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2 Aquisição, tratamento e extração dos espectros

Os espectros foram obtidos, para a amostra Norte, nas noites de 7 de Maio de 1999 e 9, 10 e 11 de Abril de 2000, no telescópio Bok, com espelho de 2.29 metros de diâmetro, o mesmo utilizado para a aquisição de imagens no infravermelho próximo (Seção 4.3). Este telescópio é operado pelo Observatório Steward, da Universidade do Arizona, e está localizado em Kitt Peak, no estado do Arizona, Estados Unidos, a 2071 metros de altitude. Utilizamos um espectrógrafo Boller & Chivens e o CCD Loral no. 20, com 1200 por 800 ``pixels'' de 15 micrômetros cada, com ganho de 2.1 e$^-$ ADU$^{-1}$ e ruído de leitura igual a 5.5 e$^-$. A resolução espacial foi de 0.83'' por ``pixel''. Utilizamos uma rede com dispersão de 0.99 Å por ``pixel''. A largura da fenda foi estabelecida em 2.5'' e o ``seeing'' médio foi de 1.5''. A resolução instrumental espectral foi tipicamente igual a 1.1 Å, ou aproximadamente 65 Km/s na região do espectro observada. Esta foi centrada na região do tripleto de Magnésio (Mg I - 5175 Å)8 com extensão de aproximadamente 1000 Å.

Durante estas noites, também foram observadas estrelas padrão para três aplicações distintas. Uma estrela espectro-fotométrica: Feije 34 [tipo espectral O (Oke 1990)]; sete estrelas padrão para índices de Lick: HR 3951 (G3V), 6458 (G0V), 6685 (F2I), 6770 (G8III), 6775 (F7V), 6806 (K2V) e HR 6868 (M1III); e seis estrelas padrão em velocidade radial: HD 89449 (F6IV), 90861 (K2III), 92588 (K1IV), 136202 (F8III-IV), 155500 (K0III) e HD 172401 (K0III). Os tipos espectrais foram obtidos em Hoffleit & Warren (1991).

Para as galáxias, foram realizadas 4 exposições de 1800 segundos com a fenda posicionada ao longo do eixo maior da barra, e 2 exposições de 1800 segundos com a fenda no eixo menor da barra.

Para a amostra Sul, os espectros foram obtidos nas noites de 13 de Março de 2002 e 1, 2, 3, 4 e 5 de Dezembro de 2002, no telescópio com espelho de 1.52 metros de diâmetro do Observatório Europeu Austral, em La Silla, Chile, a 2400 metros de altitude. Utilizamos um espectrógrafo Boller & Chivens e o CCD no. 38, com 2688 por 512 ``pixels'', ganho de 1.6 e$^-$ ADU$^{-1}$ e ruído de leitura igual a 7.1 e$^-$. A resolução espacial foi de 0.82'' por ``pixel''. Utilizamos uma rede com dispersão de 1 Å por ``pixel''. A largura da fenda foi estabelecida em 2'' e o ``seeing'' médio foi de 1.8''. A resolução instrumental espectral foi tipicamente igual a 1.1 Å, ou aproximadamente 65 Km/s na região do espectro observada. Esta foi também centrada na região do tripleto de Magnésio, mas com extensão de aproximadamente 2000 Å.

Para esta amostra, foram observadas três estrelas espectro-fotométricas: HR 1544 (A1V), HR 1996 (O9.5V) e HR 3454 (B3V); oito estrelas padrão para índices de Lick: HR 2429 (K1III), 2574 (K4III), 4267 (M5.5III), 4657 (F5V), 4995 (G6V), 5019 (G6V), e HR 5568 (K4V) e HD 134439 (K0V); e quatro estrelas padrão em velocidade radial: HD 37984 (K1III), 66141 (K2III), 71597 (K2III) e HD 92588 (K1IV).

Para as galáxias, foram realizadas 4 exposições de 2700 segundos com a fenda posicionada ao longo do eixo maior da barra, e 2 exposições de 2700 segundos com a fenda no eixo menor da barra.

