cada quadro é de 8 $\times 10^7$ anos, e a dimensão física do quadro é de 16 Kpc. Apenas 10% das 100 mil partículas utilizadas nesta simulação (no. 14) estão exibidas.
\begin{figure}\epsfxsize =16cm
\centerline{\epsfbox{dpface.ps}}\vskip -1.5cm \end{figure}

Figura 3.5: O mesmo que na Fig. 3.4, porém para o disco visto de perfil.
\begin{figure}\epsfxsize =16cm
\centerline{\epsfbox{dpperfil.ps}}\vskip -1.5cm \end{figure}

É interessante, portanto, que a presença de um bojo adiciona estabilidade ao disco, e que isso se dá de forma ainda mais significativa com a presença do halo. Além disso, as variações na energia total e na posição do centro de massa durante as simulações tendem a diminuir com o aumento da estabilidade do disco.

Vejamos qual é o comportamento dos sistemas simulados com relação à instabilidade de barra. Na Fig. 3.4, que se refere ao experimento no. 14, vemos que um disco puro (exponencial e isotérmico) é instável à formação de barra, conforme o esperado. A barra se forma em cerca de $6 \times 10^8$ anos e induz a formação de braços espirais proeminentes no conhecido padrão ``grand design''. Este é um exemplo típico da formação de braços via barra. A barra se enfraquece após cerca de $5 \times 10^8$ anos, mas ainda permanece por um período de tempo similar, dando lugar a uma distorção oval, que persiste até o fim do experimento, em 2 Gano. Note que o período de rotação da barra é substancialmente maior que o período orbital das estrelas, e que os braços desaparecem com o enfraquecimento da barra. A Fig. 3.5 se refere ao mesmo experimento, porém exibe a evolução do sistema como seria visto de perfil. Pode-se notar claramente o aquecimento vertical do disco, e como o enfraquecimento da barra dá origem a uma estrutura similar a um bojo. Estes resultados corroboram aqueles divulgados por outros autores, e discutidos na Seção 1.2.

Entretanto, ao adicionarmos ao experimento bojo e halo, de forma a termos uma simulação mais realística, no sentido de reproduzir as características observadas em galáxias, nos encontramos face ao problema mais relevante enfrentado pelo mecanismo de instabilidade de barra: a dificuldade em formar uma barra em sistemas de disco que contêm uma alta concentração central de massa (ver Seção 1.2). As Fig(s). 3.6 e 3.7 mostram como se dá a evolução de um sistema completo (o experimento no. 9), que contém um disco que, isolado, é instável à formação da barra, de maneira similar ao exibido nas Fig(s). 3.4 e 3.5. Com a influência estabilizadora de bojo e halo, o disco torna-se estável e a barra não se desenvolve. Note que constatamos, através de experimentos como o de no. 11, que apenas a presença do bojo já é suficiente para inibir a formação de barra.

Figura 3.6: A evolução de um sistema completo (bojo + disco + halo), que contém um disco que, isolado, é instável à formação de barra, não desenvolve uma, devido à influência estabilizadora de bojo e halo. O primeiro quadro no alto à esquerda mostra o instante inicial do experimento, enquanto o último, embaixo e à direita, se refere a $t=1.8$ Gano. A dimensão física do quadro é de 16 Kpc. Apenas 10% das 125 mil partículas utilizadas nesta simulação (a de no. 9) estão exibidas.
\begin{figure}\epsfxsize =16cm
\centerline{\epsfbox{dbface.ps}}\vskip -1cm \end{figure}

Figura 3.7: O mesmo que na Fig. 3.6, porém para o sistema visto de perfil.
\begin{figure}\epsfxsize =16cm
\centerline{\epsfbox{dbperfil.ps}}\vskip -1cm \end{figure}

