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3 Determinação das LOSVD's

Atualmente, existem vários métodos para determinar a distribuição de velocidades das estrelas em uma galáxia, ao longo da linha de visada, através de dados espectroscópicos. Todos os métodos se baseiam no fato de que o espectro de uma estrela possui linhas muito pouco alargadas. O alargamento dessas linhas é provocado por diversos fatores, como, por exemplo, a rotação da estrela, ventos estelares, e o próprio instrumento de observação (ver, e.g., Böhm-Vitense 1993). Por outro lado, o espectro de uma galáxia terá um alargamento de linhas bem mais pronunciado, devido ao efeito Doppler e à distribuição de velocidades das estrelas. O objetivo de todos os métodos é, portanto, determinar a função que descreve da melhor forma possível essa distribuição (ver BM98).

Assim, através do espectro de uma estrela padrão adequada, por exemplo, e do espectro de uma galáxia, tenta-se recuperar a LOSVD. Estes métodos possuem normalmente duas etapas distintas. Na primeira, trata-se de encontrar a LOSVD na galáxia que minimiza as diferenças entre o espectro da galáxia e o espectro da estrela padrão convoluído com a LOSVD. Se o objetivo for encontrar uma LOSVD parametrizada, a segunda etapa se refere justamente a essa parametrização. Em alguns métodos, as duas etapas são unidas em apenas uma. Note que o alargamento das linhas que já aparece no espectro da estrela pode ser desconsiderado, já que também está presente no espectro da galáxia. Assim, a diferença com relação ao alargamento das linhas nos espectros da galáxia e da estrela diz respeito apenas à distribuição das velocidades estelares na galáxia.

Entre os principais métodos de determinação de LOSVD's, encontramos: o método do quociente no espaço de Fourier (Sargent et al. 1977; ver BM98), a correlação cruzada (Simkin 1974; Tonry & Davis 1979), o método do quociente das funções de correlação no espaço de Fourier (Bender 1990; Bender, Saglia & Gerhard 1994; Halliday et al. 2001), o ajuste de perfil de linha no espaço de Fourier (Franx, Illingworth & Heckman 1989), a verossimilhança penalizada (Merritt 1997), o ajuste de perfil de linha no espaço de ``pixels'' (Rix & White 1992), e o ajuste de perfil de linha por Gaussianas não resolvidas (Kuijken & Merrifield 1993). Com relação à parametrização, os métodos utilizam 1, 2 ou várias Gaussianas, bem como a Gaussiana generalizada, que são as séries de Gauss-Hermite (van der Marel & Franx 1993; Zhao & Prada 1996).

Todos estes métodos possuem suas vantagens e desvantagens, bem como situações em que são mais ou menos adequados. O método de Merritt, por exemplo, é mais adequado a espectros com baixa razão sinal/ruído. Os métodos mais antigos, como o de Sargent et al. e o de Tonry & Davis, sofrem alguns problemas sérios. No primeiro, o ruído nos espectros é amplificado pelo processo de determinação das componentes de Fourier, tornando a análise sujeita a erros severos. Todos os métodos que partem para o espaço de Fourier sofrem deste problema. Porém, os mais modernos utilizam outras técnicas para minimizar o ruído (e.g., filtros ótimos). Na correlação cruzada, comumente utilizada, o ``template mismatch'' pode tornar o resultado espúrio. Este erro ocorre porque o espectro da galáxia é composto por estrelas de vários tipos espectrais distintos, e a estrela padrão a ser utilizada é, obviamente, de um único tipo espectral. Assim, diferenças nas propriedades médias da galáxia e das estrelas, tais como, idade, metalicidade, abundância de certos elementos químicos etc., podem produzir diferenças fundamentais nos perfis de linha nos espectros da galáxia e das estrelas. E então a diferença no alargamento das linhas não é só dependente da distribuição de velocidades, mas também vai depender muito das diferenças nestas propriedades. É por este motivo que, neste tipo de avaliação, são escolhidas estrelas representativas da população estelar de uma galáxia, em geral gigantes do tipo K. Aplicando o método para estrelas de tipos espectrais distintos é possível avaliar qual estrela é uma representação mais fiel da população na galáxia e, assim, obter melhores resultados. Mas a melhor forma de minimizar o ``template mismatch'' é utilizar um espectro combinado de estrelas padrão de tipos espectrais variados, e ter o espectro da galáxia alta razão sinal/ruído. Além disso, na correlação cruzada, os erros nos parâmetros que descrevem a LOSVD (e.g., a velocidade média radial da galáxia e a dispersão de velocidades) são correlacionados. O fato de não serem independentes torna a avaliação dos erros imprecisa. Esta fonte de erro, no entanto, está presente também em outros métodos, mas num grau menos acentuado, i.e., com a correlação entre os erros menor.