Os procedimentos aplicados nas fases de tratamento e extração dos espectros foram os mesmos nas amostras Sul e Norte. O tratamento foi realizado dentro dos pacotes ONEDSPEC e TWODSPEC.LONGSLIT do IRAF (ver Massey 1997; Massey, Valdes & Barnes 1992). Correções com relação a ``dark current'', ``overscan'' e ``bias'' foram realizadas da mesma maneira como para as imagens no óptico (Seção 4.2). Com relação ao ``flatfield'' é necessário se tomar cuidados extras que são dispensáveis quando se faz apenas imageamento. Em espectroscopia, devemos eliminar nos ``flatfields'' de cúpula o contínuo da iluminação difusa. Assim, em um primeiro passo, os espectros de ``flatfield'' de cúpula foram combinados da maneira usual. Em seguida, utilizando a tarefa RESPONSE, é feita uma normalização de primeira ordem com relação ao contínuo destes espectros. Os espectros de ``flatfield'' de céu, tomados cuidadosamente durante o crepúsculo de cada noite, foram combinados em separado, também da forma usual, porém também normalizando-os pelo espectro combinado, normalizado e corrigido dos ``flatfields'' de cúpula. O espectro assim obtido de ``flatfield'' de céu nos será útil porque também é preciso corrigir diferenças na iluminação pelos objetos estudados ao longo da fenda do espectrógrafo. Isto deve ser feito com o espectro de ``flatfield'' de céu, não com o de cúpula, dado que as distribuições espectrais de luminosidade são distintas entre esses. A correção por iluminação é realizada, a partir do espectro já tratado de ``flatfield'' de céu, com a tarefa ILLUMINATION, cujo produto final é um espectro que contém a correção a ser aplicada. Este espectro corretivo é então multiplicado pelo espectro já tratado de cúpula, e o resultado é o ``flatfield'' final, perfeito, a partir do qual os espectros dos objetos estudados são corrigidos. Nossos espectros não apresentam problemas de franjas, e as correções por problemas cosméticos serão realizadas em uma etapa posterior.

Para a extração dos espectros, utilizamos a tarefa KPNOSLIT.APALL do IRAF. Antes de tudo, foi verificado que não haviam em nossa aparelhagem instrumental distorções geométricas importantes. Isto foi feito ao se verificar que o eixo de dispersão é o mesmo ao longo do eixo espacial, i.e., é paralelo em posições diferentes ao longo da fenda. Para essa verificação foram obtidos espectros da mesma estrela padrão em 6 posições distintas ao longo da fenda, em uma só aquisição. Isto garante que podemos usar de forma confiável apenas um traçamento na extração de espectros ao longo dos eixos das barras nas galáxias que fazem parte da nossa amostra de espectroscopia (ver adiante).

Os espectros foram extraídos para cada galáxia ao longo dos eixos maior e menor das barras em 9 posições distintas. Para que a queda na razão sinal/ruído nos espectros em direção à periferia das galáxias fosse minimizada, quanto mais distante do centro está cada espectro, maior o intervalo espacial a partir do qual a informação espectral é extraída. Assim, o espectro da região central (em r=0'') compreende 3 ``pixels'' no eixo espacial, ou 2.5'', 1.2'' para cada lado do centro na direção dos eixos da barra. Em seguida, o segundo espectro mais próximo do centro foi extraído a 2.0'' deste, com um intervalo espacial de 2.0'' de cada lado. Continuando, os espectros foram extraídos, consecutivamente, a 4.5'', 11.9'' e 19.3'', com intervalos para cada lado de, respectivamente, 3.7'', 7.8'' e 11.1''. Chamemos o espectro central de espectro 0 e, partindo em direção à periferia, chamemos cada um dos espectros respectivamente de: espectro 1b, 1, 2b e 2 (lembre-se que também temos os espectros -1b, -1, -2b e -2, na direção oposta, isto para cada um dos eixos maior e menor das barras em cada galáxia). Assim, os espectros que são consecutivos nesta definição não são independentes, já que as áreas espaciais a partir das quais foram extraídos se sobrepõem parcialmente. Os espectros 0, 1 e 2 são contíguos, mas os espectros 0 e 1, e 1 e 2, também não são completamente independentes em razão dos efeitos de ``seeing''. O mesmo ocorre com os espectros 1b e 2b. Porém, os espectros 1b e 2 são independentes. Não foi possível extrair espectros mais afastados do núcleo, já que o sinal cai de forma a limitar qualquer análise confiável.