Verificamos que, para incentivar a formação de uma barra em sistemas completos, com bojo, disco e halo, podemos forçar um parâmetro $Q$ de Toomre menor do que 1. No entanto, isto modifica as propriedades dinâmicas do disco, como discutido acima. Na Fig(s). 3.8 e 3.9, exibimos a evolução do experimento no. 18, que é idêntico ao experimento no. 9 (exibido nas Fig(s). 3.6 e 3.7), exceto pelo fato de que tem $Q=0.5$. Vemos que o sistema desenvolve uma barra que é, porém, menor e menos excêntrica (portanto, mais fraca) que aquela que surge em discos puros e dá origem ao padrão ``grand design''. De fato, neste experimento não vemos a formação conjunta de braços espirais. A barra se forma em cerca de $1.6 \times 10^8$ anos, mais rapidamente que no disco puro; ela se enfraquece gradual e lentamente, até a sua completa dissolução após cerca de 1.2 Gano. É interessante que, visto de perfil, este sistema apresenta claramente a morfologia ``boxy-peanut''. Trataremos deste tema em detalhes mais adiante.

Figura 3.8: A evolução de um sistema completo em que o disco é forçado a ter um parâmetro de Toomre $Q=0.5$ (experimento no. 18), de forma a incentivar a formação da barra, mesmo diante do aumento da estabilidade provocado pelas presenças de bojo e halo. Uma barra transiente se desenvolve rapidamente, porém mais enfraquecida que no caso de disco puro. O primeiro quadro no alto à esquerda mostra o instante inicial do experimento, enquanto o último, embaixo e à direita, se refere a $t=1.9$ Gano. O intervalo de tempo entre cada quadro é de $8 \times 10^7$ anos. A dimensão física do quadro é de 10 Kpc, e somente mostramos 10% das partículas.
\begin{figure}\epsfxsize =16cm
\centerline{\epsfbox{lqface.ps}}\end{figure}

Figura 3.9: O mesmo que na Fig. 3.8, porém para o sistema visto de perfil. Note a morfologia ``boxy-peanut'' nos estágios iniciais da evolução da barra.
\begin{figure}\epsfxsize =16cm
\centerline{\epsfbox{lqperfil.ps}}\end{figure}

Na Fig. 3.10, podemos verificar quais são as modificações nas propriedades dinâmi-cas do disco ao forçarmos um valor fixo para $Q$. Verificamos que a curva de rotação, a distribuição de massa, bem como $\Omega $ e $\kappa $ não se alteram. Evidentemente, a mudança mais brutal se refere à dispersão de velocidades. O valor máximo para $\sigma_r$, que é cerca de 60 Km/s no centro do disco isotérmico e com $z_0$ constante, cai para cerca de 20 Km/s. O perfil radial da dispersão de velocidades também é alterado, e não tem mais o seu valor máximo no centro. O perfil radial de $Q$ também é alterado; por outro lado, as razões $\sigma_\varphi/\sigma_r$ e $\sigma _z/\sigma _r$ permanecem as mesmas. Estas modificações fazem com que a introdução de um valor fixo para $Q$ pareça não ser justificável, principalmente devido ao valor excessivamente baixo para a dispersão de velocidades, que não é condizente com o observado. Vimos na Seção 2.4 que o valor de $\sigma_r$ na vizinhança solar é cerca de 30 Km/s. Para o disco isotérmico e com $z_0$ constante do experimento 9, o valor de $\sigma_r$ é de 20 Km/s em cerca de 8 Kpc do centro. Porém, para o disco com $Q=0.5$ fixo do experimento 18, o valor de $\sigma_r$ é de apenas cerca de 10 Km/s. Evidentemente, pode-se sugerir, por outro lado, que a dispersão de velocidades nos discos de galáxias barradas é de fato substancialmente menor do que na Galáxia. Isto poderia contornar o problema da formação de barras via a instabilidade de disco em galáxias com baixas razões bojo/disco, porém não parece ser compatível com as observações (ver Fig. 1.7) de que os valores para a dispersão de velocidades nos discos estão na ordem de pelo menos 50 Km/s a cerca de 3 a 4 Kpc do centro.