Para a determinação das LOSVD's ao longo dos eixos maior e menor das barras nas galáxias em nossa amostra de espectroscopia, desenvolvemos um algoritmo que utiliza, além dos espectros das galáxias, os espectros de até 5 estrelas padrão.10 Desta forma, estamos nos esforçando para minimizar o problema do ``template mismatch'', já que o algoritmo também é capaz de determinar a contribuição de cada estrela padrão no espectro ``template''. O método utilizado por nós para a determinação das LOSVD's é o ajuste de perfil de linha no espaço de ``pixels'', com uma parametrização em séries de Gauss-Hermite (ver van der Marel & Franx 1993). Nosso algoritmo também é capaz de realizar uma parametrização via 2 Gaussianas puras (Rix & White 1992). Porém, como esta parametrização é melhor justificada nos casos em que há duas componentes cinematicamente distintas, não a utilizamos neste estudo. Isto porque, embora possa haver componentes cinematicamente distintas nas regiões em que obtivemos os espectros para as galáxias, estas não devem se tornar evidentes em nossos espectros, já que estamos avaliando a distribuição de velocidades no eixo vertical das galáxias. van der Marel & Franx (1993) mostram que o método aqui utilizado minimiza as correlações entre os erros nos diferentes parâmetros que determinam o perfil de linha, de forma que a avaliação dos erros é mais segura. Além disso, estes autores também mostram que o método é menos sensível ao ``template mismatch'', já que, parametrizando pela Gaussiana generalizada, o perfil de linha pode se adequar às diferenças nas propriedades espectrais no espectro ``template'' e no espectro da galáxia.

Portanto, o perfil de linha no espaço de velocidades $L(v)$ foi parametrizado da seguinte forma:


\begin{displaymath}
L(v)=\frac{\gamma \alpha(w)}{\sigma} \sum_{j=0}^4 h_j H_j(w),
\end{displaymath} (5)

onde


\begin{displaymath}
\alpha(w)=\frac{1}{\sqrt{2 \pi}} e^{-w^2/2}
\end{displaymath} (6)

e


\begin{displaymath}
w\equiv \frac{v-v_0}{\sigma}.
\end{displaymath} (7)

Nestas equações, $\gamma$ é o parâmetro que ajusta a profundidade da linha, $\sigma $ é a dispersão de velocidades, $v_0$ é a velocidade radial média do sistema, $h_j$ são constantes, e $H_j(w)$ são os polinômios de Hermite, que são funções ortogonais (ver Abramowitz & Stegun 1965).

O teorema de Myller-Lebedeff (1908) estabelece que as séries de Gauss-Hermite convergem se os coeficientes $h_j$ satisfizerem a relação


\begin{displaymath}
h_j=2\sqrt{\pi}\frac{1}{\gamma}\int_{-\infty}^\infty L(v) \alpha(w) H_j(w) {\rm d}v,
\end{displaymath} (8)

com $j=0, \dots, \infty$, para qualquer $v_0$ e quaisquer $\gamma$ e $\sigma $, desde que não nulos. Também são condições necessárias que $L(v)$ e suas duas primeiras derivadas sejam funções finitas e contínuas, e que lim $_{v\rightarrow\pm\infty} v^3 L(v) = 0$. Estas condições são satisfeitas para perfis de linha realísticos. Para cada conjunto fixo de valores para $\gamma$, $v_0$ e $\sigma $, há um único conjunto de valores para os coeficientes $h_j$.

Como mostrado por van der Marel & Franx, se o perfil de linha não for muito diferente de uma Gaussiana pura, o que parece ser verdadeiro no problema que estamos tratando, podemos escrever a Eq. (2.2) como:


\begin{displaymath}
L(v)=\frac{\gamma \alpha(w)}{\sigma} [1 + h_3 H_3(w) + h_4 H_4(w)],
\end{displaymath} (9)

onde


\begin{displaymath}
H_3(w)=\frac{1}{\sqrt{6}}(2\sqrt{2}w^3-3\sqrt{2}w)
\end{displaymath} (10)

e


\begin{displaymath}
H_4(w)=\frac{1}{\sqrt{24}}(4w^4-12w^2+3),
\end{displaymath} (11)

já que $h_0=H_0(w)=1$ e $h_1=h_2=0$. Assim, os parâmetros livres determinados pelo nosso algoritmo são: $\gamma$, $v_0$, $\sigma $, $h_3$ e $h_4$. Note que truncamos as séries de Gauss-Hermite nos termos de ordem 4, já que a determinação dos parâmetros $h_j$ para ordens superiores é muito difícil atualmente nos espectros de galáxias, devido aos erros envolvidos.

