A distribuição de luz, e portanto, supostamente, de massa, em galáxias pode ser estudada através de perfis radiais de brilho superficial, em geral, em unidades de magnitudes por segundo de arco ao quadrado. O brilho superficial é um parâmetro físico que tem a importante propriedade de ser independente da distância da galáxia. Estes perfis podem ser decompostos, para galáxias espirais e lenticulares, em 2 componentes mais importantes: uma que se refere ao bojo, e outra correspondente ao disco. Os perfis de galáxias elípticas podem ser descritos com apenas uma componente esferoidal, similar ao bojo das galáxias com disco. Esta análise se justifica já que bojo e disco são os principais, e mais bem estudados, constituintes de galáxias, tendo propriedades distintas, por exemplo, do ponto de vista dinâmico e químico.
A função que mais se utiliza para descrever a componente disco do perfil de brilho superficial de uma galáxia espiral é uma função exponencial, também conhecida como perfil de King (ver Freeman 1970; Mihalas & Binney 1981). Esta função pode ser descrita como:
![]() |
(100) |
em unidades de erg s arcsec
. Ou como:
![]() |
(101) |
em unidades de
mag arcsec. Nas equações acima,
e
representam o brilho superficial do
disco em função da distância ao centro
.
e
representam o brilho superficial central do
disco, e
é o raio característico do disco.
Para a componente bojo, a função mais utilizada é aquela sugerida por de Vaucouleurs (1948; ver também Caon, Capaccioli & D'Onofrio 1993 e referências aí contidas), descrita como:
![]() |
(102) |
em erg s arcsec
, ou:
![]() |
(103) |
em mag arcsec. Enquanto
e
indicam o brilho superficial do bojo em função da
distância galactocêntrica
,
é o raio efetivo do bojo, i.e., aquele que contém metade da
luminosidade total da galáxia.
e
representam o brilho superficial efetivo, i.e., aquele
na distância galactocêntrica
.
Embora a lei de de Vaucouleurs represente bem o perfil de brilho para galáxias elípticas, e também para alguns bojos, vários trabalhos mostram que alguns bojos são melhor representados por um perfil puramente exponencial (e.g., de Jong & van der Kruit 1994; de Jong 1996a). Nesse caso, torna-se interessante utilizar o perfil generalizado de de Vaucouleurs, proposto por Sérsic (1968; ver também Caon, Capaccioli & D'Onofrio 1993 e referências aí contidas). O perfil de Sérsic é descrito como:
![]() |
(104) |
em erg s arcsec
, ou:
![]() |
(105) |
em mag arcsec, onde
, e
, com
denominado por índice
de Sérsic. Estas definições para
e
garantem que, de fato,
contenha metade da luminosidade
do bojo. No caso em que
é igual a 4, temos a conhecida lei de de Vaucouleurs, enquanto que
nos fornece uma lei exponencial semelhante àquela utilizada para descrever discos.
A inserção de mais um parâmetro livre para representar os perfis radiais de brilho superficial de galáxias
espirais certamente produz melhores ajustes. Porém, uma motivação maior para se utilizar o perfil de Sérsic
vem do fato de que o índice parece se correlacionar com alguns parâmetros fundamentais de galáxias, tais
como a razão bojo/disco (Andredakis, Peletier & Balcells 1995). Além disso, bojos com perfis que têm
têm propriedades distintas daqueles com
(ver Seção 1.2). Com relação aos
discos, é importante notar a existência de discos que não seguem um perfil exponencial na região central.
Estes discos [de perfil tipo II; Freeman (1970)] parecem ter um buraco na região central, e o que produz
esta diferença ainda não é compreendido (ver, e.g., MacArthur, Courteau & Holtzman 2003).
Este tipo de avaliação, denominada por decomposição bojo/disco (B/D), na qual os parâmetros estruturais
destas componentes são determinados, traz informações importantes que podem nos ajudar a compreender
os processos de formação e evolução de galáxias. Exemplos incluem: a relação Tully-Fisher (Tully & Fisher 1977),
o Plano Fundamental (Faber et al. 1987; Dressler et al. 1987; Djorgovski & Davis 1987; Bender, Burstein & Faber 1992),
a correlação entre as escalas de comprimento de bojos e discos (Courteau, de Jong & Broeils 1996; ver também de
Jong 1996b; dos Anjos & Gadotti 2003), e a evolução morfológica de galáxias (Marleau & Simard 1998). Veja
Peng et al. (2002) e Graham (2002a, b) para mais exemplos recentes. Para realizar a decomposição B/D na nossa amostra de
imageamento, utilizamos o código BUDDA (``BUlge/Disk Decomposition Analysis''; ver
http://www.astro.iag.usp.br/dimitri/budda.html), escrito em FORTRAN por de Souza (1997; ver também Gadotti
1999; de Souza, Gadotti & dos Anjos 2003).