Note que fixar um valor para $Q$ menor do que 1 foi a única forma que encontramos para desenvolver uma barra em sistemas com bojo e halo, mesmo para aqueles com bojos ainda menos proeminentes, que se referem a galáxias com tipo morfológico Scd, mantendo o valor de 0.05 para o parâmetro de suavização $\epsilon$, seguindo os valores sugeridos por Merritt (1996; ver Seção 3.3.2). De fato, para galáxias com bojos mais relevantes, nossos experimentos mostram que só é possível formar uma barra se, além de fixar $Q$, aumentarmos o parâmetro de suavização para cerca de 0.25, o que é significativamente maior do que o valor ótimo (ver Seção 3.3.2). O valor ótimo para $\epsilon$ de 0.05 nas simulações em que o utilizamos equivale a cerca de 30 pc. Para o desenvolvimento de uma barra nas simulações de galáxias com bojos proeminentes (ver adiante), o valor de 0.25 para o parâmetro de suavização utilizado equivale a quase 1000 pc!

Figura 3.10: O comportamento dos perfis radiais da dispersões de velocidades e do parâmetro $Q$ de Toomre no disco isotérmico e com $z_0$ constante do experimento no. 9 (à esquerda), e no disco com $Q$ fixo em 0.5 do experimento no. 18 (à direita). Note que $\sigma _t\equiv \sigma _\varphi $ é a dispersão de velocidades na direção tangencial ao disco, e que as escalas do eixos verticais são distintas. Note ainda que à direita os perfis de $Q$ e de $\sigma _z/\sigma _r$ são sobrepostos.
\begin{figure}\epsfxsize =8cm
\centerline{\epsfbox{disk5.ps}\epsfxsize=8cm \epsfbox{disk11.ps}}\end{figure}

Apesar de todos estes problemas é muito comum encontrarmos na literatura (Seção 1.2) experimentos que se utilizam destes artifícios para a formação de barra em sistemas em que há, além do disco, uma componente esferoidal (bojo e/ou halo). Sellwood & Moore (1999) realizam experimentos em que $\epsilon=0.05$ (adequado ao valor de $N=4 \times 10^4$ partículas utilizadas), e $Q=1.5$. Nestes experimentos uma barra se desenvolve, porém isso se dá porque os autores também simulam a queda de gás do halo no disco via o acréscimo gradual de partículas cinematicamente frias. Combes & Sanders (1981) exibem o desenvolvimento de uma barra em um sistema completo. Porém, os autores utilizam o método PM (ver Seção 3.3.1) com o tamanho das células cerca de 5 vezes maior do que o sugerido pelas relações de Merritt (Eq(s). 3.52 e 3.53). Em Combes & Elmegreen (1993) o parâmetro de suavização varia de 200 a 4000 pc, o que é muito superior ao sugerido para $N=4 - 8 \times 10^4$, o número de partículas utilizado. Em Athanassoula & Sellwood (1986), $\epsilon=0.2$, superior ao sugerido para as 40 mil partículas dos experimentos. Athanassoula (1992a, b) realiza simulações em que a barra é estabelecida a priori e $\epsilon= 100$ pc. Em Athanassoula & Misiriotis (2002) o valor de $\epsilon$ é 0.0625, o que é ainda elevado para o número alto de partículas utilizadas ($\sim 10^6$), e $Q$ é fixo em 0.9.

Desta forma, parece que valores elevados para o parâmetro de suavização são uma condição comumente adotada na literatura para a formação de barras, via o cenário vigente de instabilidade no disco, em sistemas realísticos com bojos proeminentes. Porém, não é claro até que ponto estes valores tão elevados são justificáveis do ponto de vista físico, face à suavização forçada em escalas de tamanho tão grandes. Nas Fig(s). 3.11 e 3.12 exibimos a evolução de um sistema completo que simula uma galáxia lenticular. A única forma que encontramos para que este sistema (e outros com bojos proeminentes) desenvolva uma barra foi fixar $Q$ em 0.25 e utilizar $\epsilon =0.25$, o que equivale a aproximadamente 1 Kpc (experimento no. 34). Assim, para formar uma barra em uma galáxia de tipo morfológico recente (S0-Sa) é preciso forças significativamente distintas da Newtoniana e, além disso, é preciso que os discos sejam cinematicamente frios. Enquanto a primeira condição não parece ser justificável, a segunda certamente contraria as observações. Este é, de fato, o principal entrave atual para o cenário vigente de formação de barras em galáxias (ver Seção 1.2).