Figura 2.6: O impacto dos parâmetros $h_3$ e $h_4$ na forma da LOSVD, que é uma Gaussiana pura apenas para $h_3=h_4=0$.
\begin{figure}\epsfxsize =10cm
\centerline{\epsfbox{gausshermite.ps}}\end{figure}

A Fig. 2.6 exemplifica como os parâmetros $h_3$ e $h_4$ modificam a forma da Gaussiana, que é pura para $h_3=h_4=0$. O parâmetro $h_3$, também conhecido como parâmetro de ``skewness'', é responsável por desvios assimétricos na Gaussiana. Um valor negativo para $h_3$ indica que há um excesso de estrelas com velocidades na linha de visada menores do que a velocidade média. E o oposto ocorre para valores positivos. O parâmetro $h_4$, também conhecido como parâmetro de ``kurtosis'', é responsável por desvios simétricos na Gaussiana. Um valor negativo para $h_4$ indica que há um número elevado de estrelas com velocidades na linha de visada próximas da velocidade média. Por outro lado, um valor positivo indica que a distribuição de velocidades é mais alargada próximo da velocidade média. Note que, em geral, os valores medidos para $h_3$ e $h_4$ em galáxias estão na faixa de -0.1 a 0.1. Além disso, para que haja uma estimativa precisa dos valores de $h_3$ e $h_4$, é preciso que a razão sinal/ruído nos espectros seja no mínimo igual a 50. Isto ocorre apenas para os nossos espectros centrais. Assim, o valor obtido para $h_3$ e $h_4$ na determinação das LOSVD's não foi de interesse direto para nós. Porém, é evidente que o simples fato de a parametrização dar liberdade para a LOSVD não ser uma Gaussiana pura maximiza a qualidade das estimativas para a dispersão de velocidades. Portanto, para cada espectro obtido para as galáxias de nossa amostra de espectroscopia, a LOSVD foi determinada duas vezes. Na primeira, como uma Gaussiana pura e, na segunda vez, permitindo valores não nulos para $h_3$ e $h_4$. Isto nos permite também checar a coerência dos resultados.

Apenas para ilustrar as capacidades do algoritmo desenvolvido, no caso em que se escolhe uma parametrização por 2 Gaussianas, o perfil de linha é descrito por


\begin{displaymath}
L(v)=\frac{\gamma}{\sigma}[\alpha(w)+g\alpha(w')],
\end{displaymath} (12)

onde $g$ é uma constante que determina a contribuição para $L(v)$ advinda da componente secundária, e


\begin{displaymath}
w'=\frac{v-v_0-d}{\sigma p},
\end{displaymath} (13)

onde $d$ corresponde ao deslocamento em $v_0$ da componente secundária com relação à primária, e $p$ é um fator que determina o alargamento em $v$ da componente secundária, outra vez em relação à primária. Para valores não elevados de $h_3$ e $h_4$, as duas parametrizações têm resultados bastante similares no que se refere ao perfil de linha. A parametrização em 2 Gaussianas é vantajosa no caso em que se acredita na existência de uma componente cinematicamente distinta, já que os parâmetros determinados podem caracterizar fisicamente esta componente secundária. A Fig. 2.7 ilustra alguns exemplos de perfis de linha parametrizados desta forma, com $g=1$ e valores distintos para $d$ e $p$.