Vejamos duas propriedades importantes deste código de decomposição B/D. Em primeiro lugar, o BUDDA realiza
uma análise estrutural da galáxia utilizando toda a sua imagem, i.e., uma decomposição bi-dimensional. No caso
uni-dimensional, comumente encontrado na literatura, de toda a informação contida na imagem completa
da galáxia, extrai-se um valor característico para se construir um perfil de brilho que se ajuste em uma única
direção, em geral o eixo maior projetado da galáxia. O valor característico extraído é uma média azimutal
do brilho superficial. As componentes bojo e disco são ajustadas diretamente neste perfil.
Este método tem a vantagem de aumentar a razão sinal/ruído no ajuste, mas perde toda a informação
presente na imagem da galáxia, relativa a componentes não axissimétricas, como barras, bojos não
circulares, e braços espirais, por
exemplo. De fato, barras podem perturbar dramaticamente este tipo de ajuste. Baggett, Baggett & Anderson (1998)
mostram que a diferença típica nos ajustes uni-dimensionais realizados por diferentes autores é da ordem de 100%
para , 80% para
, 60% para
, e 25% para
, com uma amostra de 17 objetos.
Note que as diferenças são maiores para os parâmetros do bojo, o que é interessante, dado que a amostra
contém galáxias com bojos proeminentes e luminosos. Os autores argumentam que estas discrepâncias
elevadas têm causa nas diferentes técnicas utilizadas na obtenção do perfil.
Uma técnica comumente utilizada na obtenção deste perfil, o ajuste de isofotas (Jedrzejewski 1987),
apresenta sérias dificuldades. Variações no ângulo de posição entre isofotas consecutivas fazem com que o perfil
seja mal definido, já que é extraído não em uma única direção, mas em uma curva. Alguns pesquisadores
preferem fixar o ângulo de posição das isofotas na determinação do perfil, em geral na posição do eixo maior
da galáxia. E outros chegam a fixar também a elipticidade das isofotas. Certamente, estas diferenças produzem
pelo menos grande parte das discrepâncias observadas por Baggett, Baggett & Anderson. No caso bi-dimensional,
constrói-se modelos para bojo e disco utilizando toda a imagem da galáxia, o que significa que, além de as
componentes não axissimétricas serem incluídas na avaliação, variações no ângulo de posição do bojo
e do disco auxiliam na determinação de seus parâmetros estruturais.
Existem muitos exemplos de estudos que mostram que
a decomposição bi-dimensional é muito mais confiável que a uni-dimensional (e.g., de Jong 1996a, b).
Apesar disto, e porque é muito mais cara em termos computacionais, a
decomposição bi-dimensional tem menos exemplos
na literatura, tendo tornado-se mais comum apenas na última década.
Em segundo lugar, nosso código apenas ajusta as componentes bojo e disco da galáxia. Códigos como o de Peng et al. (2002) incluem um modelo para a barra e outro para uma fonte nuclear pontual, além de modelos para sub-estruturas internas como barras secundárias, lentes etc, e cada componente pode obedecer mais do que um único perfil. Neste caso, os ajustes são melhores, mas ao grande custo de serem utilizados pelo menos 40 parâmetros estruturais, não sendo facilmente justificáveis do ponto de vista físico do problema. Em nossa abordagem, estruturas além do bojo e do disco podem ser diretamente avaliadas através de imagens residuais, obtidas com a subtração do modelo na imagem original da galáxia. Assim, o número de parâmetros estruturais ajustados é relativamente baixo (tipicamente 11, ver adiante), e não é necessário fazer hipóteses a priori acerca das propriedades estruturais destas componentes secundárias, ainda pouco estudadas. Além disso, o BUDDA é mais versátil do que muitos dos códigos disponíveis, desenvolvidos para atacar problemas específicos, como, por exemplo, galáxias de tipos tardios vistas de face (de Jong 1996a), galáxias distantes (Marleau & Simard 1998), e galáxias próximas observadas em altíssima resolução espacial (Peng et al. 2002). Nosso código permite decompor galáxias vistas de perfil, cobrindo toda a seqüência de Hubble, e observadas em condições típicas de resolução espacial e razão sinal/ruído [ver adiante; ver também de Souza, Gadotti & dos Anjos (2003)].
Assim, o nosso código assume que uma galáxia é composta por pelo menos um bojo, que obedece as Eq(s).