Figura 3.11: A formação de uma barra em um sistema que representa uma galáxia lenticular (experimento no. 34) só foi possível através de um valor fixo para $Q$ em 0.25, e um valor alto para o parâmetro de suavização ($\epsilon =0.25$). O primeiro quadro no alto à esquerda mostra o instante inicial do experimento, enquanto o último, embaixo e à direita, se refere a $t=2.5$ Gano. O intervalo de tempo entre cada quadro é cerca de $10^8$ anos. A dimensão física do quadro é de 16 Kpc, e somente mostramos 10% das partículas.
\begin{figure}\epsfxsize =16cm
\centerline{\epsfbox{barlentface.ps}}\end{figure}

Figura 3.12: O mesmo que na Fig. 3.11, porém para o sistema visto de perfil.
\begin{figure}\epsfxsize =16cm
\centerline{\epsfbox{barlentperfil.ps}}\end{figure}

No experimento das Fig(s). 3.11 e 3.12 nota-se que a barra se forma em cerca de $3 \times 10^8$ anos e é perene. É interessante notar que o resultado desta simulação é semelhante às lenticulares barradas observadas (e.g., NGC 4665; ver Apêndice A).

Alguns resultados que encontramos também corroboram outros já na literatura (ver Seção 1.2). Em todos os experimentos em que houve a formação de uma barra isto se dá de forma rápida, sempre em um intervalo de tempo da ordem de algumas vezes 10$^8$ anos, compatível com o cenário de instabilidade global em discos. Isto foi independente de qualquer outro parâmetro ou condição inicial. Por outro lado, verificamos que, em geral, uma vez formadas, as barras se mantêm por uma fração maior da evolução do sistema se o bojo é mais proeminente. Em alguns casos a barra persiste por mais de 2 Gano. Isto pode ser apenas um resultado de que para o desenvolvimento de uma barra nestes sistemas foi necessário o uso dos artifícios que discutimos acima, e que tornam o disco mais instável. Por outro lado, Athanassoula (2003) sugere, através de um estudo analítico, que quanto mais importante for a componente esferoidal em uma galáxia barrada, maior é a troca de momento angular entre a barra e o halo, o que acaba por reforçar a barra (ver também Seção 1.2).

Nós estimamos a velocidade de rotação do padrão das barras $\Omega_B$, em nossas simulações, em cerca de 30 Km s$^{-1}$ Kpc$^{-1}$. Em geral, $\Omega_B$ cai ligeiramente durante a evolução dos experimentos. Não verificamos uma variação sistemática na rotação de barras em sistemas que representam galáxias de tipos morfológicos distintos. Resultados semelhantes foram encontrados por Combes & Elmegreen (1993). Porém, as observações indicam que $\Omega_B\approx 60$ Km s$^{-1}$ Kpc$^{-1}$, embora haja um largo espalhamento em torno deste valor médio, e estas medidas observacionais sofrem de grandes incertezas (Seção 1.2). O comprimento das barras também foi estimado nas simulações. Mais uma vez em acordo com as observações (ver Capítulo 4), este valor variou entre 4 a 8 Kpc.

Figura 3.13: Contornos de isodensidade para o experimento no. 15, que desenvolve uma barra no disco com $Q=0.5$, visto de face (acima) e de perfil (abaixo), em $t=3.6 \times 10^8$ anos (à esquerda) e em $t=4 \times 10^8$ anos (à direita). Somente o disco é exibido. Note que a morfologia ``boxy'' se apresenta quando a barra é vista de perfil e de ponta, enquanto que a morfologia ``peanut'' fica evidente quando a barra é vista de perfil e de lado. A unidade de comprimento é 650 pc.
\begin{figure}\centerline{\epsfxsize=8cm \epsfbox{peanutfo.ps}\epsfxsize=8cm \ep...
...e{\epsfxsize=8cm \epsfbox{peanut.ps}\epsfxsize=8cm \epsfbox{box.ps}}\end{figure}