Na extração de cada espectro, o céu foi subtraído, tendo sido determinado através do valor mediano nas regiões mais periféricas da fenda, a cerca de 2' do centro da galáxia na amostra Sul, e a cerca de 3' na amostra Norte, onde a contribuição do fundo de céu é maior do que a da galáxia. O traçamento, i.e., a direção do eixo espectral, que não é exatamente alinhada9 com as bordas do detector, foi determinado para o espectro central, e traçamentos paralelos foram aplicados na extração dos outros espectros. Para ajustar o traçamento, utilizamos tipicamente uma função ``spline'' cúbica de ordem 3. Durante a extração, raios cósmicos e ``pixels'' defeituosos são eliminados através de considerações estatísticas.

Em seguida, utilizando espectros de lâmpadas de comparação apropriadas, realizamos a calibração em comprimento de onda para cada espectro obtido. Os espectros de comparação foram extraídos com o mesmo traçamento e centro do espectro a ser calibrado. A solução de dispersão nos espectros de comparação foi obtida com as tarefas IDENTIFY e REIDENTIFY. A solução foi obtida tipicamente com uma ``spline'' cúbica de ordem 3. A solução atribuída a cada espectro científico foi a média das soluções obtidas para os espectros da lâmpada adquiridos imediatamente antes e depois do espectro científico. Este cuidado tem o intuito de evitar que a solução não seja representativa devido aos longos tempos de exposição para a obtenção dos espectros científicos, e tendo em vista que a solução é dependente da orientação do espectrógrafo e do telescópio. Isto foi feito com a tarefa DISPCOR.

Finalmente, os espectros foram normalizados pelo contínuo, através de um ajuste de uma ``spline'' cúbica de ordem elevada (tipicamente 25), com a tarefa CONTINUUM. Em seguida, os espectros correspondentes obtidos em exposições distintas foram combinados (com a tarefa SCOMBINE) pela mediana, e com rejeição de raios cósmicos. Os espectros das estrelas padrão foram extraídos e tratados de forma similar.

A fim de checar se a solução de dispersão utilizada na calibração em comprimento de onda produz resultados consistentes ao longo de todo o espectro, utilizamos as tarefas RVIDLINES e RVREIDLINES. Esta tarefa identifica linhas de absorção no espectro, obtendo uma velocidade radial, e verifica se a posição de outras linhas conhecidas está correta segundo a velocidade radial medida. Cada um dos espectros passou por essa verificação, resultando em que os erros na calibração são satisfatoriamente pequenos ($\sim$ 10 Km/s), principalmente na região central dos espectros, que inclui o tripleto de Magnésio, que é a região de maior interesse.

A razão sinal/ruído por ``pixel'' foi calculada de forma padrão, utilizando os dados de ganho e ruído de leitura dos CCD's, na região do tripleto de Magnésio, utilizando o sinal no espectro já extraído, e assumindo um ruído de caráter Poissônico. Assim, temos que a razão sinal/ruído nos espectros foi determinada como


\begin{displaymath}
\frac{S}{N}=\frac{Ig}{\sqrt{Ig+r^2}}\frac{\sqrt{N_{exp}N_{pix}}}{N_{pix}},
\end{displaymath} (4)

onde $I$ é a intensidade em contagens na região do tripleto de Magnésio, $g$ e $r$ são, respectivamente, o ganho e o ruído de leitura do detector, $N_{exp}$ é o número de exposições na aquisição do espectro, e $N_{pix}$ é o número de ``pixels'' a partir dos quais o espectro foi extraído. Esta razão varia de cerca de 40 a 50 no centro da galáxia até cerca de 10 a 20 nos espectros mais externos. Estes valores serão importantes na determinação dos erros nas LOSVD's.