Figura 2.7: Alguns exemplos de perfis de linha segundo a parametrização em 2 Gaussianas.
\begin{figure}\epsfxsize =6cm
\centerline{\epsfbox{twogauss.ps}}\end{figure}

Para valores acentuados de $h_3$ e $h_4$, a parametrização segundo a Eq. (2.6) pode produzir perfis de linha com picos múltiplos e valores negativos, o que é de certa forma preocupante, principalmente porque valores negativos para a LOSVD não condizem com a realidade. Para evitar estes problemas, Zhao & Prada (1996) introduziram um termo de amortecimento que é multiplicado aos polinômios de Hermite. Este termo é descrito por


\begin{displaymath}
a_je^{-b_jw^2/2},
\end{displaymath} (14)

onde


\begin{displaymath}
a_j=\sqrt{1+\frac{b_j}{2}}.
\end{displaymath} (15)

Nosso algoritmo também possibilita utilizar esta parametrização. Porém, não a utilizamos aqui, em primeiro lugar, porque os valores de $h_3$ e $h_4$ são pequenos na maior parte dos casos, e mais ainda no nosso caso e, em segundo lugar, porque a escolha de $b_j$ é subjetiva e arbitrária, além de ser de difícil interpretação física.

Finalmente, para evitar velocidades infinitas, o que pode ocorrer para os perfis de linha descritos acima, já que $v=[-\infty,+\infty]$, o nosso algoritmo introduz um truncamento nas velocidades, seguindo a dedução de que (ver BT87)


\begin{displaymath}
\langle v_e^2\rangle=4\langle v^2\rangle,
\end{displaymath} (16)

onde $v_e$ é a velocidade de escape, em sistemas virializados.

Para nos certificar de que nosso algoritmo produz resultados corretos, foi realizada uma série de testes. Nestes, o espectro de uma estrela foi artificialmente deslocado, e alargado por uma LOSVD conhecida, produzindo um espectro artificial típico de uma galáxia. Este espectro foi produzido de modo a ter 1 Å de resolução espectral e uma razão sinal/ruído igual a 30, ou seja, é um espectro representativo daqueles que obtivemos. Os espectros das estrelas escolhidas para os testes (em geral, gigantes do tipo K) foram obtidos através da base de dados ELODIE (ver http://atlas.obs-hp.fr/elodie/), que contém espectros de alta resolução obtidos para várias estrelas no Observatório de Haute-Provence. Em seguida, utilizamos nosso algoritmo para determinar, a partir do espectro sintético da galáxia, a LOSVD, utilizando como espectro de comparação os espectros de estrelas padrão obtidos por nós. Os testes foram repetidos para diferentes estrelas, tanto aquelas para a construção do espectro sintético da galáxia, como as de comparação. Os resultados foram sempre excelentes: a solução encontrada pelo nosso algoritmo, i.e., o espectro de comparação deslocado, e alargado pela LOSVD determinada, sempre foi muito similar ao espectro sintético da galáxia. De todo modo, na aplicação do nosso algoritmo na obtenção das LOSVD's em nossos espectros, sempre tomamos o cuidado de avaliar se a solução encontrada de fato é similar ao espectro da galáxia (ver adiante). Desta forma, a cada LOSVD obtida estamos nos certificando de que os resultados obtidos são precisos.

Como dito acima, utilizamos até 3 espectros de comparação na determinação das LOSVD's. A seleção destes espectros seguiu um critério cuidadoso de forma a minimizar ainda mais o ``template mismatch''. Em primeiro lugar, o algoritmo foi aplicado na determinação da LOSVD em um dado espectro de galáxia qualquer, utilizando, uma de cada vez, todas as estrelas padrão observadas com um determinado conjunto instrumental. Aquela estrela, para a qual o ajuste foi melhor (i.e., com o menor $\chi^2$), foi a primeira selecionada. Em seguida, o algoritmo é aplicado utilizando como espectro de comparação uma combinação dos espectros da primeira estrela selecionada e de cada uma das outras estrelas padrão que restaram, separadamente. Novamente, o par de estrelas que produz o melhor ajuste é selecionado. Finalmente, o algoritmo é aplicado utilizando os espectros do par de estrelas selecionado combinados com os espectros de cada uma das outras estrelas padrão, determinando-se, assim, a terceira estrela. Em geral, com 3 estrelas obtivemos o menor $\chi^2$. Porém, em alguns casos, a adição de uma terceira estrela prejudicava o ajuste e, neste casos, foram utilizados os espectros de apenas 2 estrelas padrão. Apenas um conjunto de estrelas padrão foi determinado por galáxia, após verificarmos que o melhor conjunto para uma dada galáxia não se altera em espectros extraídos a diferentes distâncias galactocêntricas.



Footnotes

... padr\ ao.10
Entretanto, fizemos uso de até três estrelas padrão na determinação das LOSVD's neste estudo, de forma a otimizar o tempo de processamento do algoritmo.

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Dimitri Gadotti 2004-02-03