Vejamos agora que informações podemos extrair das simulações realizadas, que dizem respeito ao espessamento vertical da barra. Nas Fig(s). 3.9 e 3.5 já ficou evidente que ocorre um aquecimento vertical gradual do disco e que, na região da barra, este aquecimento é mais vigoroso, o que produz uma estrutura que nos remete a um bojo, algumas vezes com a morfologia ``boxy-peanut''. Na Fig. 3.13 mostramos em maiores detalhes o surgimento desta morfologia de certa forma peculiar. Note que a componente bojo do sistema foi eliminada nesta figura com o intuito de realçar a forma ``boxy-peanut''. Isto também indica que, de fato, esta morfologia é uma estrutura inerente à barra e somente a ela. No momento que esta estrutura está presente, a barra deixa de fazer parte do disco, assumindo uma estrutura vertical mais proeminente através do aumento do valor de $\sigma_z$. As estrelas que compõem esta estrutura já deixaram de fazer parte do disco, cuja componente vertical permanece ainda relativamente fina. É interessante notar que a morfologia ``peanut'' se apresenta quando a barra é vista de perfil e através de uma linha de visada perpendicular a ela, enquanto que a morfologia ``boxy'' fica evidente quando a barra é vista também de perfil, mas através de uma linha de visada paralela a ela. Estas morfologias foram identificadas nos nossos experimentos, tanto naqueles que representam galáxias de tipo morfológico tardio quanto naqueles representativos de galáxias com tipo morfológico recente. No entanto, em uma galáxia real, na qual não podemos eliminar o bojo, estas morfologias devem ficar menos evidentes se o bojo for proeminente. Em nossas simulações, a morfologia ``boxy-peanut'' tende a se dissolver após cerca de 1 Gano, o que pode, portanto, ser um indício observacional para a identificação de barras recém-formadas.

Veja que a morfologia ``boxy-peanut'' se desenvolve em escalas de tempo da ordem da escala de tempo dinâmica do sistema, ou seja, após a formação da barra, em poucas rotações a galáxia desenvolve esta morfologia. A barra começa a ganhar uma estrutura vertical importante muito rapidamente. Porém, o valor de $\sigma_z$ ainda é baixo se comparado com aqueles que obtivemos no Capítulo 2. De fato, nossos experimentos mostram que ocorre um aumento gradual no valor de $\sigma_z$ na barra, mas que, no entanto, mesmo após 2 Gano, $\sigma_z$ raramente ultrapassou 50 Km/s. Assim, podemos concluir que o mecanismo que produz a estrutura ``boxy-peanut'' é rápido e, qualquer que seja o mecanismo responsável pelo espessamento da barra que observamos no Capítulo 2, este deve ser lento e gradual. Este resultado é compatível com o cenário que estamos sugerindo, no qual o espessamento da barra é provocado pelo mecanismo Spitzer-Schwarzchild de aquecimento gradual do disco (Seção 2.4); e também é compatível com o resultado que apresentaremos no Capítulo 4, que sugere que a diferença de idade entre barras finas (portanto jovens) e espessas (portanto evoluídas) é substancialmente superior a 1 Gano. Além disso, o fato de a estrutura ``boxy-peanut'' se desenvolver rapidamente pode estar indicando que são processos que envolvem as ressonâncias verticais, e/ou o efeito ``hose'', os responsáveis por esta estrutura. No entanto, estes processos podem cessar quando o valor de $\sigma_z$ ainda é relativamente baixo, e o mecanismo Spitzer-Schwarzchild pode então estar causando a maior parte do aumento em $\sigma_z$ e do espessamento vertical da barra.



Footnotes

... din\^amica21
A escala de tempo dinâmica de um sistema é equivalente ao tempo em que uma estrela percorre metade de sua órbita neste sistema, e é definida por $\tau_d=(3\pi/16G\rho)^{1/2}$, onde $\rho$ é a densidade média do sistema. O tempo de queda livre de um sistema é dado por $\tau_d/\sqrt{2}$, e equivale ao tempo em que o sistema colapsaria a um ponto se fosse constituído por material infinitamente compressível.

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Dimitri Gadotti 2004-02-03