Em seguida, todos os espectros foram corrigidos para o repouso no Padrão Local de Repouso (LSR - ``Local Standard of Rest''). Isto também é fundamental na determinação das LOSVD's, e foi feito da seguinte forma. Primeiro, as estrelas padrão em velocidade radial tiveram seus espectros trazidos ao repouso usando as tarefas RVCORRECT e DOPCOR e suas velocidades publicadas em Abt & Biggs (1972) e no ``Astronomical Almanac''. A tarefa RVCORRECT determina a correção que deve ser aplicada na velocidade radial observada devido ao movimento do observador na direção da observação (na linha de visada). Esta correção inclui termos advindos da velocidade de rotação da Terra, do movimento do centro da Terra em torno do baricentro do sistema Terra-Lua, do movimento deste baricentro em torno do centro do Sol e do movimento do Sol relativo ao LSR. Portanto, esta correção depende do instante e do local da observação. As velocidades radiais publicadas das estrelas padrão em velocidade foram assim corrigidas e, posteriormente, com a tarefa DOPCOR, seus espectros foram corrigidos para o repouso no LSR. Depois, utilizando a técnica de correlação cruzada (Tonry & Davis 1979), através da tarefa FXCOR, os espectros das outras estrelas padrão foram corrigidos, bem como os das galáxias, utilizando os espectros das estrelas padrão em velocidade já corrigidos como espectros de comparação (``template''). Neste caso, como observamos várias estrelas padrão de diferentes tipos espectrais, foi possível obter a correlação para diferentes estrelas ``template'', permitindo avaliar e buscar a melhor correção, minimizando o problema de espectro de comparação inadequado (``template mismatch'' - ver adiante).

Finalmente, as linhas de céu em emissão, que por ventura não foram eliminadas na extração dos espectros, foram corrigidas por interpolação direta através da tarefa SPLOT. Para o caso da amostra Norte, que mais sofre com este efeito, utilizamos os resultados acerca das linhas de céu em Kitt Peak publicados em Kennicutt (1992). Assim, os espectros estão prontos para serem analisados.

Figura 2.5: Alguns exemplos típicos dos espectros que obtivemos. Para cada objeto, conforme indicado, o espectro inferior é o central, o intermediário foi extraído a 4.5'' do centro, e o superior a 19.3''. Os dois últimos foram artificialmente deslocados nesta figura apenas para tornar possível a sua visualização.
\begin{figure}\epsfxsize =16cm
\centerline{\epsfbox{specs.ps}}\end{figure}

A Fig. 2.5 exibe alguns exemplos elucidativos dos espectros que obtivemos. Os dois painéis superiores se referem aos espectros obtidos ao longo do eixo maior das barras de NGC 4608 e NGC 4579, respectivamente, ambas da amostra Norte. O painel inferior exibe espectros extraídos ao longo do eixo menor da barra em NGC 1387, da amostra Sul. Note como a razão sinal/ruído na última é menor. Isto se deve ao fato de que o telescópio utilizado na aquisição dos espectros da amotra Sul tem um espelho menor, apesar de o tempo de integração nestes espectros ser substancialmente mais elevado, o que fizemos numa tentativa de minimizar esta diferença. A razão sinal/ruído, como era de se esperar, também cai ao nos afastarmos do centro em cada galáxia. Note como a dispersão de velocidades mais elevada em NGC 1387 produz um alargamento mais acentuado em seus espectros, na linha de Mg I por exemplo, comparando com os espectros das outras galáxias. Note as linhas em emissão nos espectros de NGC 4579 (LINER/Seyfert 1.9) de H$\beta$ e [O III], e como esta última é mais pronunciada no espectro central.



Footnotes

... \AA)8
De fato, as linhas do tripleto de Magnésio estão em 5167 Å, 5173 Å e 5184 Å, mas as duas primeiras só são resolvidas em espectros de alta resolução.
... alinhada9
Isto ocorre por pelo menos 3 motivos: (i) distorções ópticas no espectrógrafo, (ii) o alinhamento imperfeito das redes de difração, e (iii) devido à refração atmosférica diferencial a região mais vermelha do espectro sofre um desvio maior que a região azul.

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Dimitri Gadotti 2004-02-03