(4.8) e (4.9) e, quando necessário, um disco, que obedece as Eq(s). (4.4) e (4.5). O código foi aplicado em toda
a nossa amostra de imageamento. Inicialmente, é necessário transformar a imagem da galáxia a ser analisada
em uma matriz de dados, na qual cada posição (linha/coluna) representa um ``pixel'' com o valor da intensidade
correspondente. As isofotas de cada componente têm uma única elipticidade, para o bojo e
para o disco,
e um único ângulo de posição (
e
), e têm um centro comum em (
). Embora tenhamos
assumido isofotas perfeitamente elípticas neste estudo, é possível deixar o BUDDA determinar a melhor
parametrização para as isofotas dos modelos de bojo e de disco. As elipses que descrevem os modelos são
generalizadas e o parâmetro
controla sua forma: para
as elipses são perfeitas; para
são ``boxy'', o que apenas significa que a galáxia tem uma deficiência de luz ao longo dos seus eixos
maior e menor, causando uma forma retangular para a isofota [isofotas ``boxy'' não têm em princípio relação com
as órbitas do tipo ``boxy'', comuns em galáxia barradas (e.g., BT87)]. E para
as elipses são ``disky'', o
que significa que há um excesso de luz ao longo dos seus eixos principais, dando uma forma pontiaguda para a isofota
(note ainda que a presença dessas isofotas não necessariamente indica a presença de um disco na
galáxia).25 Isofotas ``disky'' são
às vezes interpretadas como uma assinatura da presença de um disco, não pela sua forma, mas porque
descobriu-se que galáxias elípticas com isofotas ``disky'' têm maior rotação (Kormendy & Djorgovski 1989).
Barras vistas de face produzem isofotas ``disky'' e, vistas de perfil, ``boxy'' (e.g., BM98; Seção 1.2). Isofotas ``boxy'' também
são encontradas em galáxias elípticas com baixa rotação (Kormendy & Djorgovski 1989).
Também é possível assumir um raio de truncamemto interno para os discos e um raio de truncamento externo para os
bojos. No entanto, neste estudo, assumimos discos do tipo I (Freeman 1970), i.e., com início no centro da galáxia, e
bojos sem truncamento externo.
No caso de galáxias vistas de perfil, a distribuição vertical de luminosidade segue van der Kruit & Searle (1981), i.e.,
, com
sendo a escala de altura do disco. Esta distribuição corresponde a um disco
isotérmico (ver Seção 3.3.3).
Para compensar o efeito do ``seeing'' na região central, o código considera um espalhamento dos modelos de bojo
e de disco seguindo uma Gaussiana circular com raio igual a .
Isso permite um melhor ajuste na região central,
bem como auxilia na minimização do
. Quando necessário, o código realiza uma correção de segunda ordem
no fundo de céu, através da constante
.
Portanto, para cada galáxia de nossa amostra de imageamento, em cada banda observada, obtivemos 11 parâmetros:
,
,
,
,
,
,
,
,
,
, e
. Uma estimativa
inicial para cada parâmetro, uma faixa inicial de variação para cada parâmetro, e a matriz de dados correspondente
à imagem a ser analisada, são fornecidos ao código antes de sua inicialização. Foi assumido um ruído
Poissônico nas imagens, o que é importante tanto na determinação dos erros como na estimativa do
. Além
disso, o código somente considera ``pixels'' com um valor de intensidade (em contagens) acima de um limite, dado
pela variação da intensidade em regiões da imagem livres de objetos.
Para obter a solução ótima, adotamos o método ``Downhill Simplex'' multidimensional (Press et al. 1992). O esquema
de iterações funciona simplesmente testando todas as combinações possíveis de parâmetros em cada passo,
escolhendo aquela com o menor . Se um mínimo é encontrado em qualquer direção no espaço
multidimensional de parâmetros, o código realiza uma interpolação parabólica nesta direção, melhorando a
estimativa, no próximo passo. Quando um mínimo global é encontrado, o BUDDA faz uma interpolação
parabólica final, e estima os erros em cada parâmetro utilizando a máxima variação de
permitida
pelo nível de confiança estabelecido
(em geral, 95%, i.e.,
). Portanto, note que os erros no ajuste em cada
parâmetro podem ser às vezes super-estimados (isto será tratado em detalhes mais adiante). Ao fim, o BUDDA
gera uma imagem sintética do modelo de cada componente (bojo e disco), bem como da galáxia (i.e., da soma
das componentes).
Alguns procedimentos foram adotados durante a aplicação do código às imagens de nossa amostra, que foram
mostrando-se úteis no decorrer deste trabalho. Em primeiro lugar, o código é aplicado mais de uma vez, com
variações significativas nos valores iniciais dos parâmetros estruturais, de forma a evitar que a solução encontrada
se refira apenas a um mínimo local, e não global, como deve ser. Em segundo lugar, na última aplicação a uma
determinada imagem, a faixa de variação permitida em cada parâmetro é reduzida, de forma a se buscar um ajuste
mais fino. Finalmente, nos casos em que a determinação das elipticidades e dos ângulos de posição de bojo e
disco são difíceis, estes parâmetros foram inicialmente fixos em uma primeira aplicação do código. Os
valores assumidos foram deduzidos através da tarefa ELLIPSE do IRAF. Isto ocorre quando, por exemplo,
as elipticidades são muito baixas () e os ângulos de posição ficam mal determinados.
Os resultados da aplicação do BUDDA em nossa amostra de imageamento estão expostos no Apêndice A.